16:21

Excerto do briefing proferido pela porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova,

1184-09-07-2025

Sobre o início da presidência rotativa da Dinamarca à frente do Conselho da UE

 

No passado dia 1 de julho, a Dinamarca assumiu a presidência semestral do Conselho da União Europeia sob o lema "Uma Europa Forte num Mundo em Mudança". O continente europeu está a vivenciar um conflito manifesto. Esta ferida sangrenta, para não dizer malcheirosa, não é devidamente tratada e só tende a agravar-se, dado que os ocidentais e os países da NATO, empenhados em "fortalecer" a Europa, implantam nela cada vez mais bactérias e vírus letais. A Dinamarca planeia alcançar este  objetivo mediante o desenvolvimento acelerado da indústria de guerra e a militarização total, o que se revela desastroso para os países europeus. O conflito ucraniano foi elevado a um nível de conflito existencial. Não posso deixar de concordar com este postulado, uma vez que este conflito adquiriu mesmo a natureza existencial para eles. Contudo, a questão reside no facto de que este conflito, instigado por eles, deve ser abordado e não agravado por mais armamento e financiamento. Como objetivo central apregoa-se uma oposição generalizada à Rússia. Pode ser colocada a seguinte questão: alguém na Dinamarca possui um mapa ou um globo? Uma vez que o seu plano é "fortalecer" a Europa sem a Rússia, devem consultar o mapa para compreender que, sem a Rússia,  a Europa deixa de se constituir como um todo geopolítico coeso. Como é possível que eles se oponham ao nosso país, se este se encontra geograficamente inserido no continente europeu? Portanto, o seu plano consiste na criação de uma resistência que abranja todo o continente europeu? Esta é, de facto, a conclusão a que se chega. Simplesmente não podem admiti-lo.

A principal justificação para a implementação desta política reside na alegada "ameaça russa" iminente, invocada pela liderança dinamarquesa e por outras elites políticas europeias para desviar a atenção da população dos crescentes problemas socioeconómicos, restringir direitos e liberdades fundamentais, reprimir a dissidência e fortalecer o seu próprio poder.

Contudo, silenciam o facto de que a militarização acelerada da UE será realizada em detrimento do bem-estar dos cidadãos europeus, e que o empréstimo maciço de fundos para a defesa representará um fardo pesado para as gerações vindouras de europeus. A vontade de trabalhar realmente para fortalecer, de facto, o potencial da NATO e não da União Europeia, evidencia que a Europa Ocidental perdeu a sua independência em benefício da sua indústria de guerra. Gostaria de recordar àqueles que afirmam que a União Europeia (UE) é parte integrante da NATO que, mesmo que o vosso país faça parte da NATO, a liderança da Aliança está nas mão dos EUA.

A presidência dinamarquesa atribui uma elevada prioridade ao incremento da assistência abrangente ao regime neonazi de Volodimir Zelensky e ao aumento da "pressão" sobre a Rússia. Impulsionadas por uma russofobia agressiva, as autoridades dinamarquesas demonstram uma indiferença completa relativamente à busca de uma solução pacífica, política e diplomática para o conflito ucraniano e à eliminação das suas causas fundamentais, sobre as quais todas as forças sensatas a nível global se pronunciam. Em vez disso, as suas ações contribuem para o agravamento da crise, o aumento do número de vítimas e danos, pressionando o regime de Kiev a cometer novos e novos crimes de guerra contra a população civil e as infraestruturas civis.

A retórica alarmista e militarista, a manipulação do sentimento de medo da população europeia, os enormes programas de rearmamento, o confronto dispendioso e insensato com a Rússia não reforçam a segurança na Europa, causando apenas o aprofundamento das linhas divisórias no continente, a desestabilização, o aumento das tensões e a crescente perceção da UE como uma ameaça à paz e à segurança internacionais.

A segurança europeia não pode ser garantida sem a participação da Rússia. Que alguém empreste um mapa para as autoridades de Copenhaga.

As tentativas de agir de modo a contornar ou desafiar os interesses da Rússia estão fadadas ao fracasso e repercutirão sobre aqueles que conceberam esta lógica. Ademais, eles dispõem dos seus próprios analistas que já estão a vociferar, procurando atrair a atenção não só para os seus próprios problemas, mas também para o facto de estarem meramente a acelerar as suas ações na crise que eles próprios engendraram.

