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Ministro Serguei Lavrov conversa com jovens no Fórum da Juventude Russa “Território dos Sentidos” Solnechnogorsk (Região de Moscovo), 23 de agosto de 2020

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Obrigado pelo convite. Tento sempre participar em eventos organizados pela Agência Federal para os Assuntos da Juventude (Rosmolodej). Sei que isso é útil para mim e espero que isso seja útil para vocês, porque as perguntas, avaliações e comentários feitos aqui são uma boa dica sobre como desenvolver as nossas atividades de política externa. Vocês são uma geração que, muito em breve, continuará os trabalhos para tornar a nossa Rússia melhor, mais segura e mais desenvolvida. É-nos importante saber qual a herança que lhes deixaremos. Para tanto, consideramos muito útil ouvir as suas perguntas, pois mostram o que vocês pensam. 

Dito isto, gostaria de salientar que valorizamos muito a nossa cooperação com organizações não-governamentais em geral, inclusive as que representam o movimento juvenil. Gostaria de salientar também que temos uma cooperação frutífera com a Frente Popular Russa (FPR) e com os seus integrantes jovens. Cooperámos de forma bastante intensa com eles, quando tivemos de repatriar os nossos cidadãos que estavam retidos no estrangeiro devido ao coronavírus e se encontravam em uma situação difícil por diversas razões. A nossa colaboração foi muito proveitosa. Conseguimos resolver este problema embora não sem dificuldades. Algumas pessoas ainda permanecem no estrangeiro e só recentemente decidiram regressar à Rússia. Também trabalhamos neste sentido. 

Sei que existe a iniciativa "Líderes da cooperação internacional" avançada pela Rosmolodej. Se os projetos a serem promovidos pelos vencedores e premiados do concurso tiverem componentes que precisem de uma ajuda do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, tentaremos prestar toda a ajuda necessária através do nosso Departamento de Informação e Imprensa. Por isso, não hesitem. Tomaremos conta das questões organizações juntamente com a Rosmolodej. 

O tema desta reunião é "Servir a Pátria". Assisti a uma reportagem sobre a reunião de ontem. Creio que este tema é muito importante e abrangente, porque a política externa, bem como os nossos assuntos internos, tem um único objetivo principal: criar condições o mais possível favoráveis ao desenvolvimento do país, da sua economia e da sua esfera social e à melhoria do bem-estar dos nossos cidadãos e dos russos e das empresas russas no estrangeiro.  Estas são as principais disposições da nova redação do Conceito de Política Externa aprovada em 2016 pelo Presidente russo, Vladimir Putin. Este é também é o componente principal e inalterável daquilo que fazemos.

A fim de criar condições o mais possível favoráveis ao desenvolvimento interno do país é, evidentemente, necessário desenvolver relações com todos os países numa base de igualdade e com base nos princípios do respeito mútuo, não-ingerência nos assuntos internos e solução pacífica de controvérsias. Listei os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas seguidos sempre pela Rússia no seu relacionamento com os seus parceiros estrangeiros. Uma grande maioria de países do mundo é solidária com esta posição do nosso país: na Eurásia, América Latina, e África, além dos nossos aliados e parceiros da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), Comunidade de Estados Independentes (CEI), União Económica Eurasiática (UEE), Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e do BRICS que também se orientam pelos princípios do respeito mútuo e diálogo equitativo na busca de soluções de problemas. 

Infelizmente, nesta altura, nem todos estão dispostos a orientar-se pelos princípios da Carta das Nações Unidas, embora ninguém tenha cancelado as assinaturas colocadas nela por todos os países sem exceção. Estes princípios constituem a base do direito internacional. Os nossos parceiros ocidentais, em primeiro lugar os Estados Unidos e os seus aliados mais próximos deixam de ser tímidos e não querem mais observar as normas do direito internacional quando os seus objetivos não condizem com os princípios nobres, iguais e universalmente aceites. Fazem cada vez menos referências ao direito internacional e às convenções universais nos seus discursos públicos, substituindo esta terminologia por um novo vocabulário centrado no postulado “ordem baseada em regras”. As regras são inventadas para casos apropriados e dependem do objetivo fixado em cada caso concreto pelos nossos colegas ocidentais em uma determinada área das atividades internacionais. Tudo isso é feito secretamente por um grupo restrito de pessoas que pensam de forma igual. Elas inventam uma fórmula (falaremos disso mais tarde, durante a sessão de perguntas e respostas) e lançam-na no espaço mediático internacional, apresentando-a como posição universal e multilateral que todos são obrigados a apoiar. Já os opositores serão repreendidos e submetidos a sanções. O exemplo dos EUA que foram os primeiros a aplicar medidas restritivas para punir os chamados regimes inconvenientes foi seguido pela UE. A União Europeia elaborou o seu próprio conjunto de sanções genéricas para aplicá-lo contra aqueles que, na sua opinião, "se comportam mal" no ciberespaço e violam os direitos humanos, encarregando-se de fazer listas de infratores a seu critério. Isto é, a União Europeia reservou-se o papel de legislador, juiz e executor ao mesmo tempo para aprovar sanções, indicar infratores e aplicar medidas punitivas. É triste. 

Falamos com os nossos parceiros da União Europeia e dos Estados Unidos sobre a necessidade de voltar aos princípios fundamentais lançados pelas potências vencedoras após a Segunda Guerra Mundial, na altura em que foi criada uma organização única com a legitimidade universal, a Organização das Nações Unidas. Por enquanto, não conseguimos, infelizmente, fazer com que todos os países cumpram os seus compromissos. Os países a que chamamos "Ocidente histórico" são dominados pelo desejo de impedir a afirmação de uma nova ordem mundial multipolar e policêntrica e a realização de uma reforma do sistema internacional que reconheça as mudanças tectónicas ocorridas desde a Segunda Guerra Mundial, sobretudo no que diz respeito à emergência de novos grandes centros económicos e financeiros. Claro, com as conquistas económicas e financeiras vem a influência política. O Ocidente dominou a política internacional durante meio milénio, durante as épocas do colonialismo e das revoluções industriais que começaram no Ocidente. Agora a situação mudou. O centro do desenvolvimento mundial já se deslocou para a Ásia-Pacífico. A China e a Índia vêm crescendo rapidamente. Outros países em desenvolvimento também dizem que querem ter um lugar condigno na divisão internacional do trabalho e no sistema internacional de cooperação. Ao mesmo tempo, eles querem preservar as suas tradições, a sua cultura e o seu código civilizacional. A linha-tronco seguida pelos nossos parceiros ocidentais visa travar o curso objetivo da história e impedir o processo objetivo de formação de um mundo multipolar.  Eles utilizam para o efeito os mais diversos instrumentos e métodos sujos, desde a invasão militar direta com vista à mudança dos regimes inconvenientes até às sanções económicas que já se tornaram uma banalidade. Pelo menos, os EUA já deixaram de manter negociações, na acepção clássica da palavra. Apenas anunciam as suas reivindicações. Aqueles que discordam recebem um ultimato. Quem ignora o seu ultimato torna-se alvo de sanções. O mais importante é que as sanções que os EUA impõem àqueles que se atrevem a não obedecer são aplicadas extraterritorialmente. Ou seja, todos os outros países são proibidos por Washington de fazer negócios com o país infrator porque este não agrada aos EUA e é alvo de sanções. Se você não obedecer, os EUA aplicarão às suas empresas sanções tão especiais que você perderá boa parcela do mercado norte-americano. Além disso, farão com que as suas empresas tenham dificuldades em todo o mundo por meio, inclusive, dos sistemas de liquidação financeira dominados pelo dólar norte-americano. 

