Ministro Lavrov faz o balanço de 2020 e responde a jornalistas em conferência de imprensa anual Moscovo, 18 de janeiro de 2021
Senhoras e Senhores,
Colegas,
Estamos a realizar a nossa habitual conferência de imprensa sobre os resultados da política externa russa de 2020, habitual, mas remota. Escolhemos o formato que dominou durante o ano passado devido à pandemia do coronavírus e às restrições impostas em quase todos os países, inclusive a Rússia.
Apesar da pandemia, o nosso Ministério manteve intensos contactos convosco e com os vossos colegas a todos os níveis. Tive o prazer de falar convosco depois das negociações que tiveram lugar várias vezes em Moscovo que continuarão. Também falei convosco por videoconferência. Os meus vices estão sempre em contacto com as agências noticiosas. A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, realiza briefings semanais, contactando intensamente com a maioria de vós nos períodos inter-briefings. Tenho a certeza de que estais muito bem informados sobre aquilo que a Rússia está a promover hoje no cenário internacional.
A pandemia prejudicou muito todas as formas de comunicação, especialmente os contactos entre as pessoas: contactos culturais, humanitários, desportivos e turísticos. Isso provocou grandes mudanças na consciência pública de muitos países. Vemos isso confirmado diariamente em reportagens recebidas de países europeus e outros. A Rússia também faz esforços para minimizar os inconvenientes causados pelas restrições sanitárias objetivas na vida quotidiana. Todavia, algumas mudanças, embora não muito positivas, se fazem sentir. Deveis estar a acompanhar as discussões travadas em torno da política epidemiológica russa: as vacinas Sputnik V, EpiVacCorona e a terceira vacina que está prestes a ser lançada.
Confirmamos aquilo que o Presidente russo, Vladimir Putin, disse em agosto de 2020, ao anunciar o registo da primeira vacina do mundo contra o coronavírus: estamos abertos à cooperação nestas matérias, tanto quanto possível. Vemos uma reação positiva às propostas feitas pelo Fundo de Private Equity russo aos parceiros estrangeiros para organizar a produção licenciada. Este tema está a ser discutido com os nossos colegas da Ásia, do Oriente Árabe, África e América Latina. Recentemente, o Presidente russo, Vladimir Putin, e a Chanceler alemã, Angela Merkel, também abordaram as perspetivas da cooperação russo-alemã e russo-europeia na produção e melhoria de vacinas. Penso que este é um caminho certo, baseado no desejo de consolidar os nossos esforços e na solidariedade da humanidade. Infelizmente, nem todos e nem sempre se revelaram interessados na solidariedade e no trabalho conjunto durante a pandemia. Alguns dos nossos colegas ocidentais, sobretudo os EUA e os seus aliados mais próximos, tentaram utilizar a situação para aumentar a pressão, chantagem, ultimatos, ações ilegítimas, praticando restrições unilaterais e outras formas de interferência nos assuntos internos de outros países, inclusive a nossa vizinha mais próxima, a Bielorrússia.
Os países ocidentais ignoraram, todos à uma, os apelos do Secretário-Geral da ONU e do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos no sentido de suspender, pelo menos durante a pandemia, as sanções unilaterais e ilegítimas em termos de fornecimento de medicamentos, alimentos, equipamento necessário para combater o vírus. A Rússia estava pronta a apoiar esta posição. O Presidente Vladimir Putin avançou uma iniciativa paralela durante a Cimeira do G20 no sentido de criar "corredores verdes" na economia, livres de sanções e outras barreiras artificiais. Infelizmente, estes apelos sensatos, tanto os nossos, como os dos líderes da ONU, "ficaram desatendidos".
No ano passado, comemorámos o 75º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, das Nações Unidas e da sua Carta. No contexto destas datas, estamos profundamente preocupados ao ver que os EUA e a maioria dos seus aliados ocidentais continuam a agir de forma impudente para minar a arquitetura internacional baseada na ONU, na sua Carta e na sua estrutura, e consignar ao esquecimento as formas e normas clássicas do direito internacional a favor da chamada "ordem mundial baseada em regras". Como parte desta política, foram criados alguns mecanismos exclusivos, ou seja, grupos dos chamados correligionários, fora da ONU e das estruturas universais. As decisões tomadas por estes grupos restritos são impostas a todos os agentes da comunicação internacional. Uma das manifestações destas regras, vistas pelo Ocidente como base para uma nova ordem mundial, é o conceito de multilateralismo promovido pelos nossos colegas alemães e franceses nos últimos dois anos. Os comentários a respeito deste conceito feitos publicamente pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha e da França evidenciam que se trata da tentativa de apresentar a UE e tudo o que ela faz em termos de criação de regras como ideal da política externa. A UE considera como seu direito exclusivo estabelecer regras, acreditando que todos os outros devem segui-las. Os exemplos são numerosos. A UE já realizou eventos especiais sobre segurança cibernética, liberdade de imprensa e direito humanitário internacional fora das estruturas da ONU, com a participação de várias dezenas de países. O facto de estes eventos terem sido realizados conscientemente fora das estruturas universalmente reconhecidas da ONU evidencia muita coisa. Eles compreendem que, na ONU, terão de se encontrar com pessoas que possam ter opiniões diferentes sobre a segurança cibernética, sobre a liberdade dos media, especialmente no momento atual, e sobre como garantir a aplicação igual do direito humanitário internacional. Vejo nisto, se ninguém me convencer do contrário, o medo da concorrência e a compreensão de que, no mundo atual, o Ocidente já não pode impor as suas regras, como aconteceu durante cinco séculos. A história está em andamento, a evoluir. Não é nada de ideologia, simplesmente é uma constatação do facto. É necessário ter em consideração os interesses dos países que têm agora um peso muito maior no cenário internacional (peso não comparável com o que tiveram na época colonial) e dos países que desejam manter a sua identidade civilizacional e que não encontram no Ocidente os ideais para as suas respectivas sociedades. A tolerância para com a diversidade é um outro traço marcante que o Ocidente vem perdendo rapidamente.
Verificam-se casos em que meia dúzia de pessoas, que criaram os seus impérios tecnológicos, não querem sequer saber nada dos direitos que têm nos seus países. Definem, eles mesmos, os seus direitos com base nas chamadas normas corporativas e não se importam com as constituições vigentes nos seus países. Vimos exemplos ilustrativos disso nos EUA. Este é um motivo de grande preocupação. O tema tem sido muito comentado ultimamente em programas de televisão e em artigos analíticos especiais. Não estamos satisfeitos com as tendências observadas no Ocidente, quando as elites preocupadas em resolver os seus problemas políticos internos, da luta política interna procuram ativamente "inimigos" externos, encontrando-os, certamente, na Rússia, China, Irão, Coreia do Norte, Cuba, Venezuela. Esta lista de países é bem conhecida.
Vimos como o Ocidente acolheu entusiasmado a notícia do regresso da Aleksei Navalny à Federação da Rússia, acompanhando-a com comentários felizes, parecidos uns com os outros como se fossem copiados uns dos outros. Digo "entusiasmado» porque isso permite aos políticos ocidentais pensar que, ao fazê-lo, podem desviar a atenção de uma profunda crise em que se encontra o modelo de desenvolvimento liberal.
Estou convencido de que seria melhor não buscarem motivos externos para justificar as suas ações ou para desviar a atenção da opinião pública dos seus gravíssimos problemas e crises, mas sim jogarem honestamente e buscarem soluções para os seus problemas internos mediante uma cooperação internacional justa e equitativa. Nesta altura, ninguém é capaz de lidar sozinho com eles sem atrair formatos multilaterais.
A Federação da Rússia está empenhada em agir da forma mais construtiva possível no cenário internacional. Estamos convencidos de que é necessário não "brigarmos uns com os outros", mas sentarmo-nos à mesa de negociações e discutirmos todas as preocupações existentes. Sempre estivemos prontos para isto, tanto na altura em que a Rússia sofreu acusações de "interferência" nas eleições dos EUA, de Barcelona, como durante o Brexit, durante o caso Skripal e durante o caso do Boeing da Malásia abatido no espaço aéreo da Ucrânia em julho de 2014 e o caso Aleksei Navalny. Posso citar, mais tarde, os argumentos que conheceis muito bem. Em nenhum dos casos que mencionei, em nenhum dos outros episódios em que fomos acusados de coisas concretas recebemos provas que sustentassem estas acusações gratuitas. Só ouvimos o "highly likely”, “ninguém mais tem tais motivos" ou "só vocês têm tais possibilidades, por isso são culpados e não precisamos de nenhumas provas". Não nos apresentaram nenhumas provas, o que é exigido entre as pessoas civilizadas para iniciar uma discussão.