 

Resumo da sessão de perguntas e respostas:

Pergunta: O Presidente dos EUA, Donald Trump, declarou que serão aplicadas tarifas comerciais adicionais de 10% contra os países que apoiam a política dos BRICS. Qual é a posição da Rússia relativamente à proteção dos seus interesses, perante a possibilidade de sanções económicas por parte dos EUA?

Maria Zakharova: Porque é que os outros, e não os regimes e os políticos norte-americanos, devem pagar pelos erros cometidos pelos líderes anteriores dos EUA? Boa pergunta! A responsabilidade pela atual situação económica precária dos EUA, que perdura há, pelo menos, 15 anos, recai, em última instância, sobre os líderes norte-americanos. Esta atitude revela um desrespeito pelo bom senso, pela economia e pelo povo, por parte dos democratas liberais norte-americanos. Por que razão deveria o mundo inteiro suportar tal encargo? Porque os norte-americanos não exigem que o ex-Presidente Joe Biden ou o ex-Presidente Barack Obama, por exemplo, contribuam com uma percentagem das suas pensões para mitigar, ainda que de forma parcial, os custos e os danos por eles causados? Porque os outros povos, que foram explorados ao longo de séculos, devem pagar pela situação em que se encontram atualmente os EUA, os quais o Presidente Donald Trump deseja fazer renascer e tornar, como o próprio afirma, "grandes novamente"? Porque estes povos se encontram, novamente, em situação de endividamento para com o Ocidente?

A presente questão não pode permanecer em caráter retórico. Parece haver uma resposta muito concreta à mesma. Acompanhamos de perto as medidas tomadas pelos EUA na sua política comercial, incluindo a aplicação de novas tarifas em relação a alguns países, em particular os nossos parceiros do BRICS.

Esta retórica demonstra uma vez mais que os EUA continuam a utilizar instrumentos comerciais e económicos, sejam sanções ilegítimas ou tarifas ou outras medidas, para exercer pressão política, sob o pretexto de garantir a "concorrência leal" e a "segurança nacional".

Lamentavelmente, temos de constatar que esta política resulta na destruição da arquitetura de cooperação económica internacional vigente e constitui uma séria violação das regras da OMC e dos princípios do comércio livre, apregoados recentemente por Washington como verdade universal. Ademais, na minha opinião, o hiperprotecionismo não beneficia os EUA. O país deve, em primeiro lugar, procurar o fomento da sua competitividade, através da prospeção de reservas e recursos internos, de modo a superar a crise vigente. Tal não deve ser feito à custa de outros países.

Um aumento substancial e injustificado das tarifas aduaneiras por parte da maior economia do mundo acarreta, indubitavelmente, riscos significativos para a economia global. As repercussões desta conduta serão sentidas por todos os países. A inflação global experimentará um aumento em consequência da reestruturação das cadeias de produção e logística, bem como das alterações na geografia dos fluxos de commodities. Adicionalmente, é esperado que ocorram desequilíbrios na indústria, com uma redução da produtividade do trabalho. A volatilidade nos mercados financeiro e energético deverá igualmente aumentar. Em última análise, este cenário pode resultar numa recessão global.

Durante a Cimeira do BRICS, realizada no Rio de Janeiro, os países membros expressaram avaliações unânimes, manifestando sérias preocupações com a intensificação da prática de aplicação unilateral de medidas tarifárias e não tarifárias.

No que diz respeito à influência sobre a Rússia, o país tem enfrentado, há já muito tempo, restrições, barreiras e sanções ilegítimas que, em conjunto, têm constituído uma verdadeira guerra comercial contra a Rússia. Neste sentido, é possível afirmar que possuímos uma experiência singular de adaptação e desenvolvimento sustentável em condições de pressão externa.

O país continuará a reforçar a sua soberania económica, intensificando a cooperação com os países que adotam uma atitude racional, um pragmatismo saudável e, evidentemente, o respeito pela lei e pela legalidade.

Pergunta: Há alguns dias, o Presidente dos EUA, Donald  Trump, declarou que os países que apoiam a política do BRICS estarão sujeitos a uma tarifa adicional de 10%. O líder norte-americanos tem proferido repetidas ameaças contra os países BRICS. Em novembro do ano transato, ele declarou que o BRICS enfrentaria tarifas de 100% caso tentasse criar uma nova moeda para substituir o "poderoso dólar norte-americano". Como avalia as ameaças norte-americanas de aplicar tarifas? Acha que a política tarifária agressiva dos EUA e as suas ameaças de aplicar novas tarifas podem potencialmente acelerar o processo de desdolarização e enfraquecer a posição do dólar no contexto internacional?