Claro que tudo isto também se manifesta no seu desejo de impedir que as principais potências do mundo moderno ganhem força e ganhem mais peso. Como é do vosso conhecimento, trata-se da China, declarada atualmente a primeira ameaça para os Estados Unidos. Isto também diz respeito à Federação da Rússia que, ainda recentemente, encabeçava a lista de adversários dos EUA. Somos oficialmente chamados adversários na legislação norte-americana. Um dos métodos usados pelos EUA é semear a “discórdia” nas relações entre a Federação da Rússia e os seus vizinhos. Vemos tudo isso. Quase somos acusados de tentativas de fazer ressurgir a União Soviética. Na realidade, porém, só queremos utilizar as vantagens históricas que se mantêm no nosso espaço devido ao sistema económico comum, às relações económicas colossais, à posição geográfica e geopolítica das ex-repúblicas soviéticas e aos seus variados laços culturais, familiares, civilizacionais e históricos.

Os programas promovidos pela UE sob o nome "Parceria Oriental" para os países da parte europeia da antiga União Soviética e Transcaucásia, os seus planos para a Ásia Central, bem como algumas atividades individuais concretizadas pelos EUA no espaço pós-soviético têm como objetivo "separar" estes países da Federação da Rússia. Eles criam obstáculos para impedir que a União Económica Eurasiática se torne em um ente do direito internacional. Esforçam-se, em particular, por dificultar a cooperação entre a UEE e a ONU, etc. 

A apoteose desta política foram, evidentemente, os acontecimentos na Ucrânia desde 2004, quando a terceira volta de votação, foi realizada ao arrepio da Constituição do país para levar ao poder um candidato conveniente ao Ocidente. Vocês sabem o que aconteceu em 2014 (estes acontecimentos ainda estão presentes na nossa memória). Inicialmente, as partes chegaram a um acordo para superar a crise. O Ocidente assinou-o, tendo mediado ativamente as negociações. Na manhã do dia seguinte, a oposição simplesmente “espezinhou” este acordo, não podendo o Ocidente fazer alguma coisa. Na nossa opinião, isso porque achou estes desdobramentos mais convenientes. Em outras palavras, a incapacidade dos nossos parceiros ocidentais de buscar acordos é já um facto bastante sério que temos de ter em conta. E não somos só nós que devemos fazê-lo. Agora que eles tentam "desenhar” a Bielorrússia de acordo com os seus padrões, oferecem-se para mediar a situação. Evidentemente, não seremos contra qualquer decisão que o governo bielorusso venha a tomar relativamente ao diálogo com a população. Quando o Ocidente diz que só a mediação com a participação dos países ocidentais será eficaz, todos têm presente o que aconteceu na Ucrânia, onde a mediação ocidental se tornou, como eu já disse, numa incapacidade total dos nossos parceiros de buscar acordos. Por isso, o povo bielorusso decidirá por si próprio sobre como sair desta situação. Penso que os sinais claros da normalização da situação são muito importantes. Ao mesmo tempo, sei que nem todos gostam disso. Há quem gostaria de tornar violento o atual evoluir pacífico dos acontecimentos na Bielorrússia, de provocar o derramamento de sangue e de fazer as coisas seguir o roteiro ucraniano.  

O Presidente russo, Vladimir Putin, atende sempre às chamadas telefónicas dos seus colegas estrangeiros da União Europeia que estão preocupados com a questão bielorrussa. Eu também fui abordado pelos meus colegas e pelo chefe do departamento de política externa da UE sobre este assunto. Consideramos que não há necessidade de impor quaisquer prescrições. O Presidente da Bielorrússia, Aleksander Lukachenko, disse várias vezes, nas reuniões com trabalhadores bielorussos, que era a favor de um diálogo, inclusive sobre uma reforma da constitucional. Parece-nos que este caminho é muito promissor.

Apesar de todas as nossas contradições com os nossos colegas ocidentais, nunca assumimos uma expressão de mágoa, nunca dizemos "vocês são assim, por isso não falaremos mais com vocês”. A vida é muito mais dura do que qualquer esquema construído artificialmente. O povo diz “guardar ressentimento é como tomar veneno”, na política externa esta conduta é completamente inaceitável. O diplomata deve ter comedimento, nós tentamos tê-lo. Temos o nosso Presidente como exemplo, mesmo nas nossas relações com os EUA que nos acusam de todos os males, de interferência nas suas eleições, de violação de todos os tratados de desarmamento dos quais eles mesmos se retiram, apontando como pretexto a posição da Rússia.  Apesar de tudo isto, quando vemos que, numa questão específica, a colaboração entre a Rússia e os EUA, a Rússia e a UE, a Rússia e outros países que têm posições hostis em relação à Rússia pode ser útil para acalmar a situação, resolver um conflito, nunca “fugimos para o mato”. Aceitamos sempre conversar. A prova disso são trocas de visitas regulares entre nós e os representes ocidentais.

Há demasiados conflitos neste mundo que só podem ser resolvidos através de esforços conjuntos, porque todos os problemas se tornaram globais, transfronteiriços. Entre eles a ameaça da proliferação de armas de destruição maciça, terrorismo, tráfico de droga, todas as outras formas de crime organizado, aquecimento global, alterações climáticas, segurança alimentar, falta de água doce. Quase todos os temas que preocupam hoje as populações ganham uma dimensão global num mundo interdependente. É por isso que estendemos a mão para não pedir que nela coloquem alguma coisa, mas para cooperar com aqueles que estiverem dispostos a fazê-lo com base na igualdade, no respeito pelos interesses da outra parte e na procura de soluções através do equilíbrio dos mesmos. Isto é sempre possível para aquele que se norteia pelos nobres objetivos que estão no cerne da Carta das Nações Unidas.