Estamos interessados em resolver quaisquer problemas por meio de um diálogo. Consideramos abaixo da nossa dignidade "tentar entrar pela porta fechada", mantida "trancada" pelo Ocidente. Os vossos governos estão bem cientes de todas as nossas propostas: desde o diálogo sobre armas estratégicas ofensivas e questões do controlo e não-proliferação de armas até à cooperação em matéria de segurança cibernética, oferecida várias vezes pela Rússia, e na área de não-instalação de armas no espaço exterior. Há muitas áreas para cooperar. A Rússia tem propostas para cada uma destas áreas no sentido de entabular uma cooperação honesta no que respeita às principais ameaças comuns a todos os países do mundo, em vez de utilizar estas ameaças para obter vantagens geopolíticas unilaterais por métodos de concorrência desleal.
A prova do nosso desejo de entabular um diálogo é a iniciativa do Presidente russo, Vladimir Putin, de convocar uma cimeira dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Todos os outros líderes dos países com assento permanente no Conselho de Segurança reagiram favoravelmente à iniciativa russa. Infelizmente, a pandemia não permitiu realizar esta reunião. Acreditamos que esta reunião deve ter a participação presencial dos líderes. Esperamos que, assim que a situação epidemiológica o permita, esta cimeira venha a ser realizada.
No que diz respeito à promoção de uma agenda positiva. Exortamos os nossos parceiros ocidentais a retomarem o bom senso e a considerarem, sob a égide da ONU, todas as ideias que tenham relação com a segurança cibernética, a liberdade dos media e muitas outras questões, ideias que eles tentam examinar só entre si.
Lutaremos para implantar esta atitude nos outros organismos internacionais dos quais a Rússia faz parte, inclusive a Organização de Cooperação de Xangai, BRICS, Organização do Tratado de Segurança Coletiva, Comunidade de Estados Independentes, União Económica Eurasiática.
A iniciativa do Presidente russo, Vladimir Putin, que estamos a promover, é de criar, através de um diálogo coletivo igual, uma Grande Parceria Eurasiática, aberta a todos os países da Eurásia, sem exceção. Este espaço engloba os países da UE, da UEE, OCX e da ASEAN, assim como os países que não fazem parte de nenhuma das organizações regionais citadas, mas estão localizados no continente eurasiático. Gostaria de salientar a importância do G20 que engloba, além dos sete países ocidentais que já não são capazes de resolver sozinhos os problemas de importância global, os países BRICS e os seus correligionários que partilham a nossa filosofia comum sobre a necessidade de abandonar a confrontação e buscar soluções com base no equilíbrio de interesses.
Hoje falaremos também sobre os conflitos que persistem no mundo contemporâneo. Estamos a colaborar ativamente com outros países para pacificar a Síria, retirar do impasse o conflito líbio eclodido depois de os países da NATO terem destruído, com as suas ações agressivas de há quase 10 anos, o Estado líbio.
Precisamos de falar de outras áreas de conflito no Médio Oriente e no Norte de África, especialmente do conflito israelo-palestiniano que tem sido imerecidamente feito passar para o segundo plano.
Recentemente, publicámos um documento de várias páginas intitulado "Os principais resultados da política externa de 2020". O documento contém muitas coisas concretas. Espero terem podido lê-lo.
Hoje vamos tentar falar sobre os desafios enfrentados pelo mundo atual e que mudam rapidamente a nossa vida quotidiana.
Pergunta: Como estão as relações entre a Rússia e a Itália, especialmente no ano da pandemia do coronavírus?
Ministro Serguei Lavrov: A Rússia tem boas relações com a Itália. A Itália é um dos países da UE que, apesar de ser fiel à disciplina e aos princípios de solidariedade adotados pela UE, não considera conveniente assumir uma atitude agressiva contra a Federação da Rússia. Aderindo de boa fé ao consenso sobre sanções, a Itália não as encara como instrumentos eficazes de influenciar ninguém, nem a Federação da Rússia no caso. Criticada por Bruxelas, a Itália defende o seu direito de desenvolver relações bilaterais com a Rússia, fazendo-o com sinceridade. Esta posição reflete uma correta compreensão dos interesses nacionais da República Italiana: os interesses dos empresários, dos seus cidadãos, interessados em continuar os contactos humanitários, desportivos, culturais e outros entre as pessoas.
Temos uma boa tradição de realizar anos duais com a Itália. São dedicados a temas de interesse para os cidadãos dos dois países nas áreas de cultura, língua, literatura e contactos regionais. Esta é uma tradição muito boa. Ajuda a satisfazer as necessidades das pessoas comuns e dos homens de negócios, o que não deixa de ser importante.
A Rússia e a Itália têm um mecanismo denominado "2+2" que prevê que os Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros dos dois países se reúnam para analisar os principais problemas das agendas internacional, euro-atlântica e de outras regiões onde os interesses da Itália e da Federação da Rússia estão presentes.
As estatísticas referentes às atividades realizadas conjuntamente no ano passado e às programadas para o futuro podem ser consultadas no "Os principais resultados da política externa de 2020". O documento oferece uma informação detalhada a este respeito.
Pergunta: Sou uma dos sete jornalistas da Letónia detidos em dezembro do ano passado pelos serviços secretos daquele país por terem cooperado com os portais do Sputnik Latvia e da agência Baltnews (Notícias Bálticas – N. da R). Em dezembro, fomos revistados, tivemos o nosso equipamento de escritório, computadores e dictafones apreendidos e fomos acusados criminalmente de violação das "sanções internacionais". Passou-se um mês e meio. Não vimos até agora nenhuma reação das entidades internacionais de direitos humanos a este acontecimento, e usemos uma linguagem moderada, extraordinário nem dos líderes que reagiram veementemente ontem à detenção de Aleksei Navalny, cinco minutos depois de isso ter acontecido.
Porque o senhor acha que o nosso caso, gritante na minha opinião, ou seja, o de detenção de sete jornalistas na Letónia é silenciado pelos responsáveis internacionais? O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo pode fazer alguma coisa para proteger os jornalistas que representam os meios de comunicação social russos no estrangeiro?
Ministro Serguei Lavrov: Estamos a tentar. Não digo isso para me desculpar. De facto, estamos a tomar medidas sérias. Este assunto está presente nas minhas reuniões com os meus vices e a cúpula diretora do MNE. Devemos não só declarar que rejeitamos tais violações grosseiras das legislações nacionais e dos compromissos internacionais, mas também mobilizar os mecanismos internacionais. Enviamos notas à ONU, à OSCE e ao Conselho da Europa. Vamos continuar este trabalho.
Quando temos provas inegáveis e irrefutáveis da violação flagrante da liberdade de imprensa acompanhadas de ameaças de instauração de processos penais, os mecanismos existentes no âmbito dos formatos de direitos humanos das Nações Unidas (têm muitos relatores especializados nos mais diversos aspetos das violações dos direitos humanos: o Conselho da Europa tem um Comissário para os Direitos Humanos, a OSCE tem um representante para a Liberdade dos Meios de Comunicação Social) não podem justificar o que lhes foi feito. Casos semelhantes são muitos nos países bálticos vizinhos. Eles costumam escrever-nos cartas. Todavia, queremos pôr em ação os mecanismos estipulados nas convenções e que exigem que o país infrator corrija as infrações cometidas. Estes mecanismos devem (perdoe a palavra pouco diplomática) "maçar" o infrator até parar de cometer infrações.
Os nossos colegas de estruturas multilaterais estão muito menos inclinados a lutar pela verdade quando se trata de meios de comunicação que transmitem em russo, embora, na Letónia, o russo seja a língua nativa. Quase metade da população da Letónia, 40% de certeza, pensa, vive e usa o idioma russo. Para demonstrar um desrespeito tão especial pelos seus próprios compatriotas, precisa-se de ter uma orientação política específica.
Continuaremos a lutar para que as estruturas internacionais tomem medidas adequadas. Ao mesmo tempo, queremos "mobilizar" organizações não governamentais. Elas têm todos os motivos para irem aos tribunais. Se tiverem as suas queixas negadas, terão o direito de intentar uma ação judicial no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). O órgão já tratou várias vezes do tema dos meios de comunicação social. Antes, não havia precedentes como estes. Foram criados recentemente por causa das reclamações contra os meios de comunicação russos feitas pelo Ocidente. Portanto, o TEDH tem agora de examinar esta situação que não tem nenhuma dupla interpretação. Esta situação é tão óbvia que não creio que o tribunal leve muito tempo a julgar este caso.
Ao mesmo tempo, trabalhamos e continuaremos a trabalhar com advogados internacionais. Utilizaremos o nosso Fundo de Apoio e Proteção dos Direitos das Comunidades Russas no Estrangeiro que estará pronto para ajudar os jornalistas, entre outras coisas.
