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Entrevista concedida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, ao jornal "Kommersant", Moscovo, 14 de abril de 2025

627-15-04-2025

Pergunta: Desde a tomada de posse da nova administração norte-americana, já se efetuaram várias rondas de negociações com os norte-americanos. Como é que o senhor avalia o resultado destes contactos? Conseguiram estabelecer os parâmetros fundamentais para um futuro acordo abrangente sobre a Ucrânia? Quais os aspetos em que Washington e Moscovo já estão de acordo?

Serguei Lavrov: A resposta imediata à sua última pergunta é não. É fácil chegar a acordo sobre os principais componentes de uma solução. Estão a ser discutidos.

Não há segredos da nossa parte. Em 14 de junho de 2024, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, proferiu um discurso no Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, onde expôs claramente os princípios com base nos quais identificou uma solução a longo prazo, fiável e justa. Esta solução teria em conta, acima de tudo, os interesses da população e garantiria plenamente os direitos humanos (especialmente os direitos das minorias nacionais), em conformidade com a Carta das Nações Unidas. Todos os pontos supramencionados já foram devidamente expostos.

Esta não é uma posição oportunista. Gostaria de sublinhar uma vez mais que a posição em apreço se alicerça de forma substancial nas formulações estatuídas na Carta das Nações Unidas, em numerosas convenções e nos desfechos dos referendos, bem como na vontade expressa pela população das regiões do Donbass e da Novorossia. Estas quatro regiões manifestaram de forma transparente e sob supervisão internacional a sua vontade de se reintegrar na sua grande Pátria, a Federação da Rússia.

Relativamente à parte norte-americana. Já salientámos que, ao contrário dos europeus (especialmente os escalões governantes da França, do Reino Unido, dos países bálticos e de alguns outros países da UE e da NATO) que demonstram um comportamento dominado pela ferocidade (não consigo encontrar outra palavra para isso, a não ser ferocidade), a administração Trump está a tentar ir ao âmago do problema e compreender a causa raiz da situação resultante das ações de Washington e Bruxelas, que levaram ao poder o atual regime e organizaram e financiaram o golpe de Estado anticonstitucional em fevereiro de 2014.

Victoria Nuland, que exerceu as funções de responsável pela Ucrânia no Departamento de Estado dos EUA durante a administração de Barack Obama, declarou, em audição no Senado, ao defender a eficácia da política da administração norte-americana, que os EUA tinham gasto cinco mil milhões de dólares e que tal tinha produzido resultados, uma vez que na Ucrânia se estabeleceu um regime favorável aos interesses norte-americanos. No entanto, o regime implantado não tardou a demonstrar a sua natureza nazi. Em fevereiro de 2014, o primeiro instinto do novo regime foi quebrar o acordo feito na noite anterior, garantido pelos alemães e pelos franceses (teremos de referir mais do que uma vez hoje os nomes destes países, se considerarmos as formas como os acordos aprovados pelo Conselho de Segurança foram traídos). A proposta de formação de um governo de unidade nacional, o qual deveria organizar eleições antecipadas, foi rejeitada. Foi declarada publicamente a criação de um "governo de vencedores".

Todos estes processos já se tornaram irreversíveis (quero dizer que, apenas as forças militares são capazes de eliminar esta "impureza" dos escalões governantes). O ímpeto imediato dos "golpistas" que tomaram o palácio presidencial e os edifícios administrativos em fevereiro de 2014 foi proclamar a intenção de extinguir o estatuto da língua russa. Consequentemente, os sinais genéricos são conhecidos na sua totalidade.

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reiterou em diversas ocasiões que a decisão da administração Biden de arrastar a Ucrânia para a NATO constituiu um erro colossal, um “estopim" para a atual situação na Ucrânia. Anteriormente, foram-lhe feitas algumas promessas. Após a tomada de posse de Joe Biden, o assunto começou a ser abordado de forma concreta. O Presidente dos EUA, Donald Trump, declarou repetidamente que compreendia uma das principais causas fundamentais deste processo.

Numa reunião com o Secretário de Estado, Marco Rubio, e o Conselheiro de Segurança Nacional, Michael Waltz, eu e o assistente do Presidente da Rússia, Yuri Uchakov, abordámos a segunda causa principal, salientando que o regime nazi, representado por Volofimir Zelensky e os seus seguidores, adotou uma política de extermínio de tudo o que era russo.

Eles mataram inúmeras personalidades proeminentes, incluindo jornalistas e ativistas sociais que advogavam a importância da preservação da cultura russa no país. Este país deve, de facto, a sua origem aos russos e, ao longo dos séculos, beneficiou do apoio e desenvolvimento dos russos, que edificaram cidades como Odessa e muitas outras, portos, estradas e fábricas. Estas pessoas foram exterminadas fisicamente.

Foram aprovadas leis com o intuito de erradicar todos os elementos russos (considerando a legislação ucraniana no momento atual). Foi aprovada pelo menos uma dúzia de leis antirrussas aprovadas antes de decidirmos que uma operação militar especial não tinha alternativa. A administração Trump também se mostra compreensiva para com este aspeto.

Numa entrevista a Tucker Carlson, se não estou enganado, o enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, declarou publicamente que os referidos territórios eram habitados por indivíduos que se pronunciaram em referendos a favor da reintegração na Federação da Rússia.

É impossível ignorar estas coisas, refiro-me à NATO e ao extermínio dos direitos das pessoas. O foco não recai sobre os territórios em si, mas sim sobre os direitos das populações locais. É precisamente por esse motivo que estes territórios nos são caros. Não podemos, em circunstância alguma, desistir deles, expelindo as pessoas dali. Atualmente, existe uma proposta para a expulsão dos palestinianos da Faixa de Gaza.

E aqueles que, sob a liderança de Volodimir Zelensky, persistem na "disputa retórica" sobre as fronteiras de 1991, igualmente almejam a expulsão ou a reintegração dessas populações sob o seu domínio nazi, colocá-las de volta numa situação em que todos relegaram para o esquecimento a sua língua, cultura, história e o papel da Rússia nesses territórios? A terra é-lhes necessária para realizar um "bom negócio". Já venderam alguma coisa ao Primeiro-Ministro britânico, Keir Starmer, a preços "inflados". Atualmente, não possuem mais nenhum ativo para oferecer aos norte-americanos. Eles são mercantilistas que não têm nada de sagrado.

Estive recentemente em Antalya, num fórum diplomático, onde citei algumas declarações de Volodimir Zelensky. Numa das suas entrevistas mais recentes, ele disse que o ódio aos russos o movia. Quando lhe perguntaram se odiava tanto o Presidente da Rússia, Volodimir Putin, respondeu que odiava todos os russos. Ontem, numa entrevista a outro jornal, ele voltou a dizer o mesmo.

Sentimos que os norte-americanos compreendem o que se passa. Eles dizem que se aperceberem de que é preciso fazer alguma coisa em relação a estas causas raiz. Não quero sequer supor que na Europa não haja uma única pessoa normal. Há, de certeza, quem se aperceba disso. Mas eles estão “amordaçados”. Salvo raras exceções, apenas o Primeiro-Ministro húngaro, Viktor Orban, o Primeiro-Ministro eslovaco, Robert Fitzo, e alguns cientistas políticos e académicos que não estão no poder se atrevem a dizer a verdade.

Os norte-americanos, a administração Trump, demonstram essa capacidade, distinguindo-se favoravelmente daqueles que não querem sequer pensar e se metem na televisão (desculpe a palavra pouco elegante) para exigir que a Rússia suspende imediatamente as operações militares por um mês no intuito de “remendar rapidamente os buracos” e enviar uma força de paz. Volodimir  Zelensky, com um olhar que transmitia uma intensidade  emocional acentuada, (aparece com um olhar ora emocional ora embotado) já lhes explicou tudo durante a discussão sobre as forças de manutenção da paz (o Presidente francês, Emmanuel Macron, destacou-se pelo seu empenho). Ele disse que eles não necessitavam de soldados da força de paz, mas de tropas de combate. " "Forneçam-nos rapidamente armamento e combatentes dos vossos países e nós defenderemos a nossa pátria", declarou. Tive de expor detalhadamente a nossa visão sobre como é abordada atualmente a Ucrânia por diferentes entidades.