Espero muito que a nossa conversa de hoje venha a contribuir para o surgimento de novas ideias neste sentido.

Obrigado. Passemos às perguntas.

Pergunta: Como o senhor entende o serviço à Pátria? 

Ministro Serguei Lavrov: Quando você trabalha durante longo tempo, você não faz a si mesmo esta pergunta, apenas tenta fazer honestamente o trabalho que lhe foi confiado, especialmente o trabalho que me foi confiado nos últimos anos pelo Presidente Vladimir Putin. Esta será provavelmente a minha resposta. Uma das grandes personalidades disse uma frase maravilhosa: " Amem a arte em si mesmos, e não a si mesmos na arte". Esta deve ser a chave. Não amem a si mesmos nas atividades que escolherem, mas as atividades a fazer nesta área em si mesmos. Em outras palavras, não amem a si mesmos na Pátria, mas a Pátria em si mesmos. É provável que os filósofos neoliberais contestem peremptoriamente esta tese. Como é do vosso conhecimento, o neoliberalismo coloca em primeiro plano o ser humano como prioridade sobre tudo, o que é provavelmente compreensível, mas quando esta prioridade é defendida independentemente de todo o resto, da forma como este ser humano encara os outros, surgem outras ideias a este respeito.

A liberdade de cada pessoa termina onde começa a liberdade de outra pessoa. Por isso, de qualquer maneira, o individualismo excessivo apregoado pelos neoliberais não terá consequências positivas. Por falar nisso, os países que, durante a pandemia de coronavírus, se guiaram pelas prioridades neoliberais em vez de abordagens coletivas para com o problema, foram os que mais sofreram com a pandemia. Portanto, ao escolher uma profissão, aconselho-os a identificar possibilidades para o desenvolvimento das vossas melhores qualidades com vista ao alcance dos objetivos que os cientistas, diplomatas, homens de negócios, estadistas, em geral, têm na sua frente e a não amar a si mesmos na Pátria, mas a Pátria em si mesmos. 

Pergunta: O senhor poderia partilhar connosco o conselho mais valioso que teve na sua vida e dizer-nos o seu credo de vida?

Ministro Serguei Lavrov: Sou um crente em princípio, mas nunca fui à confissão. A sua pergunta é já um convite para a confissão. Não me lembro de nenhum conselho, não me lembro de um professor dizer-me: “Serguei, vou-te dar um conselho para o resto da tua vida”. Eu tive professores muito bons, entre eles Evgueni Primakov, E.N. Makeev, que chefiava o Departamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros onde eu trabalhei depois de regressar de uma missão de serviço ao Sri Lanka, A.E.Nesterenko, outro grande diplomata. No Sri Lanka, trabalhei sob a chefia do Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da União Soviética R.N.Nishanov. Ele está são e salvo. Que Deus lhe dê muitos anos de vida. Não me lembrar de alguém dizer-me: “vou-te dar um conselho”. Eu também não dou conselhos a ninguém. Tudo o que me ajuda nesta vida (também recebi algo da mãe e do pai), ganhei, em grande parte, na prática, nas negociações e nas conversas com estas grandes pessoas e com muitos dos nossos outros grandes diplomatas.

Quanto ao meu credo. Para mim, a coisa mais importante nas pessoas é a probidade.  Espero que jamais haja traição em relação à minha pessoa, aos meus entes queridos, aos meus amigos. Sinto muito se não embelezei muito a sua ideia, mas a minha resposta é assim. 

Pergunta: Os EUA, a China e muitos outros países já lançaram e estão a utilizar com sucesso redes 5G que proporcionam oportunidades muito boas. Porque, na Rússia, esta experiência foi negativa e este projeto não será concretizado? 

Ministro Serguei Lavrov: Esta não é da minha competência. Mesmo assim, estamos a acompanhar a situação nesta área. A rede 5G é amplamente debatida na comunidade internacional do ponto de vista não tanto tecnológico como geopolítico.  Que eu saiba, não é verdade dizer que, na Rússia, esta experiência não levou a nenhuma decisão. O Ministério do Desenvolvimento Digital, dos Correios e Comunicações de Massa trabalha sobre este assunto. Trata-se de disponibilizar frequências para o desenvolvimento da rede 5G ocupadas atualmente pelos militares. Para nós, como para todo o mundo, a rede 5G é uma questão muito importante. O Presidente russo, Vladimir Putin, afirmou várias vezes que se atrasarmos no desenvolvimento das mais recentes tecnologias, seja a rede 5G ou inteligência artificial, isso terá um impacto muito negativo para o país. Repito, não estou diretamente envolvido neste assunto. Mesmo assim, sei que os meus colegas do Governo se esforçam por levar à prática as respetivas diretrizes presidenciais. Estou certo de que, em breve, saberemos como este problema foi resolvido. Não vamos certamente seguir o exemplo dos americanos que simplesmente exigem que todos se abstenham de cooperar nos projetos de 5G com a China, em particular com a empresa Huawei. Não praticamos tais atitudes. Pelo contrário, estamos interessados em cooperar com países a fim de desenvolver e levar à prática novas tecnologias modernas. 

Pergunta: O senhor disse que muitos problemas têm agora a dimensão global e que a Rússia procura ajudar outros países na solução de problemas grandes e locais: perdoa dívidas, ajuda na reparação de instalações. Por outro lado, quando alguém se oferece para ajudar a Rússia, rejeitamos muitas vezes tais propostas. O senhor não acha que, ou talvez esta seja a posição do Governo, o orgulho neste caso deva ser relegado para segundo plano? Temos muitos problemas na Rússia que precisam de ser resolvidos.

Ministro Serguei Lavrov: Quero pedir que você cite um exemplo de quando nos foi oferecida alguma coisa e nós a rejeitámos. 

Pergunta: O caso de Norilsk. Que me lembre, os EUA ofereceram-se para fornecer-nos a sua tecnologia para recolher as frações leves sedimentáveis na água. A Rússia recusou-se a aceitar a sua ajuda. 