Reitero o nosso apoio ao Sputnik não só porque é um meio de comunicação social russo. Os cidadãos de qualquer país, inclusive a Letónia, têm o direito a fontes alternativas de informação. O acesso à informação é garantido por numerosas resoluções da OSCE e pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Este princípio de acesso à informação foi recentemente espezinhado nos EUA. Atordoados, os aliados americanos mantiveram silêncio ou limitaram-se a comentários inarticulados. Agora procuram votar este episódio ao esquecimento, afirmando que o Facebook restabeleceu o acesso de Donald Trump (enquanto o Twitter o mantém suspenso). Não se trata de Donald Trump, mas do facto de o governo americano ter violado grosseiramente os seus compromissos de disponibilizar o acesso à informação. Afirmou-se que não foi o governo dos EUA que "cortou o oxigénio" àqueles que foram reconhecidos por todas estas plataformas como fonte de informação não fiável. Disseram que as corporações não assinaram nenhuns acordos. Tudo isto não é verdade. Os pactos e as resoluções da OSCE adotados ao mais alto nível, que o Ocidente não se cansa de citar (pelo menos, até recentemente não se cansava), estipulam o dever dos países de garantir, nos seus respetivos territórios nacionais, a cada pessoa o livre acesso à informação. Por isso, o Sputnik tem o nosso total apoio. Sei que também é popular com os meus colegas ocidentais. Consideram veículos de comunicação como o Sputnik, RT importantes para se ter uma opinião diferente na altura em que os meios de comunicação social ocidentais criam e impõe uma única opinião em qualquer ocasião mais ou menos importante.
Pergunta: Provavelmente, o novo Secretário de Estado dos EUA será Antony Blinken. Ele será auxiliado pela bem conhecida Victoria Nuland. O que o senhor pode dizer sobre estes candidatos? Tem alguns pressentimentos a respeito do seu futuro trabalho com eles?
Ministro Serguei Lavrov: Procuro não ter nenhuns pressentimentos em nenhuma ocasião. Quanto às expectativas em relação à nova administração americana, já foi dito tanto sobre isso que não quero tomar muito do vosso tempo.
Conheço estas pessoas. Por um lado, isto permite, se houver vontade da outra parte, ter esperança de que as nossas numerosas propostas sobre a agenda russo-americana que permanecem em cima da mesa sejam atendidas e iniciar negociações sem longos preparativos. Por outro lado, isto nos dá a possibilidade de ter uma ideia mais ou menos clara da política a ser seguida pelos "novos-velhos" integrantes da equipa de política externa da nova administração dos EUA, tanto mais que eles próprios não fazem segredo das suas intenções e planos. A julgar por entrevistas, artigos, conselhos de "think tanks" dos EUA, Conselho do Atlântico Norte da NATO e outras estruturas, vemos que a política para o domínio do Estado americano e do modo de vida americano baseada na incompreensão do estilo de vida de outros países continuará. O objetivo de conter a Rússia e a China estará certamente presente na agenda da política externa dos EUA. Já estão a pensar em como podem fazer para impedir que a Rússia e a China se unam ao ponto de se tornarem mais poderosas do que a América. Há propostas de provocar um confronto entre a Rússia e a China. Tudo isto está há muito presente na política americana.
Talvez na vertente russa a política americana seja feita de forma um pouco mais educada, mas a sua essência dificilmente mudará. Nas áreas onde os americanos beneficiam e compreendem que não conseguirão fazer nada sem a Rússia e a China, eles terão de buscar acordos. Isto diz respeito ao combate às infeções (ao que parece, esta é uma questão de longo prazo); as alterações climáticas, assunto que também pressupõe uma cooperação concreta e prática entre muitos países, inclusive a Rússia e a China; o combate ao terrorismo e a outras formas de crime organizado como tráfico de droga e tráfico humano. O mais importante: isso deve dizer respeito à situação (absolutamente anormal) em termos de controlo de armas. Ouvimos falar da intenção da administração Joe Biden de retomar o diálogo connosco sobre este assunto. Nomeadamente, tentar acordar a prorrogação do Tratado de Redução de Armas Estratégicas antes que este expire a 5 de fevereiro de 2021. Vamos esperar por propostas concretas. A nossa posição é bem conhecida e mantém-se.
Ouvimos falar das intenções de rever as decisões da administração cessante quanto ao fim da presença dos EUA em muitos outros acordos e organizações multilaterais como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a UNESCO e o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH).
Não temos ilusões. Somos realistas. Temos as nossas próprias propostas sobre todas as questões importantes para a humanidade, algumas delas estão a ser concretizadas. Gostaria de mencionar os esforços da ONU para promover a segurança de informação internacional e coibir crimes cibernéticos. Os nossos colegas ocidentais não querem continuar este trabalho num formato universal, preferindo concentrá-lo num grupo estreito de correligionários, elaborar as famigeradas "regras" e depois exigir que todos os outros as respeitem.
Resumindo, não estamos a aguardar por mudanças substanciais. Todavia, os métodos de promoção da "liderança" americana serão diferentes.
Pergunta: Que medida da administração Biden, na sua opinião, pode confirmar que está pronta para "dar reinício" às relações com a Federação da Rússia? O que está a Rússia pronta a fazer para mostrar que quer melhorar as relações com os Estados Unidos?
Ministro Serguei Lavrov: Não precisamos de fazer nada para mostrar o nosso desejo de ter boas relações com os Estados Unidos que reflitam a responsabilidade mútua das duas maiores potências nucleares pela segurança ao nível global, regional e a todos os outros níveis. Fizemos tais propostas. A administração Biden está bem ciente disso.
Quando o Presidente russo, Vladimir Putin, felicitou Joe Biden pela sua eleição como Presidente dos EUA, ele reafirmou o nosso desejo de cooperar em todas as questões de interesse mútuo e de importância para o mundo. Considere isso como convite ao diálogo.
Porém, o mais importante é que as propostas russas relativas à segurança cibernética, às acusações de interferência nos assuntos dos EUA, ao controlo de armas estão em cima da mesa. Em setembro de 2020, o Presidente russo, Vladimir Putin, convidou publicamente os EUA (e não Donald Trump concretamente ou qualquer outra pessoa, mas sim os EUA como potência que manterá, esperamos, pelo menos alguns dos sinais de continuidade e de capacidade de chegar a acordo na política externa) a resolver, de uma vez por todas, os problemas das nossas relações em matéria de segurança cibernética e interferência nos assuntos internos uns dos outros. Propusemos proclamar solenemente que não iríamos fazê-lo (refiro-me à interferência nos assuntos internos); retomar um diálogo regular sobre todos os aspetos dos problemas que surgem na área cibernética em termos de segurança militar e política dos países e utilização do ciberespaço por elementos criminosos: terroristas, pedófilos, traficantes de seres humanos. Não recebemos nenhuma resposta à nossa proposta nem à nossa iniciativa de há dois anos de reafirmar claramente, nas novas condições, aquilo que Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan haviam dito sobre a inadmissibilidade de uma guerra nuclear: uma guerra nuclear não pode ser vencida, pelo que nunca deve ser desencadeada.
Não sei como o novo enviado especial do Presidente dos EUA para o Controlo de Armas formulará a posição de Joe Biden, mas J. Billingsley (que sai do cargo dentro de dois dias) continua a ser ativo e a jorrar entrevistas e artigos. Num dos seus discursos, ele disse sem rodeios que a nova administração não deveria, de modo algum, cair na "armadilha russa" e fazer uma declaração sobre a inadmissibilidade de uma guerra nuclear. Este não é apenas um capricho de J. Billingsley ou de um outro responsável americano que considere inaceitável que os EUA subscrevam a tese de inadmissibilidade de uma guerra nuclear. É um reflexo das colocações consagradas nas doutrinas dos EUA sobre o uso da força e das armas nucleares. A desclassificação das munições na expectativa de que possam ser utilizadas no campo de batalha, a recusa em fixar na doutrina a tese de que as armas nucleares só podem ser utilizadas em resposta a um ataque contra os EUA são nuances doutrinárias que evidenciam muita coisa. É importante para nós compreender quem e como acabará por definir a posição dos EUA sobre as armas ofensivas estratégicas e sobre as armas nucleares.
As novas tecnologias permitem desenvolver um projeto denominado nos EUA como "Prompt global strike" (Ataque Global Imediato). Este projeto prevê a criação de armas estratégicas não nucleares muito poderosas e de alta precisão, capazes de atingir qualquer lugar do globo terrestre numa hora.