Se retomarmos outros aspetos do diálogo russo-americano, é evidente que, após três anos de "fracasso", não é fácil tirar as nossas relações do impasse em que se encontram. Particularmente porque o desejo sincero (como é evidente) do Presidente dos EUA, Donald Trump, e da sua equipa de avançar para a normalidade após o "entorpecimento" que atingiu as elites de Washington (não só os democratas, mas também, em parte, os republicanos) está agora a começar a causar resistência. Estão a preparar algumas "estratégias" através de lobistas, através dos órgãos de comunicação social. Lemos sobre isso na imprensa. Embora não se faça nenhum segredo disso. O seu objetivo é impedir que o Presidente dos EUA, Donald Trump, estabeleça relações com a Rússia de forma séria, como seria de esperar entre duas grandes potências e entre quaisquer países.

Em conformidade com o disposto na Carta das Nações Unidas, as Nações Unidas fundamentam-se na igualdade soberana dos Estados. No período anterior à criação da Organização, os colonizadores ocidentais nunca trataram os outros como iguais a si próprios. Nesse sentido, gostaria que me citasse um exemplo de uma situação de conflito, desde a criação da ONU em 1945, em que o Ocidente tenha considerado como iguais a si próprio as partes dos conflitos em que intervinha de forma intensa. Esta situação não é observável. Este é um dos fatores que dificultam o restabelecimento da normalidade.

A China e os Estados Unidos não têm menos contradições. É possível que estas não sejam tão extensamente debatidas nos órgãos de comunicação social, contudo, ambos os países são os principais, e possivelmente os únicos, concorrentes pela supremacia na economia e nas finanças globais. No que diz respeito à economia, veja-se a luta tarifária sem quartel que está a ser atualmente travada entre eles. Estes dois países enfrentam significativas contradições em questões geopolíticas, incluindo a integridade territorial da China, as questões de Taiwan, dos mares da China Meridional e Oriental, e as disputas territoriais. Nestes casos, os EUA assumem uma posição clara de apoio aos opositores das reivindicações de direitos chineses. A posição assumida pelos ocidentais relativamente a Taiwan é o cúmulo da hipocrisia. A administração dos EUA e os governos europeus afirmam respeitar e comprometer-se com o princípio de uma só China, acrescentando, porém, que ninguém deve atrever-se a alterar o “status quo”. E qual é o status quo? De facto, a realidade é tal que a Taiwan independente adquire armamento e celebra acordos económicos sem consultar a China. Neste caso, está a ser jogado este tipo de "jogo". Os representantes chineses reafirmaram recentemente a sua posição de firme apoio a uma resolução política e diplomática para a questão da reunificação da China, no entanto, se o Ocidente persistir nas suas provocações e persuadir Taiwan a recusar a reunificação pacífica, a China não descarta a possibilidade de recorrer a uma panóplia de medidas, de variadas naturezas e efeitos.

Apresentei exemplos que evidenciam que as relações entre as duas partes se encontram gravemente afetadas por uma profunda contradição fundamental. Não obstante, o diálogo permaneceu contínuo, tanto durante a administração Biden como nas administrações anteriores. Não obstante as invectivas públicas e altissonantes, trocadas de tempos a tempos pelas partes, nunca foi proferida por qualquer um a ideia de que os norte-americanos deveriam voltar as costas ou declarar boicote à China e isolá-la. É difícil imaginar um cenário como este. No caso da Rússia, o Presidente dos EUA, Joe Biden, imaginou-se como um "mentor" e "instrutor", investido de poderes para "lavrar decisões judiciais" que deveriam ser cumpridas pelos outros.

O restabelecimento de um diálogo regular com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é uma medida lógica. O facto de tal ter se tornado uma notícia sensacionalista para muitos constitui um "legado" da mentalidade de Joe Biden, que pretendia tornar normal o "isolamento" total da Rússia. Foi uma loucura inacreditável. É claro que estes planos não se se concretizaram. O diálogo está a ser retomado, embora não sem dificuldades. O principal é que existe um desejo de ambas as partes, apesar dos problemas e da divergência de interesses nacionais numa série (ou talvez mesmo na maioria) de questões da agenda internacional. É imperativo que nos reunamos como pessoas bem-educadas e corteses, e que escutemos mutuamente as nossas posições. Este processo encontra-se em curso.

Existe a compreensão de como devemos atuar para que as nossas embaixadas retomassem o funcionamento normal, como devemos resolver os problemas relacionados com a emissão oportuna de vistos aos diplomatas, incluindo os que exercem funções na ONU, onde se verifica um estatuto diferenciado.

As administrações Biden e Obama, bem como a primeira administração de Donald Trump, abusaram do facto de a sede da ONU se situar nos EUA. No entanto, de acordo com todas as regras e em conformidade com o acordo assinado entre Washington e a ONU, os norte-americanos não têm o direito de impedir a contratação de cidadãos de qualquer país-membro da Organização. Ainda há casos em que os  funcionários aprovados pelo Secretariado da ONU enfrentam dificuldades em obter vistos, o que os impede de assumir as suas funções no local de trabalho. Ficam à espera durante vários anos.  

Quando, durante o mandato de Joe Biden, os norte-americanos começaram a criar para nós dificuldades no financiamento da nossa embaixada, tomámos medidas adequadas. Agora, com a entrada de indivíduos sensatos na administração norte-americana e saída das criaturas de Joe Biden, estão a ser tratadas questões elementares relacionadas com a vitalidade das missões diplomáticas dos nossos dois países, que não romperam relações diplomáticas. Esta situação é absurda, mas é a realidade que temos.

A terceira vertente é a economia e o comércio. Os norte-americanos levantaram esta questão já na primeira fase, durante a primeira conversa telefónica entre o Presidente dos EUA, Donald Trump, e o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante a visita do enviado especial do Presidente dos EUA, Steve Witkoff, à Rússia e durante a visita do Diretor do Fundo de Investimentos Diretos da Rússia, Kirill Dmitriev, aos EUA. Eles são profissionais da área de negócios. Os dividendos materiais são importantes para eles. Donald Trump não esconde este facto. Esta é a sua filosofia, a sua política. Foi nesse sentido que o povo norte-americano votou. É evidente que eles estão a procurar vantagens.

No contexto europeu, os norte-americanos pretendem reduzir os gastos com a NATO, designadamente com a manutenção das tropas norte-americanas, bem como a sua contribuição para a defesa dos demais membros da Aliança do Atlântico Norte. Querem analisar a situação para identificar os países com superávit ou défice comercial, bem como para compreender as taxas aplicadas a determinados projetos de investimento. Este processo encontra-se em curso. No entanto, o processo está a decorrer de forma caótica. A realidade é esta. Esta é uma política do Presidente eleito dos Estados Unidos.

O tema financeiro foi sempre importante para eles. Isso ficou patente na primeira "cadência" de Donald Trump. A presente conjuntura dependerá da forma como eles planeiam implementar a retomada da interação económica. Em comparação com o marco recorde dos 34 mil milhões de dólares alcançados no âmbito da cooperação bilateral há alguns anos, atualmente, 90% da cooperação bilateral estão bloqueados devido às sanções ilegítimas.