Ministro Serguei Lavrov: Não sou especialista nesta matéria. Não conheço estas tecnologias. É o mesmo quando se trata de escolher um lugar onde tratar um paciente: em Omsk ou no estrangeiro? Houve ali um acidente muito grave. Você sabe que o Presidente Putin e o Primeiro-Ministro lidaram diretamente com este assunto. O Presidente chamou a capítulo os responsáveis pela eliminação das consequências. Se tal decisão foi tomada, isso significa que as nossas tecnologias foram consideradas suficientes. Quando nos é oferecido algo em tais situações, não quero suspeitar ninguém de falta de boas intenções, acho que é melhor contar com as nossas próprias forças se a situação não é crítica. Falando sobre a proposta americana no caso de Norilsk, já fizemos várias propostas aos americanos, inclusive a propósito dos incêndios florestais na Califórnia, e oferecemo-nos para enviar para lá os nossos aviões BE-200, muito bons. Os americanos também as rejeitaram polidamente. Não vou pôr em dúvida o profissionalismo dos nossos especialistas nem o dos americanos nem direi que eles fizeram mal em não aceitar a nossa ajuda e nós fizemos mal em não aceitar a sua proposta. Neste caso, precisa-se de uma abordagem profissional para avaliar a situação. E eu, por exemplo, não tenho razões para desconfiar dos nossos profissionais nem os norte-americanos.

Pergunta: A situação na República da Bielorrússia afetou negativamente as relações entre os nossos países. Quais são as perspetivas da situação político-militar e que medidas as autoridades da Federação da Rússia podem tomar para estabilizar a situação?

Ministro Serguei Lavrov: As nossas autoridades já se pronunciaram sobre o assunto. O Presidente da Federação da Rússia discutia-o com a Chanceler da Alemanha, com o Presidente da França, com o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. Depois houve extensos comentários do Kremlin a respeito destas negociações, e nós, no MNE, também comentámos as minhas negociações com o Presidente da OSCE, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia, com o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell. A nossa atitude é muito simples: é um assunto interno da República da Bielorrússia. Os bielorrussos são um povo muito sábio, são capazes de lidar com a situação. O essencial é que não haja provocação de desordens desde o exterior. Agora, a situação está a acalmar-se, mas nós sabemos que nem todos gostam disso. Os representantes da oposição que formaram o dito Conselho Coordenador, certos países do Ocidente, antes de tudo, os EUA, tentam apresentar este Conselho Coordenador como parceiro legítimo do Governo da República da Bielorrússia nas negociações, estão descontentes pelo facto de os protestos estarem gradualmente a tranquilizar-se, pelo menos, não estão a tornar-se mais maciços e vociferantes. Estão também descontentes pelo facto de os protestos serem pacíficos. Depois do surto de violência nos primeiros dias, agora não há nenhum sinal do uso de força na organização dos protestos, e certos oposicionistas bielorrussos que moram no Ocidente, tentando de lá influenciar a situação no seu país, gostariam muito que fosse diferente, que houvesse derramamento de sangue, para provocar assim uma reação da polícia e do exército bielorrussos, que não tocam ninguém agora e não intervêm nas manifestações pacíficas. Como eu já disse na palavra introdutória, é a repetição do cenário ucraniano. Consideramos isso criminal e, se queremos dar uma avaliação independente sobre o Conselho Coordenador, há perguntas sobre como se formou. Mais do que isso, há certas pessoas incluídas nele, que apreenderam disso dos media ou das redes sociais. Alguns anunciaram não querer fazer parte deste Conselho Coordenador. Examinámos a sua composição. Há muitas pessoas conhecidas pela sua atitude negativa para com o desenvolvimento da União Estatal da Federação da Rússia e da República da Bielorrússia. Svetlana Tikhanovskaya está na Lituânia, para onde partiu dizendo querer ocupar-se da família, educar os filhos. Mas parece que não lhe permitiram ficar tranquila, e começou a fazer declarações políticas, e bastante rígidas, exigindo a continuação das greves, ações de protesto. É de notar que ela faz as suas declarações cada vez menos em russo ou em bielorrusso, mas sim em inglês. Ou seja, o destinatário, pode ser o principal, está no sentido ocidental, e é possível – porém não afirmo nada – que o objetivo deste passo seja não permitir que os países ocidentais se tranquilizem, persuadindo-os a continuar a “cutucar” esta situação. Sei também que nem todos no Ocidente concordam com esta atitude. Vemos e ouvimos declarações públicas de funcionários de países como a Lituânia e a Polónia que abertamente exigem a mudança do regime na Bielorrússia, ajudam a coletar fundos para pagar aos trabalhadores que cederam à pressão e se declararam grevistas. É triste. Claro que tratámos deste assunto, porque a Bielorrússia é um país irmão nosso, e queremos muito ser úteis na situação atual. Quando Svetlana Tikhanovskaya era candidata, dizia não possuir nenhum programa além de vencer e anunciar novas eleições, para que o povo decidisse. Agora, já existe programa. O programa apareceu no site de Svetlana Tikhanovskaya e estava lá pouco, mas segue acessível no arquivo da Internet. Há muita coisa interessante lá: a saída da UEE, da OTSC, da União Estatal. O objetivo a longo prazo: a entrada não somente na União Europeia, mas também na NATO, a “bielorrussificação” da atividade nacional por conta do uso artificial da língua bielorrussa em todas as áreas, eliminando delas a língua russa. Há outras palavras de ordem pouco construtivas, e é difícil acreditar que estas palavras de ordem sejam focadas na promoção do acordo nacional na sociedade bielorrussa, onde nunca existiu atitude antirrussa a escala minimamente considerável, tendências de eliminar tudo o que é russo da vida cultural, social e estatal da Bielorrússia. Repito que o documento estava acessível no site muito pouco tempo, e aquela parte sua que continha os apelos a recusar-se de cooperar com a Rússia, rechaçar organizações em que a Rússia participa, estava somente em língua bielorrussa. Este elemento, esta parte documento não existia em russo, o que evidencia que os autores do documento compreendiam que as pessoas que vivem na Bielorrússia pensando e falando em idioma russo não iriam aceitá-lo.

O documento inteiro desapareceu do site muito rapidamente, o que também demonstra a compreensão da natureza provocativa de semelhantes abordagens. Estão agora a discutir que as autoridades teriam iniciado ação contra o Conselho Coordenador por causa de tentativa de usurpar o poder. Anunciam abertamente que querem obter o poder para depois organizar as eleições. Propõem negociações com as autoridades atuais com um só objetivo: discutir condições da saída do Presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, e combinar a posterior promoção do seu programa. É como na Venezuela, quando um Presidente legítimo é declarado marginal. É anunciado como Presidente uma pessoa diferente, bem pouco conhecida pela população. Tudo isso continua por mais de um ano já, prejudicando seriamente o povo venezuelano, que se tornou alvo de sanções e de um bloqueio marítimo já quase vigente.