Propusemos que a administração cessante pensasse na possibilidade de elaborar um novo documento sobre o controlo de armas e de prorrogar o Novo START para que, pelo menos, algo permanecesse na esfera do controlo de armas enquanto trabalhássemos num novo documento destinado a abranger todos os tipos de armas, não só os que foram mencionados no START III, mas também as armas estratégicas que poderiam constituir uma ameaça para os territórios dos nossos países. Penso que este critério é muito claro e muito mais relevante do que uma simples contagem das ogivas, na qual insistia o lado americano, rejeitando a nossa proposta de nos concentrarmos nas ameaças reais que existem hoje e que poderiam ser levadas a cabo.
Vamos esperar. Joe Biden é especialista em desarmamento e controlo de armas. Penso que ele estará interessado em ter uma equipa profissional e não um grupo de propaganda.
Pergunta: O Ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, disse que a China e a Rússia continuarão a servir de exemplo de desenvolvimento de relações de boa vizinhança e amizade entre grandes países do mundo, dando um impulso à recuperação da economia mundial e mantendo a estabilidade estratégica global. Quais possibilidades o senhor vê para o desenvolvimento das relações entre os dois países? Como podem a Rússia e a China resistir a interferências externas e a tentativas de semear a divisão entre elas?
Ministro Serguei Lavrov: Temos relações muito estreitas e estratégicas com a República Popular da China. Os nossos líderes são amigos e comunicam-se regularmente e confiam-se mutuamente. Este ano, os contactos presenciais foram difíceis. Todavia, os dois líderes tiveram pelo menos cinco conversas telefónicas e videoconferências. Houve a 25ª reunião de Chefes de Governo, contactos em todas as cinco subcomissões estabelecidas sob a direção dos Chefes de Governo, uma reunião da comissão interparlamentar russo-chinesa. Celebrámos conjuntamente o 75º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial. A delegação da China chefiada pelo Ministro da Defesa, Wei Fenghe, e uma companhia da guarda de honra participou num desfile na Praça Vermelha no dia 24 de junho de 2020. Apreciamo-lo.
Agora um outro evento importante está a decorrer: o Ano da Parceria Russo-Chinesa na área de Ciência, Tecnologia e Inovação. Este evento é o mais relevante e visa dar um novo fôlego, uma nova qualidade à nossa interação comercial e económica. Ao contrário de muitos países, durante a pandemia, conseguimos evitar a contração do intercâmbio comercial. As trocas comerciais estão em bom andamento, concretizamos grandes projetos nos domínios de infraestruturas, industrial, agrário, energético e de investimento.
Desde o primeiro dia, temos trabalhado em estreita colaboração para combater a Covid-19 e para superar as suas consequências. Quando os nossos amigos chineses só registaram a situação na cidade de Wuhan, eles ajudaram muito os nossos cidadãos a regressar à Rússia. Cooperamos na prestação recíproca de ajuda humanitária. Há exemplos dos dois lados. Estamos agora a trabalhar em vacinas. Estou convencido de que teremos êxito.
Cooperamos na Organização de Cooperação de Xangai (OCX), no grupo BRICS. A República Popular da China e a União Económica Eurasiática (UEE) assinaram um acordo de cooperação. Opera-se a combinação dos processos de integração no âmbito da UEA e da iniciativa chinesa "Uma Faixa, Uma Rota". Em dezembro do ano passado, assinámos um protocolo que prorrogou por mais 10 anos o nosso acordo bilateral sobre a notificação de lançamentos de mísseis balísticos e veículos transportadores espaciais. Também em dezembro de 2020, a Força Aérea chinesa e a Força Aeroespacial russa patrulharam conjuntamente a zona do Mar do Japão e do Mar da China Oriental. Isto reflete a natureza confiante e virada para o futuro das relações russo-chinesas e o nosso enfoque mútuo em garantir a estabilidade na Ásia-Pacífico (APR).
Alguns outros colegas nossos, em particular os EUA, estão a tentar fomentar a tensão, realizando atividades militares de índole notoriamente anti-chinesa destinadas a isolar a Rússia e acalentando os planos, muito reais, de instalar componentes da defesa antimíssil americana na Ásia-Pacífico. Estas armas terão a capacidade de alcançar o território tanto da China como da Rússia.
Poderíamos falar interminavelmente sobre a interação Rússia-China. Abrange um grande número de áreas: praticamente todas as esferas de atividades da humanidade e dos Estados. Gostaria de mencionar a nossa estreita coordenação nas Nações Unidas em muitas questões concretas. Tem como traço marcante o desejo da Rússia e da China de proteger o direito internacional, de não permitir a destruição das estruturas universais e de substituir a ONU por formatos e parcerias estranhas em que o Ocidente tenta formular regras que lhe são convenientes e depois impô-las ao resto do mundo. A Rússia e a China apoiam firmemente as conquistas consagradas na Carta das Nações Unidas e baseadas nos princípios da igualdade de direitos, respeito pela soberania dos Estados, não-ingerência nos seus assuntos internos e na resolução pacífica de disputas.
Este ano, celebramos o 20º aniversário do Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação entre a Federação da Rússia e a República Popular da China. Temos um plano bastante ambicioso sobre como comemorar esta data histórica.
Pergunta: Há uns dias, o mundo inteiro ficou perplexo ao ver as corporações desligarem Donald Trump das redes sociais. Como, segundo o senhor, este “Gulag digital”, em que políticos e os seus simpatizantes, jornalistas e pessoas comuns em todo o mundo estão a ficar, relaciona-se ao conceito de “democracia norte-americana”? Será possível tal bloqueio de contas seletivo será base da política internacional, alguma coisa de rotina?
Ministro Serguei Lavrov: As pessoas não param de falar disso em todos os canais, nas redes sociais. Ouvi que ameaçaram o Telegram com privar da possibilidade de prestar serviços. Seria interessante isso.
Eu já mencionei as obrigações dos Estados. Quero lembrar disso. Os EUA são membro da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. É interessante (e pouco lembrado) que dois pactos internacionais foram assinados: um dos Direitos Civis e Políticos e outro - dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Ao assinar o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (nos anos 1960s), os EUA recusaram-se categoricamente, e continuam a recusar-se a assinar o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, além da Convenção sobre os Direitos da Criança.
Esta é uma recusa de assumir qualquer obrigação que visa garantir o nível de vida da população e resolver problemas sociais e económicos. Mas o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos é um documento que obriga os EUA. A Ata Final de Helsínquia e toda uma série de documentos da OSCE (Carta de Paris para a Nova Europa, Carta da Segurança Europeia adotada em 1999 em Istambul) declaram que cada pessoa tem o direito de expressar livremente a sua opinião. Este direito inclui a liberdade de procurar, obter, divulgar todo tipo de informação e ideias independentemente das fronteiras estatais, por via oral ou escrita, através da imprensa, das formas de expressão artística ou usando outros meios à sua escolha. “Os demais meios” prediziam profeticamente a próxima criação das redes sociais. Não é nenhuma exceção. Foi dito que cada pessoa teria o direito de acesso à informação. E quem assinou esta obrigação foi o Estado. Por isso alegar a falta de obrigações do lado da Google, da Facebook, da YouTube e outras corporações é ridículo e infantil. O Estado é obrigado a responder por eles, e se comportar de semelhante maneira, é obrigado a fazer as suas autoridades respeitarem as suas obrigações de natureza jurídica.
Não sei como a história vai continuar. Houve muitas profecias. Há um capitalismo estatal, há um privado. Quem vai mudar as regras do jogo agora? Lembraram-se de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin, de outros críticos do capitalismo e do imperialismo como a última fase do capitalismo. Isso eu não sei. Só sei uma coisa: se os EUA não garantirem a obediência à liberdade da palavra, à própria Constituição (nem falemos dos pactos internacionais) por parte dos que a violam, então a imagem internacional dos Estados Unidos vai ser um pouco diferente da do guerreiro mais consequente e furioso pela democracia.
Quanto à liberdade da palavra. Quando a Assembleia Geral da ONU adota anualmente, por nossa iniciativa, a resolução sobre a inadmissibilidade da glorificação do nazismo e de outras formas do racismo, discriminação racial e xenofobia, os EUA votam contra, alegando abertamente que a votação a favor da inadmissibilidade de manifestações do neonazismo iria violar a Primeira Emenda à Constituição dos EUA. Falam disso diretamente. A propósito, só um outro país, além dos EUA, vota contra esta resolução: a Ucrânia. A razão é óbvia, pois os neonazistas marcham lá livremente, organizam marchas das tochas e, além das manifestações externas, afetam realmente a política prática deste Estado, se posso descrevê-lo assim. A situação nos EUA é um pouco diferente. Mas eles tampouco querem violar a Primeira Emenda.