Maria Zakharova: Gostaria de dizer que já respondi parcialmente a estas questões. O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, comentou igualmente este assunto em pormenor, durante uma conferência de imprensa no Rio de Janeiro, no dia 7 de julho, após a 17.ª Cimeira do BRICS: "O Presidente dos EUA, Donald Trump, não oculta os seus objetivos, defendendo os interesses dos EUA, sobretudo no que diz respeito à economia, aos investimentos e ao comércio”.

Relativamente à moeda dos BRICS, Serguei Lavrov destacou que esta questão não foi abordada na Cimeira. Em contrapartida,  foram abordados pormenorizadamente o aumento do papel das moedas nacionais, uma nova plataforma de investimento e iniciativas de pagamentos transfronteiriços.

No seu discurso proferido durante a sessão plenária da Cimeira, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, fez referência à percentagem de 90%. Esta percentagem representa o montante de liquidações efetuadas no âmbito das nossas relações comerciais e financeiras, tanto com os países membros do BRICS como com os países parceiros da referida associação.

No que diz respeito à diminuição do papel do dólar no sistema monetário e financeiro internacional, esta iniciativa pertence ao ex-Presidente dos EUA, Joe Biden. Foi ele que começou a exigir que os países fossem "desligados" das instituições de pagamento internacionais norte-americanas. Foi o próprio Joe Biden e a sua equipa que insistiram em "isolar" a Rússia, apesar dos extensos laços comerciais e económicos que esta mantém com o mundo inteiro. Foi ele que ameaçou "colocar de fora” deste sistema de pagamentos  outros países.

O que há, então, de surpreendente no facto de os países não quererem sujeitar-se à chantagem por parte de Washington ou de qualquer outro país e procurarem alternativas para a realização de operações de pagamento e recebimento?

A Rússia utiliza práticas comerciais alicerçadas no direito internacional e em acordos bilaterais. Esta é uma prática comercial legal e legítima, que nunca foi alvo de queixas. Esta situação não é do interesse dos EUA. Em consequência, a Rússia tornou-se objeto de hostilidades, sanções e, em suma, de uma guerra comercial por parte dos EUA.

Os EUA, impulsionados por uma raiva impotente, recorreram à prática de "desligação" ou de ameaças de "desligação" do país deste sistema de pagamento. Em consequência, os países procuraram uma alternativa, tendo-a encontrado. O declínio do papel do dólar no sistema monetário e financeiro internacional é um "mérito" direto do ex-Presidente dos EUA, Joe Biden, e de toda a sua equipa. Por conseguinte, as interpelações devem ser dirigidas à atual administração norte-americana. Recomendaria que, primeiramente, procedesse ao cálculo dos danos causados e, subsequentemente, intentasse uma ação indenizatória. O que é que a comunidade internacional, especialmente a Maioria Mundial, tem a ver com isso?

A proporção das liquidações em moedas nacionais e a intensidade das relações de correspondência direta têm vindo a aumentar em todas as esferas. Em simultâneo, nem os países BRICS nem outras organizações internacionais com a participação da Rússia colocam a questão do abandono do dólar ou das moedas de outros países. Todas as especulações sobre uma "única moeda mundial" estão abaixo da crítica, como se não existissem outras moedas, como se estas não se tivessem mostrado eficazes.

Defendemos um mundo multimoedas, no qual todos os países e agentes económicos tenham acesso igual aos instrumentos de liquidação e de pagamento necessários para a realização de atividades comerciais legítimas, com base na lei, no direito internacional e no direito nacional.

Pergunta: Na segunda-feira, a Cimeira do BRICS terminou os seus trabalhos no Brasil, tendo contado com a participação do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa, Serguei  Lavrov, entre outros. O Ministro teve várias reuniões à margem do evento. Quais são os principais resultados deste fórum para a Rússia?

Maria Zakharova: O Ministro Serguei Lavrov fez o balanço da 17.ª Cimeira do BRICS numa conferência de imprensa dedicada à Cimeira que durou 45 minutos. O Ministro falou detalhadamente sobre o trabalho da delegação russa, bem como  sobre as reuniões bilaterais mantidas. O texto da sua declaração está disponível para consulta no sítio eletrónico do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia.