Houve uma notícia dizendo que o Conselho Coordenador da oposição da Bielorrússia apelou aos policiais e aos militares a “passarem para o lado do povo” (as palavras são suas), prometendo dinheiro em troca. Prometem-se apartamentos, dinheiro adicional. Falando da legitimidade das ações do Conselho Coordenador, a meu ver (não sou advogado, mas há muitos advogados aqui, se compreendo bem), se isso não é apelo à traição do juramento, não compreendo nada.

Repito mais uma vez: as pessoas que manipulam tudo isso parecem ter percebido que se trata de coisas muito sérias. Isso “se ocultou” rapidamente. Mas, como vai o ditado, “palavra dita, pedra lançada”: ficou pronunciada e lá está. Ao ter dito tudo isso, quero sublinhar mais uma vez que a OSCE nos oferece a sua mediação. É uma organização que age com base no consenso, criada por nós ainda nos anos da União Soviética, e continuamos a acreditar que este passo na nossa história comum com os países europeus, com os norte-americanos e os canadianos (também membros da OSCE) fez uma contribuição muito importante para a “política de desanuviamento”, para a normalização da situação, para a criação de condições da cooperação. Neste ano, faz 30 anos o documento chamado “Carta de Paris para uma Nova Europa”. No ano passado, completaram-se 20 anos das decisões tomadas na cimeira da OSCE em Istambul em 1999. Ficou proclamada lá a indivisibilidade da segurança, foi dito que nenhum membro da OSCE poderia garantir a sua segurança por conta da segurança de outrem, que todos são iguais e que o consenso é o único meio de progresso em toda questão no âmbito da OSCE.

Quando começámos a prestar a atenção dos nossos parceiros ocidentais ao facto de o princípio de indivisibilidade da segurança era violado pelas ações da NATO, que tinha prometido não avançar rumo ao Leste, não aproximar a sua infraestrutura militar das fronteiras russas, que tudo isso precisava de ser discutido, ignoraram-nos. Também ignoraram os princípios estipulados pela Carta de Paris para uma Nova Europa e pelas decisões de outras cimeiras. Existem neste espaço muitas organizações sub-regionais: a NATO, a União Europeia. Mas existem também a CEI, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), agora também a União Económica Eurasiática (UEE). As decisões postularam que a abundância de semelhantes estruturas no espaço da OSCE devia servir as iniciativas de cooperação mútua. Isso também ficou rapidamente esquecido.  Todas estas bonitas palavras de ordem eram adotadas principalmente em 1990. E logo depois, quando os nossos parceiros ocidentais acreditaram que tudo estava bem para eles, foi anunciado o fim da história. Todos os sistemas diferentes do capitalismo liberal pareciam já desaparecidos. Agora, ao tentarmos apelar à consciência dos nossos colegas, apelando a respeitarem os princípios de igualdade soberana, de não intervenção nos assuntos internos, os princípios de não fortalecimento da sua segurança por conta de outrem (os mesmos princípios que o Ocidente promovia nos últimos anos da União Soviética e que tinham sido aprovados por consenso), desviam-se e não querem registar isso em documentos práticos, com efeitos jurídicos.

Quanto à mediação da OSCE, da qual muitos líderes ocidentais estão a falar na Europa e nos EUA, apelando-nos a influenciar o Presidente da Bielorrússia, Aleksandr Lukashenko, a consentir a mediação da OSCE. Primeiro, vemos em que terminou a mediação ocidental na Ucrânia em 2014, quando o acordo já foi alcançado e assinado, levando as assinaturas dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Polónia e França, e no dia seguinte, a oposição disse ter tomado decisão diferente e ocupou um prédio administrativo. Quando nós dissemos: “Vocês assinaram isso, apelem pelo menos aos seus pupilos oposicionistas para respeitar a ordem”, reação zero. Lavaram as mãos, como se devia ser assim. Nós e os bielorrussos lembramo-nos muito bem disso. Vimos isso com os nossos próprios olhos.

Segundo. Existe na OSCE o Escritório de Direitos Humanos e Instituições Democráticas (ODIHR, na sigla em inglês), que acompanha as eleições. Os bielorrussos convidaram esta organização a enviar observadores para as eleições presidenciais. No mesmo dia quando o convite chegou, a organização disse que não iria enviar observadores porque o convite “chegou tarde”. Eu já disse, falando com os media, que nenhum membro da OSCE, inclusive a Bielorrússia, não tem a obrigação de convidar os observadores dentro de certos prazos. A obrigação é única: cada membro da OSCE deve convidar observadores internacionais para as eleições nacionais, o que foi feito. Quanto aos prazos, aos critérios do tempo de chegada, ao número de pessoas enviadas no início e depois, imediatamente para a votação, estas questões carecem de regulamento. Nós, com os nossos colegas da CEI, queremos reformar esta estrutura desde 2007. Apresentamos propostas concretas sobre o início das negociações, para que não haja ambiguidade para ninguém a respeito da maneira de receber os observadores, para que tudo isso seja bem regulamentado, uniforme para todos. Os nossos parceiros ocidentais não querem isso categoricamente. Nós dizemos que esta organização é “porosa”. Eles dizem que isso é a sua vantagem, o padrão de ouro. Quanto mais porosa for, mais fácil é manipulá-la. Especialmente se é chefiada por países que são representantes tradicionais do Ocidente. A OSCE nunca teve nenhum representante da CEI em nenhum cargo mais ou menos importante. Reagi a esta pergunta com bastante extensão, é muito importante e preocupante para todos. Os bielorrussos são nossos irmãos de verdade. Amo muito este país, tenho muitos colegas lá e amigos pessoais.

Acredito que é grande erro ignorar a proposta do Presidente da Bielorrússia sobre a reforma constitucional e o seu convite a todas as forças sãs interessadas no desenvolvimento normal do seu país a participar.

Pergunta: Quais, a seu ver, são as causas dos acontecimentos na Bielorrússia?

Ministro Serguei Lavrov: Só não erra quem nada faz. A expressão é válida para qualquer sociedade, qualquer Estado. A sabedoria dos líderes consiste em resolver estes erros, tirar deles lições para o futuro e tentar reduzir o número destes erros.