Esperemos que a sociedade norte-americana não permita as elites na sua luta entre si usar censura descarada, violando grosseiramente a Constituição e as obrigações internacionais. Mas é um problema da sociedade norte-americana. Se não souber lidar com isso, não vamos poder fazer nada. Mas todos deverão ser então preparados para as consequências de semelhante fracasso do Estado norte-americano. E vão ser muito graves para o palco internacional. Acho que todos compreendem isso. Não é por acaso que já estão a ser preparados na Europa documentos da União Europeia visando lançar, logo depois da posse de Joe Biden, o diálogo que preveja todos os roteiros possíveis.
Eu iria aconselhar prestar atenção à conduta que levou os EUA à situação que ameaça subverter o Estado norte-americano, se não puderem lidar com as corporações, que são menos de uma dúzia, de modo que se integrem de novo aos mecanismos estatais, à legislação e, antes de tudo, à sua Constituição.
Pergunta: Há um político, um cidadão russo que alega que os serviços especiais russos tentaram envenená-lo. Aleksei Navalny apresentou factos que ninguém ainda conseguiu desmentir de maneira convincente. Ele decide voltar ao seu país de origem, onde não há nenhuma investigação penal do envenenamento. O avião com ele a bordo não aterra no lugar planeado. As pessoas que viram ao seu encontro, inclusive jornalistas, e o próprio Aleksei Navalny ficam detidos. Como, a seu ver, a Rússia aparece nesta situação? Ou a imagem já não é nada?
Ministro Serguei Lavrov: Talvez seja necessário pensar na imagem, mas nós não somos uma dama que vai ao baile. Devemos priorizar o nosso trabalho, que é o cumprimento da política externa da Rússia. O caso de Aleksei Navalny obteve uma dimensão política externa de maneira artificial, completamente ilegítima. Tudo o que acontece a ele, o regresso e a detenção, são da competência dos órgãos de segurança pública. Há uma declaração pormenorizada do Serviço Federal de Penas Criminais, que cita factos concretos, cita as violações, explica a razão das pretensões. Aqui não deve haver nenhuma pergunta ao MNE da Rússia. Trata-se do cumprimento das leis russas. Se em alguns outros países, como mencionámos inclusive hoje, o cumprimento das suas próprias leis considera-se menos importante do que o alcance dos objetivos geopolíticos, são problemas deles. No nosso caso, os órgãos de segurança pública formularam a sua postura. E dedicaram muito tempo a formulá-la – o faziam desde agosto, uns dias depois de o blogueiro ter saído do hospital em Omsk.
Aleksei Navalny declarou voltar com a consciência limpa, já que nunca tinha saído da Rússia por vontade própria. Quer dizer, nas entrelinhas, que foi quase expulso. Mas na verdade, estava inconsciente, a situação era dificílima, tratava-se da vida e morte da pessoa. Foi a esposa dele que insistiu em sair da Rússia e foi por sua vontade que ele ficou a bordo do avião alemão – e as autoridades da Alemanha, que exigiam, de maneira bastante agressiva, entregá-lo. Entregaram.
Saiu hoje uma reportagem da Euronews. Galina Polonskaya estava no avião e informou que, de acordo com os dados da clínica Charité, Aleksei Navalny foi envenenado com um veneno de combate, o que a OPAQ confirmou depois. Porém, ela acrescentou que o Governo da Rússia desmente isso. De acordo com os dados inicialmente apresentados pela parte alemã, nenhum veneno de combate foi detetado nem na clínica civil Charité, nem na de Omsk. Foi encontrado na clínica da Bundeswehr. Primeiro, recusaram-se a apresentar a nós os resultados da análise, justificando-se pela suposição de assim conhecermos as tecnologias que a Bundeswehr possui para detetar armas químicas. Como avalia isso? Justo seria não existirem tais tecnologias, pois na altura das peripécias com o Novichok, depois dos Skripal, o Ocidente jurava não possuir ninguém deles tais conhecimentos e tecnologias.
E de repente, no caso de Aleksei Navalny, a Bundeswehr deteta o Novichok ou algo semelhante (ainda não sabemos nada, ninguém mostra nada a nós) em alguns dias. Os franceses e até os suecos ficaram capazes de confirmar que a substância pertence à família do Novichok, ainda sem constar na lista das substâncias proibidas pela OPAQ. De acordo com as numerosas obrigações provenientes da Convenção para a Proibição das Armas Químicas (CPAQ), a bilateral e a europeia, solicitámos os resultados das análises. Primeiro, disseram-nos que a questão já tinha se tornado multilateral, e todos os materiais tinham sido entregues à OPAQ. O Diretor Geral da Organização, Fernando Arias, tentou inicialmente evitar as nossas perguntas. Depois, retrospetivamente, confessou que eles tinham coletado amostras de Aleksei Navalny, mas não as podem entregar a nós, porque Berlim era o “proprietário”. Foi quem solicitou, então lá temos que perguntar. Berlim diz que não é uma questão bilateral e encaminha para a organização multilateral. Considero isso um escárnio. Com a OPAQ tudo já está claro, o Ocidente privatizou-a há muito. Está a tentar fazê-lo agora com outras estruturas, mas aqui é um êxito sério. Só depois deste “jogo de bola” entre Berlim e a Haia, disseram que havia uma razão diferente: o próprio Aleksei Navalny não quer que estes dados cheguem até à Rússia.
Recentemente, a Alemanha congratulou-se por ter respondido a todas as quatro solicitações da Procuradoria Geral da Rússia. A resposta baseava-se exclusivamente na entrevista de Aleksei Navalny e da sua esposa. Eis tudo o que nos foi apresentado. Nenhuma prova material, nada sobre garrafas com alegados vestígios de veneno, nenhuma cópia do parecer toxicológico, nenhuma amostra de material biológico, nenhum resultado da análise. Aleksei Navalny diz que foram o Estado russo e o Presidente Vladimir Putin quem o envenenou. O Ocidente percebe isso sem qualquer desconfiança. Porém, os países ocidentais apresentam a nós os factos somente na forma do relato do próprio Aleksei Navalny durante interrogatório nas estruturas da ordem pública alemãs. Acho que isso é desrespeito completo do procedimento.
No parlamento alemão, o partido Alternativa para a Alemanha (considerado por todos quase uma criatura da Rússia) solicitou oficialmente informações concretas do governo alemão. Não ouviram nenhuma resposta. As perguntas eram concretas: onde e com quem estava a garrafa durante o voo de Omsk para Berlim, se era sabido no momento do voo que os organizadores decidiram levá-la com eles. A resposta: o Governo da República Federativa da Alemanha não tem informações. Como é assim? Estavam a bordo do avião que levou Aleksei Navalny de Omsk, não somente médicos, mas também representantes dos serviços especiais alemães. Todos sabem bem disso. Se eles não sabem quem levou qual garrafa para o avião, é coisa da consciência deles.
Inicialmente, mencionava-se que Aleksei Navalny tinha bebido chá no aeroporto de Omsk e esta versão foi imediatamente lançada para o espaço público. Depois, desistiram dela. Resultou que o chá foi oferecido por um aliado próximo dele. Depois, surgiu a versão da garrafa. Silenciou-se. A nova versão tinha a ver com roupa, e depois voltou a garrafa. Muito recentemente (uns meses depois do próprio episódio), diz-se que já tinha havido tentativas de envenenamento antes, mas a envenenada por erro foi Yulia Navalnaya. Com esta abundância de novos e prodigiosos factos, nós, como órgão da política externa, só temos uma pergunta. Senhores alemães, franceses, suecos, cumpram a sua obrigação internacional e apresentem os resultados das análises que, conforme insistem, contêm uma substância de combate, que é desconhecida por não constar nas listas da OPAQ. Não nos deram nenhuma resposta relativa ao envenenamento de Aleksandr Litvinenko, classificando o processo respetivo, e ao dos Skripal. Todos que cumpriram a exigência dos ingleses e expulsaram os diplomatas russos, prometeram conceder os factos depois. Não concederam nenhum facto, e tudo sobre os Skripal só ficou na área pública. “Highly likely” e ponto. Vergonha de quem acreditou nos ingleses e, infelizmente, acho que esta confiança vai manifestar-se de novo em virtude da solidariedade errônea.
Nada dizem tampouco sobre a interferência nas eleições norte-americanas. O ex-Secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, recusou-se de expor as “provas irrefutáveis”, alegadas por ele em público. “Não mostraremos, e ponto”. A mesma coisa sucede com Aleksei Navalny. Se querem saber a verdade, sejam respeitosos e respeitem a lei, cumpram as suas obrigações, não usem métodos diplomáticos grosseiros. Assim não vamos conversar. Isso é a dimensão política pela qual o MNE responde em toda a história. Os nossos parceiros não devem comportar-se assim.
