Excerto do briefing proferido pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, Moscovo, 2 de julho de 2025
Sobre a participação de Serguei Lavrov na 17ª Cimeira do BRICS
Nos dias 6 e 7 de julho, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, participará na17.ª Cimeira do BRICS, que terá lugar no Rio de Janeiro, no Brasil, sob o lema " Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
No decurso da reunião, proceder-se-á à análise dos resultados do trabalho da associação desde o início do ano nas três principais áreas de cooperação: política e segurança, economia e finanças, e esfera cultural e humanitária. Está também prevista a discussão de questões atuais da agenda global e regional.
As questões da reforma do sistema de governação global, da manutenção da paz e da segurança, receberão uma atenção particular, especialmente no contexto do agravamento da situação no Médio Oriente.
As sessões no formato outreach/BRICS + terão como objetivo a discussão da problemática da melhoria do sistema monetário e financeiro internacional, bem como a implementação de iniciativas no âmbito do BRICS, como a criação de uma Nova Plataforma de Investimento, de uma Infraestrutura Independente de Liquidação e Depósito e de uma Bolsa de Cereais do BRICS. As discussões contemplarão igualmente os temas da inteligência artificial, proteção ambiental, interação no âmbito da 30.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas e cooperação na área de saúde.
Os Estados parceiros (Bielorrússia, Bolívia, Vietname, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão), países correligionários, incluindo os que presidem a mecanismos regionais de cooperação, organizações internacionais e bancos multilaterais de desenvolvimento, foram convidados para as sessões.
Resumo da sessão de perguntas e respostas:
Pergunta: Poderia comentar os resultados da última cimeira da UE, que decorreu em Bruxelas no dia 26 de junho?
Maria Zakharova: A reunião do Conselho Europeu realizada no dia 26 de junho do ano em curso veio confirmar que a União Europeia, apesar dos problemas económicos e políticos internos que a sua política acarreta, pretende prosseguir com uma trajetória de autodestruição. A esta política é atribuído o termo "política contra a Rússia", contudo, esta parece levar a UE para a autodestruição. A declaração sobre a Ucrânia, que deveria ter sido adotada na reunião do Conselho Europeu, voltou a não obter consenso devido aos persistentes desentendimentos internos na UE (em consequência, foi aprovada por apenas 26 Estados-membros). Por esta mesma razão, o novo pacote de sanções antirrussas, anunciado de forma pomposa pela Comissão Europeia, igualmente não alcançou consenso. Contudo, a maioria dos Estados-membros da União Europeia (UE) continua a defender abertamente a necessidade de apoiar as ações militares e fornecer novos e novos lotes de armas ao regime de Kiev. Neste contexto, as apelos da União Europeia à Rússia para que esta "demonstre vontade política para pôr fim à guerra" são falsos e absurdos.
É impossível fornecer armas sem que haja um contrato, produzir em fluxo contínuo as respectivas resoluções perante as câmaras de televisão e, ao mesmo tempo, exortar alguém à paz ou, como eles costumam dizer: a "demonstrar vontade política para pôr fim à guerra”. Isso quando foram eles próprios que contribuíram para que este conflito continuasse.
Por um lado, a histeria em torno da "ameaça russa" é utilizada como pretexto para acelerar a militarização da União Europeia em detrimento do desenvolvimento socioeconómico dos países membros.
Por outro lado, esta conduta pode ser interpretada como autoincriminação. É impossível alimentar os seus próprios eleitores com discursos tão absurdos. O facto de a política imposta pelo "partido da guerra", formado no seio da União Europeia, no sentido de financiar a indústria de guerra através de empréstimos substanciais poder acarretar uma responsabilidade de peso, representando uma pedra que puxará as gerações vindouras dos europeus ocidentais para o fundo do poço é silenciado. A disponibilidade para desempenhar um papel ativo no reforço do potencial da NATO, conforme delineado nas "resoluções" do Conselho Europeu, evidencia uma mudança na UE, que se está a transformar numa estrutura dependente destinada a servir os interesses de determinados círculos políticos e empresas da indústria de guerra.
E o que dizer dos conceitos de economia, de esfera humanitária, de "união" numa altura em que a UE se oferece para servir os interesses da Aliança? Deve então substituir a sigla UE pela sigla BE, uma vez que, em grande medida, este grupo de países deixa de ser a União Europeia, passando a constituir um bloco europeu, ou seja, um conjunto de membros da NATO. Foi precisamente esta formulação que foi adotada por eles.