Em uma sociedade democrática é impossível, por mais que falem de uma vertical do poder forte, fazer com que esta possa estender o seu controlo a todos e a tudo. Tem-se que viver com isso, tentando sempre tirar lições da experiência, que nem sempre é positiva, que pode ser também negativa. As eleições na Bielorrússia estão “no radar” de uma oposição bastante radical, inclusive da oposição diretamente ligada aos nossos parceiros ocidentais, é um facto. Isso era óbvio. A OSCE tomou uma atitude de firmeza, começou a declarar altivamente que recebera o convite em prazos que não desejou, ainda que ninguém tivesse tomado decisões a respeito dos prazos. Convidaram-nos, então deviam vir. Não havia restrições quanto ao número de observadores. Podiam enviar um ou dois monitoradores para cada local de votação. Recusaram-se. Agora, estão a tentar ditar as suas condições. Se tivessem seguido o princípio aprovado por todos, que obriga cada país a convidar observadores (o que a Bielorrússia fez), se tivessem chegado e registassem as violações enquanto observadores independentes, teriam mais direito de promover as suas avaliações. Rechaçaram altivamente o convite do Estado soberano e membro da OSCE. Temos avaliações feitas por observadores da CEI: da Assembleia Interparlamentar e de países concretos da CEI. Estas avaliações não contêm afirmações sobre violações graves que podiam afetar o resultado geral das eleições. Há avaliações da oposição a afirmar o contrário: a contagem não seria 80:10, mas 10:80, a favor de Svetlana Tikhanovskaya.

Devido à ausência de observadores considerados independentes pelo Ocidente, é muito difícil convencer alguém de que o resultado das eleições presidenciais era diametralmente oposto ao anunciado. Nem falo dos números, senão de candidaturas concretas. A percentagem podia ser diferente, mas provar que Aleksandr Lukashenko não venceu as eleições é impossível sem aceitar o seu convite. Esta possibilidade ficou ignorada. Acho que isso foi feito em vão. Foi um grande erro. Acho que o mais importante agora é não concentrarmos todos os nossos pensamentos, esforços, capacidades mentais na compreensão das causas. Deixemos a situação tranquilizar-se primeiro, comecemos um diálogo nacional normal lá. A proposta da reforma constitucional é uma grande oportunidade de fazê-lo.

Pergunta: Que tendências apareceram recentemente na política externa da Rússia?

Ministro Serguei Lavrov: Se falamos de tendências, do sentido, da filosofia, da visão a longo prazo, as nossas abordagens formaram-se ainda em 2000, depois de adotada a Conceção da Política Externa da Federação da Rússia, quando Vladimir Putin já se tornou Presidente. A Conceção já foi corrigida duas vezes, a versão vigente hoje em dia data de 2016. As componentes essenciais desta Conceção consistem nisso: consideramos a tarefa principal da política externa a criação das condições externas mais favoráveis para o desenvolvimento interno do país, a garantia da sua segurança no perímetro externo e a garantia das condições mais favoráveis para a cooperação económica em prol dos interesses do desenvolvimento da Federação da Rússia. Isso implica inclusive a garantia de condições igualitárias, não discriminatórias para os nossos cidadãos no exterior, que viajam, trabalham lá, e para os empreendedores russos. Para alcançar este objetivo, proclamámos o desenvolvimento da cooperação com todos os países sem exceção, de todos os continentes sem exceção, que estejam prontos para fazer negócio connosco com base nos direitos iguais e respeito mútuo, respeito dos interesses e construção do equilíbrio dos interesses. Aqueles que estão prontos para isso (e são a maioria esmagadora) já demonstram no plano prático que a Conceção é vigente e é muito eficiente. É uma tendência que vemos e acreditamos que visa o futuro.

Todas as tentativas atuais de estragar o direito internacional, de quebrar a estrutura das organizações internacionais, sair de cá, fechar alguém, tentar privatizar secretariados de organizações internacionais (isso também acontece), são temporárias. Num sentido, é a agonia daqueles que têm “gestionado” os negócios mundiais e compreendem agora que o mundo mudou radicalmente, que apareceram novos potentes centros de força cujo interesse também deverá ser levado em conta. Isso não queria dizer que a Carta da ONU precisasse de uma revisão radical. Sim, os interesses dos países em desenvolvimento, evidentemente sub-representados no Conselho de Segurança (CS) da ONU (especialmente se levarmos em conta o seu peso atual), devem ser respeitados. O CS da ONU formava-se ainda na época colonial, quando a Índia não era um Estado independente etc.

Hoje, manifestamo-nos firmemente pela inclusão na composição do CS da ONU um Estado asiático, um latino-americano e um, imperativamente, africano. As tentativas de certas colegas nossos de sugerir incorporar mais países ocidentais neste órgão não são muito respeitosos, já que dos 15 membros do CS da ONU, seis países representam o mundo ocidental. É uma óbvia desproporção, se levamos em conta o PIB, a população e a geografia. Mas o respeito do papel bruscamente aumentado dos países em desenvolvimento, inclusive através da reforma do CS da ONU, não cancela os princípios essenciais da Carta Maior da ONU: a igualdade de direitos, a não intervenção, a recusa do uso de força, da ameaça de força, resolução de todos os litígios por meios pacíficos. Por isso, os princípios em que se baseia a nossa política externa, são mais duradouros do que as tentativas de certos países ocidentais de derrubar esta estrutura criada depois da Segunda Guerra Mundial.

Pergunta: Em fevereiro deste ano, eu apresentei ao Vice-Presidente do Conselho de Segurança da Federação da Rússia, Dmitry Medvedev, a iniciativa de lançar projetos de juventude dedicados à preservação da memória histórica, realizados na zona de responsabilidade imediata da OTSC. Ou seja, trabalhar com a juventude no formato da OTSC. Hoje, tal trabalho não existe. Preparei todas as iniciativas e propostas necessárias. Já obtive a aprovação do Secretariado da OTSC. Sublinharam que é um trabalho importante. O Departamento Internacional da Agência Federal para Assuntos da Juventude aprovou também. Agora, é um último elo nesta questão, preciso da aprovação do Primeiro Departamento dos Países da CEI. Quero dirigir-me ao senhor para obter o seu apoio para a realização do projeto. O projeto será criado pela União dos Jovens da OTSC.

Ministro Serguei Lavrov: Já pode considerar que obteve o apoio. Os seus papéis devem ainda estar no Departamento. Mas se o senhor os envia para mim pessoalmente, a coisa vai acelerar.