Se o senhor estiver familiarizado com os debates em curso na nossa sociedade, estará ciente de que não estamos a correr à procura de ninguém para solicitar o levantamento das sanções. Contamos com um forte grupo de líderes de opinião social que advogam que o levantamento das sanções seria desastroso para nós. Neste caso, os burocratas liberais tentarão imediatamente fazer retroceder todas as nossas conquistas em matéria de substituição de importações, de soberania da nossa economia, de produção e de segurança nos domínios de que depende o desenvolvimento do nosso Estado: segurança militar, alimentar e tecnológica. Existe um receio crescente de que, assim que os "astutos" norte-americanos levantem as sanções, lançarão de imediato no nosso mercado serviços e tecnologias. Já tivemos uma experiência negativa a este respeito.

O caso dos aviões civis permanece em aberto. A manutenção da prática de duplo registo, bem como os problemas com peças sobresselentes e motores, evidenciam que não nos vão fornecer nada no intuito de deixar a nossa indústria aeronáutica morrer. É pouco provável que tal cenário seja desejado por qualquer indivíduo sensato.

Repito: estou absolutamente convencido de que o Presidente Vladimir Putin teve razão ao dizer, repetidamente, que não deveríamos mais depender em áreas cruciais para a sobrevivência do Estado. No seu discurso mais recente no congresso da União Russa de Industriais e Empresários, o Presidente Putin afirmou que, caso alguma das empresas que cessaram as suas operações na Rússia por ordem dos seus governos desejasse voltar, seria avaliada a existência de um nicho disponível para tal empresa. Os nichos que foram criados pelas empresas em questão ao fugirem da Rússia deixaram de lhes pertencer. Muitos deles já se encontram ocupados pelas nossas empresas e por empresários dos países que mantiveram as suas operações, garantindo o emprego dos nossos cidadãos e assegurando o abastecimento dos nossos mercados. Os nossos mercados haviam planeado as suas operações, contando com a presença das empresas que posteriormente fugiram. Como resultado, os seus esforços foram frustrados e espezinhados.

Na presente contenda entre aqueles que advogam que não devemos insistir no levantamento das sanções em nenhuma circunstância sob pena de agravamento da situação, e os que alertam para o risco de uma nova autarquia da nossa economia em relação à económica global, estou do lado dos primeiros. A discussão sobre a autarquia é complexa.

A globalização económica mundial deixou de ser uma realidade, tendo sido destruída. A responsabilidade por este facto não pode ser imputada a Donald Trump, mas sim a Joe Biden, que impôs e recorreu a sanções como principal instrumento da sua política externa. Não fomos os únicos a ser alvo de sanções. Atualmente, enfrentamos um número recorde de sanções. Mais de metade dos países do mundo está sujeita a sanções e restrições de vários tipos, como a China, o Irão e a Venezuela. Estes países são os principais beneficiários deste "bem". Mais de uma centena de países estão, de uma forma ou de outra, sob as sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos.

A fragmentação da economia global teve início muito antes do presente contexto, tendo sido impulsionada pela utilização do dólar como instrumento de sanções por parte de Joe Biden e punição dos inocentes. Nenhumas negociações com o país, o qual era considerado um infrator das normas democráticas, eram realizadas. Como consequência, o serviço em dólares foi suspenso, foram erguidas barreiras, houve tentativas de as contornar e tentativas de bloquear as rotas de desvio. Adicionalmente, quando emergiram tendências para a criação de plataformas de pagamento alternativas e as liquidações em moedas nacionais começaram a ganhar força, Donald Trump afirmou, antes e depois da eleição, que um dos crimes (pior do que um crime) e erros de Joe Biden foi a utilização do dólar como arma. Esta conduta, segundo o mesmo, teve como consequência a erosão da confiança no dólar e colocou uma "mina de ação retardada" que, inevitavelmente, chegaria a um ponto de explosão.

Donald Trump expressou a sua preocupação quanto à possibilidade dos BRICS criarem a sua própria moeda. Em caso de concretização deste roteiro, o Presidente dos EUA ameaçou a aplicação de tarifas de caráter extremamente elevado. Isto evidencia que Donald Trump compreende o papel fundamental que o dólar e a parte de papel da economia mundial desempenham na manutenção da posição global dos EUA e na preservação da sua supremacia. A aplicação destas tarifas resultou na perda de 50 mil milhões de dólares, os livros e os computadores, onde tudo se passa, reagiram a uma mudança de realidade na vida quotidiana, quando foi dito que se previa a cobrança de taxas. A globalização virtual mostrou-se insustentável. As bolsas de valores são inundadas com contratos futuros, que subsequentemente se desmoronam, resultando em tragédia. Este período está a findar.

Pergunta: O senhor afirma que a nova administração norte-americana pretende abordar não só questões bilaterais, mas também um acordo de paz na Ucrânia.

Na reunião recente da ONU sobre a Ucrânia, convocada na sequência do ataque à cidade de Krivoi Rog, a representante dos EUA alertou que novos ataques russos contra territórios ucranianos poderiam resultar na cessação das conversações de paz.

Decorridos alguns dias, foi perpetrado um ataque à cidade de Sumi, onde, segundo declarações do lado ucraniano, civis e crianças foram mortos. Isto significa que a Rússia não está a levar a sério as advertências dos EUA?

Serguei Lavrov: Qual representante dos EUA proferiu tal afirmação após o ataque a Krivoi Rog?

Pergunta: A representante oficial interina dos EUA na ONU.

Serguei Lavrov: Os norte-americanos dispõem de um elevado número de representantes oficiais. Recentemente, uma representante  proferiu algumas declarações sobre a Gronelândia, tendo sido, de seguida, solicitada a regressar ao seu país e a procurar outra ocupação.

Não pretendo afirmar que esta mulher (não me recordo da declaração a que o senhor se referiu) mereça o mesmo destino. Contudo, sabemos bem que a posição do Ocidente e da Europa na época de Biden nos Estados Unidos foi predominantemente marcada por mentiras descaradas.

Nos últimos anos, chamei várias vezes a atenção do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, para o facto de este, enquanto principal responsável administrativo (conforme consta na Carta) da Organização, dever observar as disposições do artigo 100.º da Carta que o obrigam a não tomar o lado de ninguém, a manter uma posição equilibrada e a não receber instruções de qualquer governo.

Conheço-o há muito tempo, tratamo-nos mutuamente por "tu", trabalhamos há décadas em cargos que se sobrepõem. Eu disse-lhe que, se ele não recebia instruções dos países ocidentais relativamente à situação na Ucrânia, cumpre, de qualquer maneira, as suas orientações.

Agora, mais uma vez, atendendo aos gritos de que “dezenas de crianças e civis foram mortos em Sumi”, declarou que é firmemente a favor da cessação dessas violações do direito internacional humanitário, da resolução da crise ucraniana com base na Carta das Nações Unidas e do respeito pela integridade territorial da Ucrânia com base nas pertinentes resoluções da Assembleia Geral.

Em primeiro lugar, o direito humanitário internacional proíbe categoricamente a colocação de material de guerra e armamento no território de instalações civis. Desde os primeiros dias da crise, e antes, no período de vigência dos acordos de Minsk, quando as expectativas frustradas de que estes acordos pudessem resolver o problema pacificamente e preservar a integridade territorial da Ucrânia, menos a Crimeia (eles não queriam fazer isso), foram registados "um milhão" de casos de colocação de artilharia e sistemas de defesa aérea em zonas urbanas, perto de jardins-de-infância. A quantidade de vídeos de mulheres ucranianas a gritarem para que os militares ucranianos se afastassem das lojas e dos parques infantis publicada na internet foi significativa. Contudo, esta prática persiste.

Temos factos e sabemos quem estava nas instalações que foram atingidas em Sumi. Naquela cidade foi realizada uma outra reunião de comandantes militares ucranianos com os seus pares ocidentais, que estiveram presentes sob o disfarce de mercenários ou de outros indivíduos. Os militares dos países da NATO encontram-se no local a dirigir diretamente as operações militares. Esta realidade é amplamente conhecida. O New York Times explicou recentemente como os norte-americanos desempenharam um papel crucial nos ataques à Rússia desde o início. Sem a sua assistência, a maioria dos mísseis de longo alcance ao serviço dos militares ucranianos não teria sido capaz de abandonar as suas bases.