Pergunta: A Rússia vai enviar uma nova solicitação à Alemanha sobre o caso Navalny, visto que Moscovo não ficou satisfeita com a resposta anterior? Compreendi bem da sua resposta anterior que sem a autorização de Aleksei Navalny de transmitir as análises, não haverá investigação criminal na Rússia?
Ministro Serguei Lavrov: Quanto às solicitações da Procuradoria Geral da Rússia, é prerrogativa sua. Acho que a solicitação adicional é precisa para que os colegas alemães não sintam que já cumpriram as suas funções. Foi um burocracismo, algo indigno para um órgão cuja missão é responder pelos aspetos jurídicos da ordem pública.
Os médicos de Omsk que salvaram Aleksei Navalny, antes de deixar arrancá-lo deles, inconsciente, pediram à sua esposa assinar um documento dizendo que ela insistia nisso. Entregaram as suas conclusões e os resultados das análises aos médicos alemães, que confirmaram o recebimento. Em agosto, os alemães informaram que nada foi encontrado na clínica Charité, por ser uma clínica civil – como a de Omsk. Passaram as amostras para a clínica da Bundeswehr, onde foram encontrados os mencionados sinais da substância de combate. Já que as análises de Aleksei Navalny feitas na Rússia não detetaram nada que testemunhasse de envenenamento com substâncias de combate, não há fundamento legal, conforme a nossa lei, de lançar investigação criminal, quem quer que fale o contrário.
Se a história que surgiu faz alguém desconfiar, o caso já poderia ter sido resolvido da seguinte maneira. Os alemães declaram que já não se trata de um problema bilateral, mas sim multilateral e o encaminham à OPAQ. Nós sugerimos ao Diretor Geral da Organização aplicar o artigo da CPAQ que prevê ajuda ao país participante pelo Secretariado Técnico desta estrutura. Disseram: vá à Rússia. Têm as amostras biológicas de Aleksei Navalny. Nós também temos, estão no hospital de Omsk (pode ser que já tenham sido levados para um laboratório especializado). Existe na Rússia um laboratório certificado pela OPAQ. Os médicos seus e os nossos estudam primeiro umas amostras, depois outras, ou vice-versa. Vão fazê-lo juntos, para que haja confiança. O laboratório cumpre todos os critérios para tais eventos. Se consideram importante trazer alguns equipamentos novos, contemporâneos, podem trazer, estamos prontos para tudo isso. A única condição é que o façamos juntos. Depois de alguns episódios ligados ao alegado uso de armas químicas na Síria, depois dos relatórios do Secretariado, dissemos abertamente que não confiamos. Por isso, queremos parafrasear o princípio de Ronald Reagan: “confie, mas comprove”.
A resposta direta tem sido evitada longamente. Diziam que eram internacionalmente reconhecidos, pediram as nossas amostras para “contar-nos depois”. Não, nada disso vai ser. Não vai mais haver “jogo com uma meta só”. Não haverá confiança nem quanto à clínica da Bundeswehr, nem em relação às clínicas francesa e sueca, nem àquela que a OPAQ escolher sem nós para os seus fins internos, antes de assegurarmos que estas pessoas são cientistas, especialistas honestos. Não vejo que algo poderia ser feito antes de entregar a nós os materiais solicitados, ou antes de organizar o experimento que propomos. Pode ser que se tenham acovardado. O que significa haver algo pese na consciência. Não é por acaso que a organização indicada pelos alemães, que alegavam que era propriedade dela, anunciou ser propriedade de Berlim. O círculo fechou-se. Como disse Vladimir Putin, não adianta imaginar que somos pessoas com deficiência mental.
Pergunta: A questão principal que preocupa a sociedade arménia é a situação dos prisioneiros de guerra que estão em Baku. Vemos que está ainda sem solução. O Azerbaijão manipula os prisioneiros. Toda a esperança da parte arménia é ligada às ações da Rússia. O que está a ser feito para conseguir o retorno deles? Há uma compreensão dos prazos de obtenção da decisão positiva nesta questão? A Arménia, ela própria, entregou todos os prisioneiros de guerra que estavam do seu lado, mas não houve resposta. Os processos que acontecem não cabem bem no quadro das Declarações assinadas a 9 de novembro de 2020 e a 11 de janeiro de 2021. Já alguns anexos secretos a estas Declarações, que ainda desconhecemos? Que progresso há na questão do estatuto de Nagorno-Karabakh? Qual é o prazo respetivo? Fala-se em Nagorno-Karabakh que, se a Rússia já ajudou tanto nesta situação, pode ser que Nagorno-Karabakh possa fazer parte dela? Esta opção é levada em conta?
Ministro Serguei Lavrov: Com efeito, a questão dos prisioneiros foi discutida. É parte dos acordos assinados na noite entre 9 e 10 de novembro de 2020. Via à toa depois nas conversas telefónicas do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, com o Primeiro-Ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, e o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, nas minhas conversas com os Ministros dos Negócios Estrangeiros, Ara Aivazian e Djeyhun Bayramov. Fez parte das discussões bastante prolongadas no decurso da visita dos Presidentes dos dois países a Moscovo a 11 de janeiro do ano corrente.
Generalizando o acontecido, com efeito, os arménios tinham os maiores problemas inicialmente. Era preciso, antes de tudo, que os dois países formassem listas de desaparecidos que querem libertar. O Azerbaijão entregou estas listas, eram insignificantes. Não imediatamente, mas todos os mencionados nas listas azeris foram entregados. Não houve mais situações por parte do Azerbaijão com os desaparecidos, presos, retidos. A parte arménia entregou as suas listas não imediatamente e estavam incompletas.
Depois, tiveram lugar as trocas dos participantes dos eventos que terminaram a 9 de novembro de 2020. Agora, a questão principal é aquela que surgiu já no início de dezembro de 2020. No final de novembro do ano passado, um grupo de 62 militares arménios foi enviado para a região de Hadrut. Dentro de uma semana, já ficaram presos. A parte azeri declarou naquela etapa que, levando em conta o seu envio depois da proclamação do cessar-fogo e do fim de todas as hostilidades, era necessário examinar a situação deles com procedimento especial, pois não cabiam na Declaração de 9 de novembro de 2020. Não obstante, o Presidente Vladimir Putin e eu não deixamos de promover, nos contatos com os colegas, a necessidade de continuar a consideração desta questão, para resolvê-la conforme o princípio “todos por todos”. Falei com Ara Aivazian tentando precisar as listas finais das pessoas que faltam. Resulta que são mais de 62.
Os nossos militares que mantêm contato com os seus colegas da Arménia e do Azerbaijão, já examinam as listas com os nomes para saber onde estas pessoas podem estar agora. Sem dúvida, o assunto existe. Sem os pacificadores russos, podia ser mais difícil de resolver. O tenente-general Rustam Muradov, comandante do contingente pacificador, mantém contato direto com os seus colegas arménios e azeris.
Não compreendi a alegação de que os processos in loco não caibam nos acordos de 9 de novembro de 2020 e de 11 de janeiro do ano corrente, a existência alegada de protocolos e anexos secretos que a isso digam respeito. Onde concretamente há “não cabimento” in loco? Acredito que a Declaração de 9 de novembro de 2020 está a ser cumprida com bastante eficiência – esta avaliação é partilhada por Ilham Aliev e Nikol Pashinyan. À exceção da pausa, por razões mencionadas, na solução da questão dos prisioneiros de guerra, que surgiu nesta redação no início de dezembro de 2020, um mês depois da assinatura dos acordos. Está a ser resolvido o assunto do mandato dos pacificadores. Deve ser objeto de um acordo trilateral e discutia-se isso a 11 de janeiro em Moscovo. Não há nenhum anexo secreto. Não vejo temas que possam ser secretos.
Quanto ao estatuto de Nagorno-Karabakh, não está mencionado nos acordos de 9 de novembro de 2020. Foi feito conscientemente. O território no qual estão implementados os pacificadores russos é zona de responsabilidade do contingente pacificador da Rússia. É a premissa da qual partimos nos nossos contatos com Erevan e com Baku. Estão a ser elaborados as nuances e os detalhes relacionados à organização dos transportes, ao fornecimento da zona de responsabilidade dos pacificadores, à prestação da assistência humanitária aos regressados (que já são mais de 50 mil). O Comité Internacional da Cruz Vermelha tem trabalhado lá desde há muito, e continua a fazê-lo em coordenação com os pacificadores russos. As organizações internacionais, inclusive a UNECCO, o Escritório das Nações Unidas para Refugiados e Assuntos Humanitários, estão a combinar com Baku e Erevan o formato da sua missão de avaliação. Há assuntos ligados principalmente às contradições em torno do estatuto. Precisamente por ser contraditório o problema do estatuto de Nagorno-Karabakh, levando em conta as posturas de Erevan e de Baku, os três líderes resolveram evitar este assunto, deixá-lo para o futuro.