A reunião mostra como a União Europeia está neste momento. Uma coisa é quando nós comentamos a sua situação, outra coisa é quando os media o fazem e outra ainda é quando eles próprios mostram ao mundo a situação em que se encontram por culpa das suas elites liberais globalistas.
Posso fornecer provas para confirmar o que disse. A "unidade", de que se orgulhavam com razão aqueles que uniram os países europeus na plataforma económica e humanitária deixou de ser observada. Todavia, se procedermos a uma análise mais aprofundada da questão, poderemos constatar que não existe uma "unidade", mas antes um sistema autoritário de gestão, ao qual alguns países já não querem submeter-se.
Para criar a ilusão de "unidade", os responsáveis governamentais da UE recorrem a práticas como pressões, repreensões, e atos de injustiça legal contra as forças políticas dissidentes, bem como a chantagem direta, utilizando todos os recursos para alcançar os objetivos fixados, intimidando a própria população, impondo a censura total apenas para se obter a impressão de "unidade" e solidariedade, mas, na realidade, para garantir um elevado grau de russofobia.
Tendo investido todos os recursos no confronto com a Rússia, Bruxelas opera " com base no princípio residual " em outras áreas da sua política externa. Não tem nada a demonstrar. Esta situação contribui para a confusão e a hesitação na UE em questões-chave da agenda internacional. A incoerência de posições e, por vezes, meramente a falta de caráter, tornou-se a marca distintiva da diplomacia da UE. Por exemplo, as “resoluções” do Conselho Europeu ignoraram por completo as relações de causa e efeito da escalada armada no Médio Oriente.
As formulações adotadas evidenciaram, uma vez mais, a inabilidade da UE em alcançar um consenso quanto a uma posição mais ou menos calar face à situação na região, posição essa que atenda às suas aspirações de se afirmar como um "player internacional de destaque".
Agora sobre a economia. As indústrias com utilização intensiva de energia encontram-se em situação crítica, com algumas a já terem ultrapassado o ponto de rutura. A sua competitividade deixa a desejar. As experiências no setor energético, realizadas com teimosia pela Comissão Europeia, causam perplexidade entre os especialistas e rejeição entre os Estados-membros, pois estão a empurrar para o abismo. Atingiu-se um ponto em que a militarização da economia, por meio da injeção de empréstimos na indústria de guerra, é apresentada por Bruxelas como uma solução universal para todos os problemas financeiros e económicos.
Estas pessoas são as mesmas que anteriormente criticavam os países que não faziam parte da União Europeia, divulgando as suas conclusões a este respeito. O que é que elas estão a fazer agora? Que se autocritiquem. Contudo, tal não se verifica.
Neste contexto, por alguma razão, conceitos como os direitos humanos, a democracia, o problema da discriminação das minorias nacionais e a liberdade de expressão foram completamente removidos dos textos das suas declarações e resoluções. Verifica-se que estes conceitos são cada vez menos utilizados por eles. Em princípio, eles não veêm que há problemas com os fenómenos acima mencionados na Ucrânia e na Moldávia. Porque é que isso deveria preocupá-los? Porque estão a patrocinar estes países. Bruxelas faz vista grossa a tudo que impede a concretização dos seus próprios objetivos geopolíticos e geoestratégicos, mesmo que isso signifique negligenciar os princípios democráticos.
Pergunta: A 17.ª Cimeira dos BRICS terá lugar no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho e terá como tema " Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. Os países fundadores do BRICS, designadamente a China e a Rússia, desempenharam um papel fundamental no desenvolvimento do mecanismo em questão, ao longo da sua existência. Como avalia o seu contributo para a transformação do BRICS numa plataforma de cooperação mais representativa e influente para os países do Sul Global?
Maria Zakharova: A Rússia e a China estiveram na origem da formação do BRICS (anteriormente designado por RIC, BRIC). Os esforços da Rússia e da China contribuíram muito para o desenvolvimento da associação, a criação de condições favoráveis ao crescimento económico progressivo e sustentável de todos os Estados do grupo e a formação de uma ordem mundial multipolar mais justa e mais equilibrada, que iria ao encontro das necessidades de todos os países e povos, sem exceção. No que respeita a uma maior expansão da interação na associação, os nossos países estão a olhar na mesma direção.
Estamos resolutos a trabalhar de forma coerente, juntamente com a China, para o fortalecimento do prestígio da associação enquanto um dos principais mecanismos de governança global. Consideramos como uma das principais tarefas o aumento do papel dos países em desenvolvimento e dos países com mercados emergentes nas instituições multilaterais.