O segundo ponto, que coloco a António Guterres quando este afirma que é necessário respeitar a Carta das Nações Unidas e garantir a integridade territorial da Ucrânia, é o seguinte: por que razão se torna necessário garantir a integridade territorial da Ucrânia, quando o país está a ser governado por um regime que não representa a Crimeia, o Donbass, Novorossia nem várias outras regiões que permanecem sob o domínio do regime nazi de Kiev?

A Carta das Nações Unidas estabelece, de forma prévia ao conceito de integridade territorial, a necessidade de "respeitar a igualdade de direitos e o direito das nações à autodeterminação". Foi este princípio que serviu de base para o processo de descolonização, em primeiro lugar de África. Embora tenha havido um longo período de espera, que se estendeu por 15 anos após 1945, o processo foi posto em marcha (como costumava dizer um dos nossos líderes) por iniciativa do nosso país, tendo terminado antes do previsto. Atualmente, 17 territórios permanecem numa situação de submissão, em desacordo com as resoluções da ONU. Esta situação é predominantemente perpetuada pelos franceses e pelos britânicos.

Num tom exaltado, o Presidente francês, Emmanuel Macron, enuncia que os russos devem respeitar tanto a Carta das Nações Unidas como o direito internacional. No entanto, nunca se refere ao facto de que eles retêm “pedaços” dos territórios africanos, desafiando as resoluções da Assembleia Geral da ONU e a vontade dos habitantes locais. Talvez gostem de lá ir de férias para fruir das belezas locais e das palmeiras. Em contraste, a cidade de Paris apresenta um cenário distinto: encontra-se suja e afetada por elevados níveis de criminalidade.

Recordamos aos nossos amigos nas Nações Unidas que, se a resolução da situação deve ocorrer em conformidade com os preceitos estabelecidos na Carta das Nações Unidas, solicitamos, inclusive ao principal chefe administrativo, que abordem esta questão de forma holística, tendo em conta a inter-relação dos princípios.

O princípio da autodeterminação está associado ao princípio da integridade territorial de uma forma elementar. Em 1970, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o respeito pela integridade territorial de todos os Estados cujos governos não violam o princípio da autodeterminação e que, por conseguinte, representam toda a população que vive no território em causa, através da Declaração sobre os Princípios das Relações entre os Estados.

Acham que Volodimir Zelensky e a sua “camarilha” representam a população do sudeste da Ucrânia? Não, tal não corresponde à verdade. Quando o Secretário-Geral das Nações Unidas afirma que a crise ucraniana deve ser resolvida com base em resoluções pertinentes, está a fazer referência às resoluções impregnadas de russofobia acentuada que foram adotadas nos últimos três anos graças aos votos favoráveis daqueles que foram alvo de chantagem, ameaças e coerção por parte do Ocidente.

A resolução a que me referi, ao discorrer sobre a necessidade de os Estados que se prezam representarem todos os povos no seu território, constitui um consenso que ninguém anulou.

Falámos sobre a aprovação de leis destinadas ao extermínio da língua russa, sobre a recente lei que proíbe a Igreja Ortodoxa Ucraniana canónica, uma irmã da Igreja Ortodoxa Russa.

O Artigo 1.º da Carta das Nações Unidas estabelece que todos os Estados têm a responsabilidade de garantir o respeito pelos direitos de todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, língua ou religião. A língua e a religião são explicitamente mencionadas na Carta das Nações Unidas, um facto que os nossos colegas ocidentais ignoram deliberadamente. Verifica-se que o Ocidente, tal como está representado na liderança da ONU, também não se importa com isso.

Esforçar-nos-emos para comprovar este postulado. A verdade está do nosso lado.

Pergunta: Não considera que as duas disposições mencionadas (o direito das nações à autodeterminação e à integridade territorial) se encontrem em contradição irreconciliável?

Percebe-se que o senhor está a tentar conciliá-las e explicar que a Rússia se orienta por uma delas. Contudo, o outro lado não concordará com a nossa opinião e, por conseguinte, os dois lados não conseguirão chegar a um acordo.

Numa das reuniões plenárias que contou com a participação do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, o Presidente do Cazaquistão, K.-J. K. Tokayev, abordando esta questão, alertou que, se nos guiarmos apenas pela ideia e pela cláusula referente ao direito das nações à autodeterminação, cerca de 650 conflitos absolutamente irreconciliáveis eclodirão imediatamente no mundo. O que se pretende fazer nesta situação?

Serguei Lavrov: Tudo deve ser feito de uma forma honesta.

Lembro-me deste discurso do Presidente do Cazaquistão, K.-J.K. Tokayev. Não estou de acordo com ele. Posteriormente, apresentámos aos nossos parceiros do Cazaquistão a explicação da nossa posição. Para o Presidente cazaque, só existe o direito à integridade territorial. Eu disse-lhe que, se o Cazaquistão é membro da ONU, tem de respeitar a Carta da Organização na sua totalidade. Como exemplo, citei o processo de descolonização. O que aconteceu foi precisamente o que estava estipulado na Declaração sobre os Princípios das Relações entre Estados. Em suma, a integridade territorial é respeitada pelos Estados nos quais os governos representam todos os cidadãos do território em questão. Nenhuma potência colonial, como Paris, Lisboa, Madrid ou Londres, representava a totalidade dos povos colonizados. Esta realidade não carece de comprovação. Foi por este motivo que o processo de descolonização foi levado a cabo em plena conformidade com a Carta das Nações Unidas.

Os fascistas, os nazis de Kiev, não representam os familiares das vítimas do incêndio em Odessa, nem os familiares dos cidadãos cujos filhos foram torturados e mortos no Donbass (aos quais é agora dedicada a "Alameda dos Anjos" em Donetsk), nem os familiares das vítimas do bombardeamento aéreo do centro de Lugansk no início de junho de 2014. O direito humanitário internacional estabelece a proibição da utilização das forças armadas em conflitos internos contra o próprio povo. Esta enumeração poderia ser alargada indefinidamente.

Veja como reagem à libertação das suas aldeias aqueles que estiveram sob o “jugo” nazi (não posso dar a este fenômeno outra designação) durante mais de dez anos, aqueles que foram vítimas de roubo, cujas residências foram destruídas, cujos rebanhos de gado foram desviados, cujas mulheres foram violadas.

Sabe por que razão haverá o caos? A razão é simples: ao sair da África, os colonizadores desenharam mapas dos países africanos com uma régua, dividindo os locais de residência dos grupos étnicos ao meio ou em três ou quatro partes. Atualmente, um exemplo ilustrativo deste fenómeno é o dos tuaregues, que habitam em regiões que se estendem por ambos os lados da fronteira entre a Argélia e o Mali. Este fenómeno é ilustrado por diversos exemplos, tais como os Tutsis e os Hutus. Esta é, efetivamente, uma manifestação do legado deixado pelos colonizadores.

A União Africana demonstrou a sabedoria ao determinar que, a partir de então, os países africanos deveriam apenas viver dentro das fronteiras traçadas, realizar negociações e estabelecer relações de boa vizinhança de modo a permitir que os familiares atravessem livremente a fronteira para efetuarem visitas recíprocas. Esta prática é análoga à que foi adotada nas nossas relações com os nossos vizinhos.

Pergunta: No momento em que todas as tribos africanas em apreço começarem a reivindicar o seu direito à autodeterminação, irromperão conflitos de longa duração.

Serguei Lavrov: Estou a dizer-lhe que a União Africana demonstrou a sabedoria ao optar por não interferir neste legado ignóbil dos colonizadores, antevendo que tal acarretaria um maior derramamento de sangue. Na maioria dos casos, as atuais fronteiras não são contestadas por nenhum país africano.