Pergunta: Que caso mais interessante o senhor poderia contar da sua vida profissional?

Ministro Serguei Lavrov: Perguntam-me frequentemente disso. Nem sei. É o meu caráter: quando as negociações terminam, eu só recordo o resultado. Não faço anotações para editar memórias. Tiro todos os papéis ao lixo.

Quanto às coisas impossíveis de se esquecer, acho que foi o acordo de eliminar as armas químicas na Síria, quando isso foi feito em prazos recorde, em duas semanas. Houve a reunião do Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, e o então Presidente dos EUA, Barack Obama, em que eu e o então Secretário de Estado, John Kerry, recebemos os encargos de tratar disso. Era necessário, primeiro, obter a aprovação do Governo sírio, e segundo, garantir a adesão da Síria à Convenção para a Proibição das Armas Químicas (CPAQ). E era preciso que o Conselho de Segurança da ONU adotasse uma resolução definindo as obrigações da Síria e da comunidade internacional a respeito do modo das eliminações, retirada, disposição final das armas químicas. Todo este processo levou duas semanas. Houve uma real satisfação profissional.

Segundo. Quando elaborávamos (porém isso levou muito mais tempo) o Plano de Ação Conjunto Global para a resolução do problema em torno do programa nuclear iraniano (JCPOA, na sigla em inglês). Isso também fazia parte da nossa cooperação com o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e com os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países europeus, com a China. Infelizmente, os norte-americanos abandonaram este acordo, golpeando a porta. Isso está a criar uma crise no CS da ONU. Superaremos a crise. As tentativas de abusar ilegalmente da resolução violada pelos próprios norte-americanos não terão resultado.

Pergunta: Os voluntários do Corpo Nacional de Estudantes Socorristas estão a receber formação em ação voluntária em situações de emergência. Não é a primeira vez, e nem o primeiro ano, que eles participam em liquidação de graves situações de emergência em diferentes lugares da Rússia. O que o senhor acha da ideia de utilizar socorristas voluntários para tratarem de situações de emergência em outros países que a Rússia apoia? O senhor iria apoiar isso?

Ministro Serguei Lavrov: A resposta é muito simples. O apoio político é garantido. Na dimensão prática, o senhor precisa de falar com a organização matriz, o Ministério para Situações de Emergência. Desde que o Ministério para Situações de Emergência foi criado “do zero” pelo meu bom amigo, Serguei Shoigu, e por partidários dele, ganhou rapidamente um bom renome no mundo. O Emercom é conhecido em todos os países. O exemplo mais recente: ajudaram no Líbano depois do terrível incidente. Socorriam e davam tratamento médico a pessoas, removiam obstruções. Se os profissionais do Ministério optem pela possibilidade de o convidar em operações no estrangeiro (entendo que nem tudo é seguro nestas histórias, é preciso ter formação), no plano político apoiaremos a geração jovem, o corpo de socorristas. Isso vai dar-nos só pontos no palco internacional, já que atrairemos a sociedade civil à resolução de importantes tarefas interestatais.

Pergunta: Como o período da Covid-19, com as fronteiras fechadas, afetará as relações entre os países asiáticos, antes de tudo com a China? No ano passado, o comércio mútuo russo-chinês superou os 100 mil milhões de dólares. Como o senhor vê as ulteriores perspetivas destas relações?

Ministro Serguei Lavrov: Com efeito, por acordo mútuo, o tráfego de passageiros permanece restrito entre a Rússia e a China, por razões compreensíveis. Graças a Deus, esta fronteira, estas passagens foram fechadas atempadamente. A meu ver, é a primeira decisão a escala global de fechar a fronteira entre os dois Estados. Isso permitiu inclusive parar a onda na China e evitar a propagação maior da infeção pelo coronavírus no nosso país. Mas o tráfego de bens não parou. O senhor mencionou o comércio mútuo, que no ano passado superou os 107 mil milhões de dólares. O comércio, conforme os dados que tenho, vai muito bem.

Pergunta: Preocupa-me enquanto morador de uma cidade fronteiriça (Blagoveschensk): como vai ser levado a cabo o fortalecimento da fronteira da Federação da Rússia? Recentemente, houve grandes demissões em diferentes entidades estatais.

Ministro Serguei Lavrov: Não estou certo se temos planos de reduzir o número de guardas de fronteira, dos postos fronteiriços. A nossa política é de liberalização do regime de vistos e de movimento entre países vizinhos. Mas tudo isso relaciona-se com medidas necessárias de preservar o devido nível de segurança. Não ouvi sobre demissões neste setor.

Pergunta: O senhor diz que não houve redução da atividade das forças de fronteira. Posso citar um exemplo: a inundação no Extremo Oriente de 2013. Resultou no fechamento de postos de fronteira situadas no território da região. Ou seja, eram três povoados e um centro do distrito, ficou só o povoado central. A 15-20 km do povoado, os postos ficaram simplesmente fechados. Há certa proteção, mas o próprio serviço está ausente dos postos, que ficam fechados.

Ministro Serguei Lavrov: Naquela altura, não havia a questão de que uma decisão dos guardas de fronteira, tomada tradicionalmente junto com os seus colegas transfronteiriços, pudesse ter uma dimensão de política externa. Não conheço este facto, mas parto da premissa de que os profissionais que estão lá para garantir o regime da fronteira, mantêm contato permanente com os colegas chineses nos postos. Será aberta a ponte na sua região, isso também deve ficar refletido no regime da fronteira. Estou convencido de que não vai ser afetado quem quiser fazer comércio na fronteira, intercâmbio comercial com a China.

Pergunta: Quais são as perspetivas de desenvolvimento das relações da Rússia e dos EUA na véspera das futuras eleições e do fim do tratado START III?

Ministro Serguei Lavrov: Pode-se falar muito em breve e pode-se falar infinitamente sobre isso. São relações especiais de dois países, de duas grandíssimas potências nucleares. São os únicos dois países (se falamos em termos da época do início da distensão começaram a negociar ainda na época soviética) que poderiam destruir-se mutuamente. É uma lógica horrível, mas foi precisamente baseando-se nela que começou outrora o processo de restrição de armamentos. Existia inclusive o termo “eliminação mútua garantida”, como premissa lógica para a necessidade de fazer algo para afastar-se deste abismo.