Entre outros, os copresidentes do Grupo de Minsk da OSCE devem tratar disso. Agora, retomaram os seus contatos com as partes, tencionam voltar para a região. A facilidade da solução das questões do estatuto dependerá da rapidez do cumprimento in loco das assegurações pronunciadas por Baku e Erevan, alegando que o principal era garantir a vida cotidiana de todas as comunidades étnicas e religiosas que coexistiam em Nagorno-Karabakh, restaurar a convivência pacífica e a boa-vizinhança.
Quanto à proposta exótica de fazer Nagorno-Karabakh parte da Rússia. Se compreendo bem, ninguém, inclusive a República da Arménia, não reconheceu a independência de Nagorno-Karabakh. Nós nem estamos por aí. Partimos da premissa de que todos os problemas da região devem ser resolvidos entre os países situados aqui, primeiramente entre a Arménia e o Azerbaijão. Estamos prontos para ajudar a buscar e a encontrar a solução que vai garantir a paz e a estabilidade nesta região. O essencial é a segurança das pessoas que viveram aqui sempre e devem viver no futuro.
Pergunta: O Azerbaijão protestou contra a visita dos funcionários arménios para Nagorno-Karabakh. Por que os funcionários da Arménia não solicitam autorização da parte azeri a visitar Nagorno-Karabakh? Como os pacificadores russos vão resolver esta questão? O protesto do Azerbaijão a este respeito vai ser levado em conta?
Ministro Serguei Lavrov: Todos os acordos, antes de tudo os acordos de 9 de novembro de 2020, preveem o consentimento das partes a que a comunicação entre a Arménia e Nagorno-Karabakh seja realizada através do corredor de Lachin, controlado pelas forças de paz russas. Ninguém nunca negou a relação da Arménia com Nagorno-Karabakh. Em toda a história das negociações que conta com dezenas de anos nunca se sugeriu cortar a ligação entre a Arménia e Nagorno-Karabakh. Por isso precisamente, ninguém negou o corredor de Lachin, enquanto conceção. Continua a ser objeto de consentimento das partes, inclusive o consentimento dos nossos vizinhos azeris. Do mesmo jeito, para além do corredor de Lachin, que vai possuir uma rota nova, será lançada uma comunicação segura, permanente entre as zonas ocidentais do território principal do Azerbaijão e a República Autónoma de Naquichevão. É um acordo aprovado pelos chefes da Arménia, do Azerbaijão e da Rússia. Todos estão de acordo com que deve existir uma via de comunicação entre os arménios de Nagorno-Karabakh e os arménios da Arménia, e eu não vejo nenhuma razão para obstaculizar os contatos a este nível.
Os funcionários arménios participam na assistência humanitária a Nagorno-Karabakh, o que não provoca nenhuma emoção negativa em Baku. Seria estranho ser de outro modo. As declarações bastante politizadas feitas por alguns funcionários arménios em Nagorno-Karabakh gera tensão. Acho que seria melhor evitá-la. Antes de eclodir a guerra de 44 dias, já vimos como declarações emotivas pronunciadas desde Nagorno-Karabakh ou a seu respeito: “Nova guerra, novos territórios” – tornaram-se a realidade. A palavra ganha uma força material. Neste caso, palavras pronunciadas por dois lados diferentes, tornaram-se uma força material muito negativa. Por isso prestamos tanta atenção aos contatos entre as autoridades do Azerbaijão e da Arménia, à criação da atmosfera de confiança. Nisso esta um dos sentidos importantes daquele encontro, daquela conversa que teve lugar em Moscovo com a participação do Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, e dos líderes do Azerbaijão e da Arménia. Espero que as emoções tenham passado para o segundo plano.
Não estamos na melhor época para priorizar o estatuto de Nagorno-Karabakh. Ficará para o futuro. Garanto que a zona de responsabilidade do contingente de paz russo (e é assim que este estatuto está definido no plano prático) é a forma que garantirá os interesses tanto da parte azeri, quanto da arménia. Vamos voltar a este assunto. Há os copresidentes do Grupo de Minsk da OSCE, mas o essencial é que depois as discussões sobre o estatuto de Nagorno-Karabakh entre a Arménia e o Azerbaijão sejam concretas, tranquilas, jurídicas e baseadas na boa-vizinhança que devemos restaurar na região.
Pergunta: O seu colega grego, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grécia, Nikos Dendias, destacou recentemente a Rússia como a única potência que reconheceu o direito da Grécia à zona marítima de 12 milhas de águas territoriais. Apesar de tais momentos positivos, eu diria que as relações russo-gregas não estão a ser brandas. Pela primeira vez em muitos anos, ouve-se na Grécia e no Chipre opiniões alegando que a Rússia estaria a subverter a situação na região Mediterrânea. Os diplomatas norte-americanos dizem isso abertamente. Outros afirmam que a Rússia abandona os seus parceiros históricos, muda a sua política em prol da união só com a Turquia. É assim mesmo? É possível nas condições atuais a cooperação da Grécia, do Chipre e da Rússia? Ou os interesses dos nossos países divergem-se?
Ministro Serguei Lavrov: O senhor disse que há vozes na Grécia e no Chipre alegando que a Rússia teria um papel subversor na região e acrescentou que são os diplomatas norte-americanos que falam disso. Se quem afirma isso são diplomatas norte-americanos na Grécia e no Chipre, dizem-no em qualquer outro país. Pois não se surpreenda. Um diplomata norte-americano não hesita em nenhum país para declarar abertamente, violando todas as regras e tradições, que o Estado que ele representa enquanto embaixador deve cessar toda comunicação com a Federação da Rússia. Às vezes, acrescenta-se a China, como fez o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, no decurso da sua viagem pela África, exigindo aos africanos não fazerem comércio com a Rússia e com a China por ter os russos e os chineses algumas “reservas”, mas os EUA são quem vai fazer comércio com a África desinteressadamente. Simples, mas é o jeito diplomático de hoje.
Eu estive recentemente em visita à Grécia e Chipre. Falei há pouco por telefone com o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Chipre, Nikos Christodoulides. Não vejo o que poderia convencer estes países que a Rússia seja um adversário seu ou mantenha política inimiga para com eles. Tenta-se convencer, mas políticos sãos devem saber prever todas as perfídias que consistem em apresentar a Federação da Rússia como inimigo, declarando que a nossa presença nos Balcãs teria impedido o movimento destes países rumo à NATO, obstaculiza a sua integração euro-atlântica.
Não é diplomacia nenhuma, só uma pressão brutal, pública. Nos países como o Chipre e a Grécia nem todos são capazes de responder publicamente a semelhantes apelos, por medo ao “Grande Irmão”. Não há desdém profundo entre quem quer que seja na Rússia, na Grécia e no Chipre.
Temos umas relações muito calorosas e estreitas, temos laços espirituais. Estes laços espirituais são alvo de tentativas de subversão por parte dos mesmos colegas norte-americanos que fizeram o Patriarca Bartolomeu tomar o caminho do cisma, de subversão das tradições seculares do cristianismo ortodoxo, daquilo que o mundo ortodoxo chama de “papismo”. A tradição ortodoxa oriental sempre o negou. Não é por acaso que o mundo ortodoxo não possui um análogo do Papa. Há o Patriarca Universal, que até recentemente se considerava ser o primeiro entre os iguais. Sob uma pressão grosseira e patente de Washington, escolheu o caminho do cisma na Ucrânia, criou lá uma Igreja Ortodoxa fantoche da Ucrânia, enganou a Igreja, limitando os direitos prometidos. Agora, junto com os norte-americanos, tenta ocupar-se de outras igrejas ortodoxas, inclusive a Igreja Ortodoxa Grega, o líder da Igreja Ortodoxa Cipriota, no intuito de prosseguir com estas ações subversivas e anticanónicas contra a tradição ortodoxa oriental. A “caixa de Pandora” aberta por Bartolomeu já levou ao cisma na Igreja Ortodoxa Cipriota, a hesitações em outras Igrejas Ortodoxas. A missão que a ele destinaram os norte-americanos (e eles não ocultam estar a trabalhar com ele, usando a palavra de ordem de “liberdade da religião e da confissão”) é enterrar a influência da fé ortodoxa no mundo contemporâneo. Não posso explicar de outro modo as ações desta pessoa.
Quanto às discussões mencionadas indiretamente através da pergunta sobre o reconhecimento pela Rússia da zona de 12 milhas de águas territoriais da Grécia. Não é a Rússia quem reconheceu, é consequência da Convenção Universal do Direito Marítimo da ONU de 1982. A Convenção, assinada por todos (sem os EUA), diz que cada Estado tem o direito de estabelecer a largura das suas águas territoriais até 12 milhas.