Pergunta: Estão então a orientar-se pela outra disposição?

Serguei Lavrov: Percebo que a lógica que está a defender lhe é próxima. Os países africanos orientam-se pelo facto de, nas condições existentes na altura, terem concretizado o direito das nações à autodeterminação, não desejando pôr em causa as atuais fronteiras, demonstrando a sabedoria. Contudo, o curso natural das coisas (a presença das tribos na região) está associado a ocorrências pontuais de "confrontos". Se interpretarmos agora o direito das nações à autodeterminação como  apelo ao caos, os poderosos do mundo a quem tudo é permitido e de quem, aparentemente, o senhor está a falar não são da mesma opinião.

Tomemos como exemplo o Kosovo. A integridade territorial da Jugoslávia foi desrespeitada. Não se observava qualquer atividade militar no território circundante da Sérvia no momento da declaração unilateral de independência da província. Não se verificava qualquer ameaça à população da região. Ainda antes da declaração de independência do Kosovo, foi assinada uma resolução. O Conselho de Segurança das Nações Unidas decretou a presença de forças policiais sérvias no local, bem como a presença de agentes da guarda de fronteiras sérvia nas fronteiras externas do Kosovo. Esta decisão foi ignorada. A opção tomada foi a da secessão. Não foi realizado nenhum referendo no Kosovo. O processo ficou restrito à atuação do representante da ONU, o ex-presidente finlandês, M. Ahtisaari, que ficou conhecido pela sua infeliz atuação ao declarar a independência do Kosovo, sem que tivesse sido realizado qualquer referendo. Ele executou simplesmente a ordem recebida dos norte-americanos.

Como se processou a concretização do direito à autodeterminação na Crimeia? Foi concedida à população local a possibilidade de realizar livremente um referendo. O processo foi supervisionado por centenas de observadores. Embora estes não representassem governos ocidentais, representaram parlamentos ocidentais e de países de outros continentes. Então o Ocidente disse: “De que direito à autodeterminação se pode tratar? No caso dos povos eslavos, esse direito não é aplicável, mas, no caso dos albaneses, é passível de aplicação".

Atualmente, são exibidos diversos documentários sobre a história da Grande Guerra Patriótica, que retratam o modo como a "raça superior" tratava os eslavos, em particular. Atualmente, ao acompanhar a evolução dos acontecimentos, concluo que esta atitude persiste e não foi a lugar nenhum. Basta ouvir Friedrich Merz, por exemplo.

Há cerca de oito ou dez anos, quando se dialogava com colegas alemães sobre diversos temas geopolíticos, estes enviavam um "sinal". Qual era o significado das suas declarações? Afirmavam ter acertado contas connosco e com todos os outros e não terem mais nenhuma obrigação para com ninguém. Portanto, iriam comportar-se como quisessem.

E uma pergunta concreta que se enquadra no mesmo contexto. Os sobreviventes do Cerco de Leninegrado, os judeus que sobreviveram ao cerco, receberam diversas compensações pontuais do Governo alemão. E que dizer daqueles que, juntamente com os judeus, sucumbiram ao frio e às condições terríveis, que levaram em trenós os seus filhos para o cemitério, tiveram de comer cadáveres para sobreviver? Também sobreviveram, tal como os judeus. Não deveriam, pelo menos, beneficiar do mesmo tratamento?

O atual Presidente da Alemanha, F.-W. Steinmeier (que, à data, ocupava o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros), informou-me de que os alemães possuíam uma legislação específica relativa ao Holocausto, enquanto os sobreviventes do Cerco de Leningrado eram considerados participantes comuns do conflito, não estando prevista qualquer compensação pontual para estes. Os alemães já tinham pago a contribuição, acrescentou. Então eu disse-lhe: "Desculpe, se isto é visto como parte do Holocausto, então aplica-se a todos os sobreviventes do cerco de Leninegrado. Eles fazem parte do Holocausto não só por serem judeus, mas também por terem sido tratados desta forma. Ele respondeu categoricamente que não. "Vamos construir um hospital em São Petersburgo e criar um centro de encontro dos participantes na guerra para fazerem as pazes", disse ele. Nós dissemos: "Está bem. Provavelmente não é mau, mas isso não é o mais importante. O mais importante é não mostrar atitudes racistas para com os sobreviventes do cerco". Ele respondeu categoricamente: "não"

Já lhes explicámos que, se quisessem construir algo em São Petersburgo, podiam fazê-lo. No entanto, os sobreviventes do Cerco residem em todo o mundo, não apenas na Rússia, mas também em muitas outras cidades. A resposta foi, novamente, negativa. Esta recusa é evidenciada pelas declarações de Friedrich Merz e por diversos outros aspetos. Esta situação é de lamentar.

Para nós, o destino dos indivíduos é de importância crucial. A nossa opinião é que a afirmação de que é impossível violar a integridade territorial da Ucrânia equivale a colocar os russos, os ucranianos de origem russa que fugiram ao regime nazi, de novo nas garras destes "monstros".

Como foi mencionado no início desta entrevista, os norte-americanos compreendam as causas fundamentais do conflito. Uma dessas causas reside numa atitude russofóbica consagrada legalmente. No entanto, à medida que os norte-americanos começam a aprofundar-se nas causas raiz, emergem declarações sobre os territórios. Steve Witkoff disse ter havido referendos em quatro regiões. Este facto deve ser reconhecido.

Keith Kellogg (outra representante especial de Donald Trump) afirmou que, atualmente, se discute amplamente sobre forças de manutenção da paz. A sua instalação deve ocorrer nas regiões para além do Dnieper, devendo-se, neste caso, "resignar-se" com o destino dos territórios até ao Dnieper e a ausência de integridade territorial nesse setor. O que se verifica, ou melhor, o que já ocorreu foi a autodeterminação dos povos. Propõe-se a criação de "zonas de responsabilidade" na margem direita do rio Dnieper, estabelecendo-se, deste modo, uma situação semelhante à vivida em Berlim no período pós-Segunda Guerra Mundial. Esta proposta suscitou um grande alvoroço.

O Primeiro-Ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e o Presidente da França, Emmanuel Macron, estão a “acalentar” a ideia de forças de manutenção da paz, reunindo para o efeito uma “coligação dos dispostos". Os países bálticos já demonstraram o seu apoio a esta iniciativa. Claro que sem a sua participação nenhuma iniciativa terá êxito.

Contudo, a maioria dos países da União Europeia e da NATO reagiu  de forma "azeda", declarando ser bom haver uma linha de contacto. O mais importante é pôr termo ao conflito. No entanto, a resolução do conflito continua a ser protelada.

Neste contexto, as questões colocadas pelo nosso Presidente revestem-se de grande relevância: o que é que vocês vão fazer caso seja de repente declarado um cessar-fogo sem uma resolução duradoura? Vão armar e participar na mobilização forçada dos pobres ucranianos que estão a ser caçados pelos agentes dos Centros de Recrutamento que os retiram inclusive das casas de banho perante os olhos das suas mães e os metem nos seus carros?

Volodimir Zelensky declarou que não requer a presença de soldados da força de paz, mas sim de unidades de combate. Um homem "franco". Contudo, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o Primeiro-Ministro britânico, Keir Starmer, estão a ludibriar com as palavras. Agora cunharam o termo “forças de resiliência”. A "resiliência" da Ucrânia será assegurada pela presença de unidades militares "civilizadas" de países ocidentais atrás das tropas ucranianas em substituição das unidades antirretirada, com as quais o exército ucraniano já está familiarizado. Contudo, não está claro o que será preservado deste modo. O regime? Ninguém está a dizer uma só palavra sobre eleições.

A verdade é que os norte-americanos disseram agora que é preciso realizar eleições. Mas a Europa vai fazer tudo para manter o regime ucraniano inalterado. Talvez encontrem um “novo meio-führer” menos dependente de várias "substâncias", mas o regime permanecerá inalterado.