Houve vários tratados sobre armamentos estratégicos ofensivos. Agora, restou o START III, que expira a 5 de fevereiro do ano que vem. Houve um importante Tratado sobre Mísseis de Alcance Intermediário (Tratado INF), que descarregou a situação na Europa e que foi muito saudado pelos países europeus. Houve também, claro o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (Tratado ABM). A sua lógica consistia no seguinte: se um país (a Rússia ou os EUA) criar defesa antimíssil para a totalidade do seu território, e se analistas, planeadores militares neste país decidirem que este sistema antimíssil é suficiente para evitar a penetração de mísseis do adversário no território deste país, esta ideia estimularia o desejo de atacar o adversário primeiro, esperando a sua resposta ser rechaçada pelos meios antimíssil. Os negociadores soviéticos e norte-americanos chegaram então à conclusão de que esta lógica era muito perigosa e que não se podia escolher este caminho no futuro planeamento militar.

Decidiu-se então que cada país teria o direito de formar só um distrito de defesa antimíssil. Nós escolhemos Moscovo, os norte-americanos, parte do seu território onde, segundo eles, era ótimo criar um sistema antimíssil de “um só distrito”. Em 2002, o ex-Presidente dos EUA, George Bush, decidiu sair do tratado. Ele disse então a Vladimir Putin que isso não era contra a Rússia, mas sim para se proteger do Irão e da Coreia do Norte. Vladimir Putin disse que se isso não era “contra a Rússia”, nós também iríamos tomar medidas que não seriam “contra os EUA”. Quando, há alguns anos, Vladimir Putin apresentou os nossos novos armamentos hipersónicos e outros, disse com clareza que a ordem de começar o respetivo trabalho foi dada exatamente na hora em que os EUA anunciaram a saída do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos. Porque era claro que, se eles desejassem instalar um “escudo antibalístico total”, iriam orientar-se aos meios de armamentos já conhecidos. E seria preciso superar este “escudo” por meio de outros sistemas, que não têm “antídoto” ou não o terão pelo menos na perspetiva de curto prazo.

Tudo começou com a saída do Tratado ABM, e depois do Tratado INF. Agora, estão a manter connosco negociações exaustivas sobre preservação da vigência do Tratado START III. Propomos prorrogá-lo por mais cinco anos, conforme previsto pelo próprio documento, sem condições prévias. No decurso das negociações entre o Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Ryabkov, e o Enviado Especial do Presidente dos EUA, Marshall Billingslea, a 17-18 de agosto em Viena, os norte-americanos insistiam em condições que, honestamente, não são realistas, inclusive a exigência de a China também aderir ao futuro documento. Pequim já tem declarado várias vezes que não tencionava fazê-lo, porque o seu arsenal nuclear não era comparável com os arsenais da Rússia e dos EUA.

Os norte-americanos estão obsessionados pelas suas avaliações a respeito da imperfeição do START III e do programa nuclear iraniano. Tudo o que foi assinado pela Administração de Obama é “imperfeito”. Por isso não sei como será o resultado final. Mas dissemos aos norte-americanos honestamente que precisamos do START III, que expira em fevereiro de 2021, que estaríamos a favor da sua prorrogação sem condições prévias. Porém, não precisamos dele mais do que os norte-americanos. Se eles colocarem condições prévias não realizáveis (por exemplo, exigindo de nós “convencer” a China), não vamos fazê-lo, porque respeitamos a posição chinesa. Então, que o Tratado expire, perderemos a última ferramenta que regulamentava a situação na área dos armamentos nucleares.

Isso não significa que tudo vai fracassar. Temos a certeza total de que temos a capacidade de proteger-nos. Por isso, não se deve preocupar. Estaremos prontos para retomar a conversa já “de tábua rasa”, porém vai ser um erro enorme se os nossos colegas norte-americanos decidirem destruir o último documento. Acresça ainda o Tratado de Céus Abertos, do qual os norte-americanos também saem, afirmando de novo que a Rússia estaria a violá-lo. Isso não é verdade. Os países membros deste Tratado têm críticas a respeito dos países ocidentais. Foi criado, no âmbito do Tratado, um mecanismo de discussão das críticas. Quando apareceram perspetivas mutuamente aceitáveis de resolver as questões relativas aos sobrevoos de Kaliningrado, naquele preciso momento os norte-americanos anunciaram a sua saída do Tratado. Isso evidenciou, mais uma vez, que as suas razões não eram relacionadas com as ações da Rússia, mas o objetivo era de desfazer-se de qualquer ferramenta que, de algum modo, limitasse a sua liberdade de “manobra”. O mesmo aconteceu com o Tratado INF. Ao propormos introduzir, pelos menos, uma moratória bilateral, disseram-nos “não”. A nossa sugestão ni sentido de discutir a possibilidade de verificar a moratória para não “acreditar em palavras”, mas “monitorar” o seu cumprimento, só foi ouvida pelo Presidente da França, Emmanuel Macron. Estamos agora a iniciar consultas globais com os franceses sobre um grande leque de assuntos, inclusive diferentes aspetos da segurança europeia e também mísseis de alcance intermediário.

Para acabar com este assunto, direi que a saída dos EUA do Tratado INF demonstrou que todas as antigas afirmações assegurando precisarem da defesa antibalística exclusivamente para proteger-se das ameaças provenientes do Irão e da Coreia do Norte era uma tentativa de induzir a comunidade em erro. Os EUA diziam que deviam colocar os meios de defesa antibalística nos países europeus (Roménia, Polónia) para lidar com as ameaças da Coreia do Norte e do Irão. Mas estes meios são perfeitamente úteis não somente para lidar com mísseis, mas para lançar mísseis ofensivos. Não estão a instalar-se somente na Europa. Haverá, provavelmente, um reforço da pressão sobre o Japão e a Coreia do Sul. Se tais mísseis aparecerem, o seu alcance poderá abranger praticamente o Ural (até 5.500 mil quilómetros), ou seja, mais da metade do território da Rússia. Claro que deveremos tomar medidas de resposta. Todas estas ações escalam a tensão, criam potencial técnico-militar nas nossas fronteiras.

Asseguro-lhe que os novos armamentos anunciados, já em vias de elaboração pelos nossos centros de projeção, garantirão a invulnerabilidade do território do nosso país de qualquer ameaça. E há, infelizmente, muitos planos de criar tais ameaças. A nossa segurança será solidamente garantida. Contudo, estamos prontos para sentar-nos à mesa de negociações a qualquer momento para discutir a nova situação na área de estabilidade estratégica, novos armamentos que apresentámos, estamos prontos para discutir reciprocamente os armamentos elaborados pelos norte-americanos. Mas agora, a situação não gera otimismo no que toca aos acordos por alcançar.




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