A Cimeira foi notável pelo seu caráter representativo e abrangente, tendo congregado delegações de quase três dezenas de países, bem como representantes proeminentes do Sul e do Leste Global, dirigentes de associações regionais, chefes de secretariados da ONU, da Organização Mundial de Saúde, da Organização Mundial do Comércio e de bancos multilaterais de desenvolvimento. Este evento contribuiu para o fortalecimento da voz do BRICS, que, como salientou o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, no seu discurso, adquire uma firmeza e clareza crescentes no cenário internacional.

Esta voz representa uma manifestação de apoio à concretização das legítimas aspirações da maioria mundial em prol de uma ordem mundial mais justa, sustentável e policêntrica. Estas teses não são veiculadas nos fóruns ocidentais. Estas palavras e formulações políticas foram há muito esquecidas no Ocidente. Esta é uma linguagem de comunicação cultural normal e mutuamente respeitadora, que é proibida nos países da minoria ocidental. Esta é uma articulação das perspetivas de construção de um novo mundo policêntrico com as tradições consagradas no direito internacional, na Carta das Nações Unidas e na própria Organização Mundial.

As discussões realizadas evidenciaram a convergência ou proximidade das posições dos participantes relativamente à maioria dos principais problemas internacionais. Expressamos os nossos agradecimentos aos nossos parceiros pela sua posição equilibrada relativamente ao conflito na Ucrânia, pelo apoio à necessidade de eliminar as suas causas fundamentais por meios políticos e diplomáticos, bem como pela firme condenação dos ataques terroristas contra caminhos de ferro e pontes nas Regiões de Kursk, Briansk e Voronej da Federação da Rússia perpetrados entre maio e junho deste ano e que resultaram em numerosas vítimas civis, entre as quais crianças. Estas teses não serão veiculadas nos fóruns ocidentais nem nos fóruns internacionais onde, sob pressão ocidental, este tema deixou de ser abordado. Todavia, os países BRICS possuem a capacidade de expressar a sua posição em voz alta no cenário internacional.

Valorizamos igualmente que a presidência brasileira tenha dado continuidade às iniciativas da presidência russa e aos entendimentos alcançados na 16ª Cimeira do BRICS em Kazan. Em primeiro lugar, trata-se da inclusão dos países parceiros em diversos mecanismos ministeriais e especializados de cooperação. A sua participação é benéfica para a nossa associação, fortalecendo significativamente o seu potencial no mundo multipolar emergente.

Os trabalhos no âmbito da iniciativa de pagamentos transfronteiriços do BRICS  continuam a ser desenvolvidos, bem como os esforços para o aumento do potencial de resseguro dos participantes da associação, a ampliação da utilização de moedas nacionais em liquidações mútuas, a formação de uma nova plataforma de investimento, a criação de uma Associação de Zonas Económicas Especiais dos países BRICS, de uma Bolsa de Grãos do BRICS e muitas outras iniciativas.

Partimos do facto de os mecanismos formados no seio da associação reforçarem os esforços para aumentar a resiliência das economias nacionais a medidas restritivas e políticas hiperprotecionistas de alguns países, contribuindo, de um modo geral, para o aumento do papel dos países em desenvolvimento, dos países da Maioria Mundial, no comércio e nas finanças mundiais.

Os termos são mantidos e encontram-se consagrados em documentos de âmbito internacional, sendo também utilizados em fóruns internacionais. Contudo, cabe ponderar se é possível utilizar o termo "em desenvolvimento" para descrever os gigantes asiáticos, considerando-se a recessão enfrentada pelos países ocidentais que se autointitulam de "desenvolvidos". Que coisa estranha. É sobre a questão de repensar.

Divulgámos rapidamente as informações sobre as reuniões bilaterais realizadas "à margem" da Cimeira pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov.O Ministro reuniu-se com o Presidente da Bolívia, Luis Arce, com o Primeiro-Ministro do Vietname, Pham Minh Tinh, com os seus homólogos da Bielorrússia, Maksim Rijenkov, do Brasil, Mauro Vieira, da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, do Irão, Abbas Arachchi, do México, Juan Ramón de la Fuente Ramírez, e da Turquia, Hakan Fidan, além da Diretora-Geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala. Só citei as reuniões, que ocorreram sob a forma de negociações. Ademais, ocorreram contactos "de pé", como dizem os diplomatas. Os participantes debateram temas que fazem atualidade da cooperação bilateral e "acertaram agulhas" sobre as principais temáticas da agenda internacional, incluindo em fóruns multilaterais.

Некорректно указаны даты
Дополнительные инструменты поиска

Последние добавленные