Pergunto nos mais diversos eventos (perguntei em Antalya há alguns dias): Quando vocês reconhecerão a inevitabilidade de a Ucrânia permanecer dentro das suas fronteiras já “truncadas”, como vêem o regime da Ucrânia “truncada”? Têm a intenção de obrigá-la a revogar as leis que proíbem o uso da língua russa em todo o lado? Tal coisa não é observada em lugar nenhum. Israel nunca proibiu o uso da língua árabe, nem mesmo nos tempos mais duros da ocupação dos territórios palestinianos, e mantém-se fiel a esta posição. No caso deles a situação é esta, possuem permissão para o fazer.

Em vez de censurar esta "criatura" (lembra-se de como ele chama aos russos), Ursula von der Leyen declara pomposamente que é necessário dar “a última corda”, “a última arma”, “o último cartucho” (o último cartucho poderia vir a servir Volodimir Zelensky), “tudo até ao fim” - para que este derrotasse os russos, porque Volodimir Zelensky e o seu exército estão a defender os “valores europeus”. Esta tese não é rejeitada por ninguém na Europa.

Consequentemente, todos os "esquemas" de manutenção da paz propostos por figuras como Macron e Steinmeier partem do princípio de que é necessário preservar, pelo menos, um território, por diminuto que seja, para manter um regime abertamente nazi e russofóbico, destinado a preparar outro conflito contra a Rússia, como foi feito no caso dos acordos de Minsk. Este é um grande problema para a reputação e a credibilidade do Ocidente.

Pergunta: Nos seus discursos públicos dos últimos anos, Vossa Excelência e Vladimir Putin sublinharam que os ocidentais não são parceiros confiáveis nas negociações de tal natureza. As suas ações e condutas sugerem uma falta de confiabilidade.

Serguei Lavrov: Nós sublinhámo-lo, eles provaram-no.

Pergunta: E eles igualmente o corroboraram, para ser franco. Em que consiste a diferença entre as negociações atuais e as anteriores? Por que razão é que atualmente se pode depositar confiança nas mesmas? Acha que isto pode ser explicado de alguma forma do ponto de vista do bom senso?

Serguei Lavrov: O bom senso reside numa única premissa. Esta máxima, na verdade, corresponde ao lema adotado por Donald Trump. Ele afirma que a sua conduta é orientada pelo bom senso. Esta observação é corroborada pelo seguinte facto: vieram pessoas que nos disseram que enfrentamos muitos problemas e contradições, mas que é uma idiotice herdada da administração anterior, de declarar que não queremos falar com vocês. Acredito (como já tive oportunidade de referir) que está é uma normalidade, uma normalidade humana, a qual não vamos rejeitar. Pelo contrário, achamos que é importante.

Quando o assessor do Presidente russo, Yuri Ushakov, e eu nos reunimos em Riade com o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, e o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Mike Waltz (foram eles que nos convidaram), eles tomaram a palavra e declararam que o bom senso era importante para o Presidente Donald Trump.

A política externa de Donald Trump é uma política de interesses nacionais dos EUA. Contudo, ele reconhece que os outros países (sobretudo as grandes potências) também têm os seus próprios interesses nacionais, que nem sempre, e francamente, na maioria dos casos, não coincidem com os interesses nacionais dos Estados Unidos. E o mais  importante é que a Rússia, os Estados Unidos e qualquer outro país significativo como atores internacionais responsáveis são obrigados a fazer os possíveis para evitar que este desencontro redunde num confronto nas situações (que são numerosas) em que os interesses nacionais de cada um deles não coincidem. Nos casos (que são menos numerosos) em que esses interesses coincidem, são obrigados a fazer os possíveis para não perder a oportunidade e traduzir esta coincidência em projetos financeiros, económicos, tecnológicos, de transporte e logísticos mutuamente vantajosos.

Esta posição, na minha opinião, é pragmática e merece ser conversado. Não é possível prever o que acontecerá daqui a quatro anos, quando outra administração norte-americana assumir o poder. Atualmente, alguns indivíduos advogam a retomada de compras de aeronaves Boeing. E que consequências podem advir deste facto? E quem tem competência para antever como se apresentará a situação daqui a quatro anos? As aeronaves que vamos comparar vão ficar inoperacionais de novo. Vão ter de ser desmontadas para conseguirmos peças sobresselentes? Um período de quatro anos pode ser excessivamente extenso.

De acordo com os cientistas políticos europeus e nacionais, falta um ano e meio para as eleições intercalares para o Congresso dos EUA, onde o Partido Democrata envidará todos os esforços para evitar que os seus oponentes obtenham a maioria. Contudo, tudo isto não passa de suposições feitas através das borras de café.

Agora que nos oferecem “acordos” normais (como diz Donald Trump), reagimos favoravelmente. Compreendemos perfeitamente o conceito de um acordo mutuamente vantajoso, o qual nunca rejeitámos, e o conceito de um acordo que nos pode colocar numa outra "armadilha".

A opinião dominante nos nossos quadrantes políticos é que não devemos, de modo algum, permitir que qualquer restabelecimento das relações na economia e noutras esferas nos conduza à dependência dos "fornecimentos de peças sobresselentes" em todas as esferas, cujo funcionamento é fundamental para o bem-estar e a situação geral do nosso Estado. Esta questão abrange a segurança militar, alimentar e tecnológica. Tenho 100% de certeza de que esta lição não será esquecida. Como foi referido por Vladimir Putin, Presidente da Federação Russa, no discurso proferido no decurso da operação militar especial, aprendemos as lições e as coisas nunca mais seriam como antes de fevereiro de 2022.

Isto significa que, até ao último momento, tentámos encontrar alguns compromissos de acordo com estas regras. No entanto, as nossas propostas para formalizar acordos sobre os princípios fundamentais da segurança que nos seriam convenientes (após o discurso de Munique, em 2008) que visavam um acordo concreto foram rejeitadas pela NATO e os EUA.

Em dezembro de 2021, propusemos outros dois tratados para garantir a segurança da Rússia, da Europa e da Ucrânia sem o alargamento da NATO. As nossas propostas foram ignoradas. Em janeiro de 2022, o então Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, informou-me que a Rússia deveria abster-se de se envolver no tema da NATO, uma vez que este não era da nossa competência. Adicionalmente, disse que eles poderiam considerar a possibilidade de acordar a limitação do número de mísseis de médio alcance instalados na Ucrânia. Esta medida infringia as disposições do tratado do qual os EUA se tinham retirado. Pronto. Esta seria a "concessão" que eles se propuseram a efetuar. Após a apresentação dos projetos dos dois tratados, em dezembro de 2021 por ordem do Presidente (após o discurso em novembro de 2021 no Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia), ele esperou até ao último minuto que conseguíssemos explicar-lhes a natureza absolutamente catastrófica do roteiro destinado a arrastar a Ucrânia para a NATO. Sabemos que já antes de 2014, eles planeavam criar bases na Crimeia. Posteriormente, a questão da Crimeia foi encerrada. Contudo, no Mar de Azov, os britânicos projetavam a construção de bases navais e outras instalações. As palavras do Presidente Vladimir Putin, de que as coisas nunca mais seriam como antes de fevereiro de 2022 significam que ele esperou até ao último momento que eles tivessem bom senso.

Agora, o bom senso apareceu na Casa Branca. Vamos esperar para ver.

Pergunta: O que acontecerá depois de o START expirar em fevereiro de 2026? É provável que não disponham de tempo para conceber um instrumento que o substitua. Haverá uma corrida aos armamentos?

Serguei Lavrov: Para que? O Presidente Vladimir Putin declarou que a Rússia não voltará a participar numa corrida aos armamentos.

Pergunta: Haverá algum tipo de “contenção” unilateral?

Serguei Lavrov: Para que? Temos a nossa própria política e sabemos como garantir a defesa do nosso Estado, caso a situação estratégica mundial não se altere.

Apesar da normalização das relações com os norte-americanos, os EUA e a NATO não deixam de nos encarar como adversário nos seus documentos doutrinários. Adicionalmente, as suas personalidade oficiais  declaram-nos como inimigos. Esta situação mantém-se.

Não se pode retirar do Tratado START-3 (tal como da Carta das Nações Unidas) nenhuma disposição. Não se pode dizer: queremos inspecionar as vossas instalações nucleares, e isso será integridade territorial. O documento diz outra coisa. Logo no início o documento afirma que a sua conclusão foi possível porque nos respeitamos mutuamente, porque somos pela segurança igual e reconhecemos a interligação entre sistemas estratégicos ofensivos e defensivos. Esta interligação foi há muito “quebrada” pela retirada dos EUA do Tratado sobre Mísseis de Médio e Curto Alcance. Antes disso, retiraram-se do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos. Desde então, os norte-americanos têm vindo a construir defesas antimísseis, mísseis de médio e curto alcance, implantando-os em todo o mundo: na Europa, no Sudeste Asiático e ao longo das fronteiras da Rússia e da China.

A administração Trump propôs que as negociações envolvam igualmente a China. Eles não nos propõem nada. Nós também não vamos propor nada a ninguém. Porque não fomos nós que destruímos os instrumentos de controlo de armas, o tratado START-3. Foi a  administração Biden que abandonou os princípios básicos sem os quais o tratado não poderia existir. A administração Trump ainda não retomou estes princípios, embora muitas questões estejam a ser objeto de um diálogo.

Somos autossuficientes. Temos de tudo. Sabemos como garantir a nossa defesa. Se eles têm a sensação de que os seus arsenais nucleares estão muito desatualizados e continuam a tornar-se obsoletos face às nossas armas modernizadas, então eles devem ter interesse em corrigir de alguma forma esta “discrepância”. Não nos foi apresentada nenhuma proposta nesse sentido.

Da última vez, o então Presidente Biden “pediu” para inspecionar as instalações nucleares, que na altura estavam a ser alvo de drones ucranianos de fabrico norte-americano. A administração Trump expressou o desejo de iniciar um diálogo sobre as relações estratégicas entre os EUA, a Rússia e a China. A China não demonstra interesse nesse sentido. Não nos foram apresentadas quaisquer propostas bilaterais. Se alguma proposta nos for apresentada, então explicaremos como vemos conversas verdadeiramente iguais, conversas sobre como a estabilidade estratégica deve ser garantida. Contudo, esta perspetiva encontra-se muito longe. Não estamos a "andar por aí" a solicitar negociações aqui ou ali. Não rompemos o processo em nenhuma das suas componentes (económica, militar, defesa antimíssil, mísseis de médio e curto alcance, etc.).

O Presidente Vladimir Putin tem dito repetidamente que não queremos oferecer-nos. Se não gostam de conversar connosco, comportar-nos-emos de forma adequada e faremos conclusões. Se quiserem voltar, expliquem-nos o que pretendem oferecer-nos para nós vermos se a sua proposta nos convém.

Os norte-americanos propuseram um diálogo sobre a crise ucraniana - estamos a conversar com eles, estamos a explicar-lhes a nossa posição. Também propuseram um diálogo sobre a normalização do funcionamento das nossas embaixadas - nós somos a favor.

Pergunta: Quando a embaixada dos EUA voltará a funcionar em Moscovo? Quando será possível obter um visto norte-americano em Moscovo?

Serguei Lavrov: Quando aumentará a tiragem do jornal Kommersant? Pretende, uma vez mais, que um "plano quinquenal" seja cumprido no espaço de três anos? Querer não é prejudicial, como reza o provérbio popular.

A questão é que nenhum processo pode estar vinculado a uma data concreta. Agora dizem que a paz deve ser alcançada no período pascal. Porquê? Porque o Presidente da Finlândia, Alexander Stubb, pensa que isso seria bom. Esta declaração foi feita depois de uma partida de golfe em Mar-a-Lago. Depois, disse que a Rússia era um país vizinho da Finlândia, com uma fronteira comum que ultrapassava os mil quilómetros de extensão, e que seria necessário um processo de "recuperação". Contudo, três dias antes, ele tinha declarado com uma expressão zangada que "a Rússia deve retirar-se" e que eles não se esqueceriam de que a Rússia lhes tinha retirado milhares de quilómetros quadrados de território. Esta questão preocupa mais o senhor Stubb do que o facto de terem convivido connosco, de lhes termos concedido a independência, de lhes termos explicado por que razão deveríamos afastar a fronteira de Leninegrado. Acontece que eles “esqueceram” tudo isso. Além disso, não se recordam de como os seus líderes costumavam frequentar a sauna com os seus colegas soviéticos e russos, como alguns deles até praticavam hóquei connosco. Subitamente, declararam que a Rússia havia infringido todas as normas vigentes ao enviar forças militares no contexto da operação especial e começaram a exigir que a Rússia lhes devolvesse os territórios.

Se figuras como o Presidente francês, Emmanuel Macron, que anteriormente proferia insultos de caráter grave contra nós e que, de forma súbita, declarou que um dia teriam de dialogar connosco e que provavelmente seria o principal "negociador" por parte da Europa, ou o Presidente finlandês, Alexander Stubb, que afirmou que a Rússia havia ofendido os finlandeses ao retirar-lhes territórios, que a Rússia era um país agressor e, atualmente, afirma que um dia será necessário "normalizar" as relações com o nosso país, pensam que agora podem comportar-se desta maneira para, no futuro, “normalizar” as relações, então vamos refletir se chegou a altura e sobre quais as condições em que a normalização das relações pode ocorrer. De facto, ninguém é esquecido. Nada é esquecido em todos os sentidos.

Pergunta: De acordo com as suas declarações anteriores, é possível deduzir que Moscovo acredita que os EUA possuem competência para negociar e que podem desempenhar o papel de mediador no conflito ucraniano. Já existem dois acordos que foram alcançados com a mediação dos EUA. Um destina-se a garantir a segurança da navegação no Mar Negro e o outro estabelece um período de moratória para a realização de ataques às infraestruturas energéticas. Como é possível verificar, nem o primeiro nem o segundo têm efeito completo. Qual é a sua opinião sobre esta situação?

Serguei Lavrov: Tais acordos não existem.

No dia 18 de março do ano em curso, durante uma conversa telefónica, o Presidente dos EUA, Donald Trump, propôs ao Presidente russo, Vladimir Putin, que fosse declarada uma moratória de trinta dias. Donald Trump afirmou compreender as razões que tornam difícil o estabelecimento de um cessar-fogo nas atuais circunstâncias.

Recorda-se de que, na conferência de imprensa com o Presidente da Bielorrússia, Aleksander Lukachenko, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, expôs a nossa reação à ideia de um cessar-fogo geral de trinta dias? Qual será, então, o resultado final? O mesmo será utilizado para fornecer novas armas, mobilizar à força outras dezenas de milhares de homens (não sei quantas pessoas poderão ser recrutadas), como fazer com que os infractores sejam imediatamente identificados, uma vez que sabemos como a Ucrânia gosta de mentir? Por conseguinte, Donald Trump propôs a implementação de uma moratória com a duração de trinta dias sobre os ataques a instalações energéticas.  

O Presidente Vladimir Putin manifestou de imediato a sua anuência, tendo inclusive emitido instruções no sentido de implementar a presente proibição por um período de trinta dias. Entretanto, sete dos nossos drones já estavam a seguir na direção de instalações energéticas ucranianas para efetuarem o ataque. Nós abatemo-los.

Em segundo lugar, Donald Trump defendeu a necessidade de uma reunião para discutir a "Iniciativa do Mar Negro", enfatizando a importância da sua retomada. Na reunião, foram acordados cinco pontos, que foram posteriormente distribuídos pelos representantes norte-americanos.

Nós distribuímos uma adenda a estes cinco pontos, em particular ao parágrafo que afirmava que os norte-americanos ajudariam a retomar as exportações russas normais de cereais e fertilizantes no que respeita às taxas de seguro, escalas portuárias, reabastecimento de navios. Em suma, tratou-se de coisas práticos. 

Esta coisas deveriam ter sido feitas pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, há três anos, quando ocorreu a assinatura do primeiro "Acordo do Mar Negro", constituído por duas partes, a primeira referente aos cereais ucranianos e a segunda, aos cereais e fertilizantes da Federação da Rússia. António Guterres comprometeu-se a eliminar os obstáculos à exportação dos nossos produtos agrícolas, fertilizantes e cereais. Contudo, não o fez. Deste modo, considerando a inexistência de ações por parte dele, temos vindo a realizar vendas internacionais há três anos, possuímos potencial para o efeito, utilizamos rotas alternativas. Não obstante, persiste a escassez de cereais e fertilizantes no mercado. Os recursos em questão são imprescindíveis para que os países pobres possam estabelecer a sua produção alimentar e receber a nossa assistência humanitária.

Por conseguinte, dissemos sinceramente que era bom verificar que os Estados Unidos, à semelhança do que foi feito por António Guterres há três anos, se disponibilizaram para auxiliar na facilitação das exportações russas e na eliminação de obstáculos. Os EUA manifestaram a sua disponibilidade para o efeito. Compreendendo as razões por que as "expectativas" do Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, não se concretizaram, sugerimos as medidas que os EUA deveriam implementar, tendo em conta a sua manifestação de disponibilidade para fornecer assistência, de modo a evitar a repetição da situação em que o acordo alcançado foi inicialmente "saudado com fanfarra", mas que posteriormente se revelou ineficaz para as exportações russas.

Em princípio, a verificação da probidade dos nossos vizinhos ucranianos é um tópico que enfatizamos quando discutimos com o Ocidente todos os esquemas que este promove, manifestando o desejo de "facilitar um acordo". Gostaria de citar dois dos exemplos mais “gritantes”. No dia 2 de maio de 2014, quase 50 pessoas foram queimadas vivas na Casa dos Sindicatos. A Ucrânia, naquela altura sob a presidência de Poroshenko, declarou a sua intenção de investigar o caso. Até ao momento, não está a decorrer qualquer tipo de investigação. Um ano após a tragédia, quando ainda éramos membros, o Conselho da Europa disponibilizou-se para auxiliar na investigação, adotando, contudo, uma decisão insignificante, declarando a sua disponibilidade para fornecer assistência ao governo ucraniano na investigação deste trágico acontecimento. Em seguida, sumiu e nunca mais se viu (como diz o nosso povo). O assunto foi relegado deliberadamente ao esquecimento e nenhum representante se recorda do mesmo, embora existam numerosas imagens de vídeo que documentam os indivíduos que atearam fogo, bem como os que efetuaram disparos contra aqueles que saltavam das janelas. Esta questão não suscita lá nenhum interesse.

Contudo, o exemplo mais notável é o de Bucha. Durante dois dias nesta cidade, abandonada no final de março de 2022 a título de "boa vontade" pelas nossas tropas na véspera da assinatura dos acordos de Istambul, que Boris Johnson proibiu os ucranianos de assinar, não houve ninguém, exceto as autoridades locais. O presidente da câmara municipal local correu perante as câmaras da BBC, declarando que eles tinham recuperado o controlo da sua cidade natal. Decorridos dois dias, a BBC divulgou de forma surpreendente uma reportagem sensacionalista, na qual se viam dezenas de cadáveres meticulosamente dispostos na berma de uma rua central. Foi declarado que se tratava de uma "atrocidade perpetrada pela Rússia" que usou este meio para se vingar do povo ucraniano. Em consequência, a União Europeia, os EUA e a administração Joe Biden impuseram sanções. Tudo isto durou três ou quatro dias: “A Rússia é uma besta”.....  

Desde então, tanto nós como eu próprio temos procurado obter os nomes das pessoas cujos cadáveres foram exibidos de forma tão ostensiva na BBC, bem como em todos os outros canais. Em Nova Iorque, durante a Assembleia Geral e as reuniões do Conselho de Segurança da ONU, questionei pessoalmente duas vezes António Guterres, que se encontrava sentado à minha frente, numa mesa redonda, sobre a possibilidade de obter os nomes dos indivíduos em questão, cuja divulgação nos foi recusada. Fomos acusados. Tudo bem. Foi instaurada uma investigação, tudo bem, mas forneçam-nos os nomes. A nossa esperança desapareceu, mas ainda queríamos entender até que ponto ele estava engajado. António Guterres virou-se para o outro lado e ficou perplexo. Posteriormente, em encontros individuais, António Guterres afirmava que a matéria em questão não se encontrava no âmbito das suas competências. Em resposta, apresentei-lhe a seguinte argumentação: "Todavia, existe o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, no âmbito do qual foi criada uma 'Missão dos Direitos Humanos' 'independente' na Ucrânia, em violação dos procedimentos. Esta é considerada ilegítima por nós, contudo, a sua existência é uma realidade. Enviámos um documento oficial ao Conselho dos Direitos Humanos a solicitar esclarecimentos sobre os eventos ocorridos? Decorridos três anos sobre o caso Bucha, forneçam-nos pelo menos os nomes". Eles não nos responderam, embora se tratasse de um documento oficial.

Quando estou em Nova Iorque, não me furto a dar conferências de imprensa, digo a todos os meios de comunicação acreditados na ONU (BBC, CNN e outros) que são jornalistas, que têm um género chamado “jornalismo de investigação”. O Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, recusa-se a fornecer-nos uma resposta, tal como o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. É possível que os jornalistas enviem um pedido oficial de informações à ONU? Ninguém está a fazer nada.

Para mim, a situação é clara. Também é claro para mim quão perigoso é a autodeterminação dos povos. A autodeterminação não acarreta nenhum perigo.

Os nazi-fascistas apropriam-se de regiões cujo domínio jamais pertenceu a qualquer entidade, exceto ao Império Russo e à União Soviética. Nesses locais, praticam atos de extrema brutalidade e procuram censurar-nos.

"De repente", evocam um tal de memorando de Budapeste. Esta publicação não defende a ideia de que é necessário "baixar a cabeça" perante o golpe de Estado anticonstitucional que levou ao poder figuras que adotam posturas racistas e verdadeiras russofobias. Quando eles falam das fronteiras de 1991, devem saber que estas surgiram em virtude do “divórcio” ocorrido em Belovejskaiu Pucha zhsk e depois em Almati entre as repúblicas da antiga União Soviética, com base nas condições que existiam na altura. Uma das condições fundamentais para nós, República Socialista Federativa da Rússia nessa altura, era a Declaração de Independência da Ucrânia, adotada um ano antes. O documento em questão afirmava claramente que este país seria sempre neutro e não se juntaria a nenhuma aliança militar. Posteriormente, esta disposição foi “transferida” para a Constituição da Ucrânia. Este passo foi correto. A Constituição da Ucrânia estabelecia que o Estado ucraniano garantiria o respeito pelos direitos dos cidadãos de etnia russa (passagem destacada) e de todas as outras minorias nacionais.

Apesar de todas as “leis do lobo” que mencionei, esta disposição permanece incorporada na Constituição da Ucrânia. Posteriormente, os ucranianos começaram a inserir na sua Constituição disposições referentes à “adesão à NATO”. Mas nós reconhecemos a independência da Ucrânia como Estado neutro, amigo e não alinhado, onde “os direitos dos russos e de outras minorias nacionais” são respeitados.

 


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