Quando a Grécia anunciou isso, nós dissemos aquilo que acabo de dizer: é uma decisão absolutamente legítima. Outra coisa é quando as águas territoriais proclamadas por um Estado entram em conflito com os interesses do vizinho. Se for estabelecida a legitimidade destes interesses do ponto de vista da Convenção da ONU sobre o Direito Marítimo, será preciso buscar decisão através do diálogo e do equilíbrio de interesses. Apelamos a resolver todos os problemas ligados às zonas económicas exclusivas tanto da Grécia, quanto do Chipre, através do diálogo.
Eu ouvi que o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grécia, meu colega, Nikos Dendias, combinou uma reunião com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Mevlut Cavusoglu, no final de janeiro. Acredito ser um formato correto para a discussão e solução de tais questões. Claro que ninguém quer uso de força no Leste do Mediterrâneo. Quanto a nós, se podemos ser úteis em algo, se podemos usar as nossas boas relações com os países interessados nestas discussões, estaremos prontos para tal, se houver respetivo pedido.
Pergunta: O senhor falou da parceria estratégica e das boas relações entre o Primeiro-Ministro da Índia, Narendra Modi, e o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin. Como o senhor vê o desenvolvimento das relações entre a Rússia e a Índia nas circunstâncias geopolíticas em constante mudança, especialmente no contexto da ameaça de sanções contra a Índia por parte de certos países, inclusive em virtude do fornecimento dos sistemas de defesa antimíssil S-400?
Ministro Serguei Lavrov: A parceria entre a Rússia e a Índia é chamada um pouco diferente. O senhor disse “estratégica”, e esta foi a opção inicial. Uns anos depois, a parte indiana sugeriu designá-la de “parceria estratégica privilegiada”, e mais alguns anos depois, quando Narendra Modi passou a chefiar o Governo indiano, chamámo-la de “parceria estratégica especialmente privilegiada”.
Existe a possibilidade para continuarmos a melhorar as nossas relações que já estão bastante boas. A Índia é um parceiro próximo, estratégico e privilegiado. Na economia, na área de inovações, altas tecnologias, da cooperação nas áreas militar e técnica. A Índia é um dos nossos parceiros mais próximos em todos estes domínios. Estamos a manter coordenação estreita sobre assuntos políticos em plataformas como a ONU e BRICS. Fizemos muito para que a Índia e o Paquistão se aderissem à OCX, cuja configuração faz a Organização suficientemente representativa para promover ideias construtivas, estabilizadoras para a região euroasiática e a Ásia-Pacífica em geral.
Juntamente com os nossos amigos indianos a nível de Presidentes, Primeiros-Ministros, a nível de ministros, peritos, consultantes, temos discutido tanto aspetos práticos, quanto questões concetuais, inclusive provenientes da nova conceção da Estratégia Indo-Pacífica. Não achamos isso somente uma alteração terminológica. Se olharmos para isso do ponto de vista de geografia, o prefixo “Indo” refere-nos a todos os países que têm acesso ao Oceano Índico. Mas a África Oriental (conforme disseram-nos) não faz parte da Estratégia Indo-Pacífica. O Golfo Pérsico tampouco. De que faz parte? Como declarou recentemente o Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo: os EUA, a Austrália, a Índia, o Japão compõem a estrutura essencial da região Indo-Pacífica, livre e aberta. Os australianos, os japoneses e os norte-americanos estão a promover este formato, dizendo abertamente que a estabilidade no Mar do Sul da China é importante para reter a China.
Ao discutir isso com o meu bom amigo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, percebi que eles têm uma compreensão clara: alguns países querem usar a Estratégia Indo-Pacífica de um modo que não seja inclusivo e que sugira certa confrontação. Os nossos colegas na ASEAN são da mesma opinião. Receiam que tal imposição agressiva, a promoção de tais conceções possa minar papel central da ASEAN na região Indo-Pacífica e em diferentes formatos, inclusive na Comunidade da África Oriental (CAO), no centro da qual a ASEAN tem estado muitos anos.
Sei que este assunto está a ser discutido na Índia. A Índia tenciona usar esta cooperação Indo-Pacífica no plano construtivo. Eu destaquei tanto este assunto porque os meus comentários a respeito têm sido discutidos nos media indianos críticos para com o Governo da Índia. Eu quero que as minhas palavras sejam percebidas corretamente: a Rússia é um amigo da Índia. Faremos tudo o possível para garantir que a Índia e a China, dois grandes amigos e irmãos nossos, mantenham paz entre si.
É um princípio político que promovemos não somente no contexto da OCX e do BRICS. Temos um formato especial trilateral, o RIC: um “trio” integrado pela Rússia, pela China e pela Índia. Foi criado nos anos 90 e continua a funcionar. A última reunião a nível de ministros teve lugar em setembro de 2020 em Moscovo. Adotámos um comunicado conjunto que reconhece a manutenção da paz e da estabilidade na Ásia e no mundo em geral, confirmando também a cooperação entre os três países.
Estou feliz que, além do diálogo político entre os nossos três países, temos mantido muitos outros formatos que preveem contatos entre pessoas, inclusive com a participação dos círculos científicos, da juventude etc. Somos sábios o bastante para compreender se tal estratégia significa mais divisão e menos união. A nossa parceria próxima com a Índia não será afetada. O diálogo mais sincero e honesto, até sobre assuntos em que nem sempre temos pontos de contato, é chave para o desenvolvimento da nossa parceria.
Pergunta: A minha pergunta é sobre a situação no Sudeste da Ásia. O Japão está muito preocupado pelo reforço da potência nuclear da China. Isso força o Japão a adotar medidas de segurança, nomeadamente comprar um sistema de defesa antimíssil. A Rússia parece não partilhar da nossa preocupação, mas pelo contrário, vê uma ameaça nos nossos esforços de garantir a nossa segurança. A situação agrava-se pela intenção dos EUA de instalar mísseis de alcance intermediário da Ásia-Pacífico. Alguns media informaram que a Rússia e a China estariam a considerar eventuais medidas de resposta caso os EUA deem este passo. É verdade? Cria-se a impressão de que dois blocos militares estejam a ser formados na região: os EUA, o Japão e a Coreia do Sul, de um lado, e a Rússia com a China do outro. Acho que as relações atuais entre o Japão e a Rússia são de boa-vizinhança. Como podemos evitar o agravamento das relações e até o confronto, em virtude da situação atual na região? O senhor acha possível preservar as nossas relações positivas quando as relações entre a Rússia e os EUA se agravam?
Ministro Serguei Lavrov: No último ano e meio, ficou evidente que as relações entre os EUA e a Coreia do Norte, entre a República da Coreia e a Coreia do Norte continuam a ser difíceis. Partimos da premissa de que as partes vão abster-se de passos práticos bruscos na área militar, que iriam escalar a tensão em torno da Península da Coreia. As partes não se recusam das obrigações assumidas anteriormente. No início do ano passado, a Coreia do Norte e depois a do Sul confirmaram o seu desejo de cumprir os acordos alcançados pelos líderes do Norte e do Sul ainda em 2018. Muitos prestaram a sua atenção ao desfile militar comemorativo de mais um aniversário na Coreia do Norte. Geralmente, não há ações que poderiam ser a base material para a escalada.
Aguardemos a manifestação da política da Administração de Joe Biden nesta direção. Estamos interessados na paz sólida na Península. Junto com os colegas chineses, elaborámos o roteiro da nossa visão comum do movimento rumo à paz, ainda em 2017. Discutimo-la com outros participantes das negociações entre seis partes, inclusive com o Japão, os EUA e, claro, com as Coreias do Norte e do Sul. As perceções comuns e este roteiro serviram de base para o plano de ação que estamos prontos para sugerir quando pudermos retomar os contatos. Mais uma vez, quero manifestar o nosso desejo sincero de fomentar a paz e o acordo duradouros.
Quanto às nossas relações com o Japão, consideramo-las boas. Sempre existiram amizades, simpatias pessoais entre o Presidente russo e os seus colegas japoneses, os Primeiros-Ministros. Estou certo que haverá contatos pessoais também com o Primeiro-Ministro, Yoshihide Suga.
Falando da situação militar na região: sim, nós e a China fazemos trabalho conjunto, inclusive na forma de exercícios militares. Exercícios russo-chineses não é algo novo. Têm sido organizados várias vezes na versão terrestre, em formato da OCX, no formato bilateral. Não visam confrontar o Japão, o seu objetivo é verificar a prontidão de combate da aviação que garante a segurança das fronteiras da Federação da Rússia e da República Popular da China. Quais são as ameaças que esta segurança enfrenta? As ameaças são muitas, mas há inclusive aquela que mencionou na pergunta: os planos dos EUA de colocar, nos territórios do Japão e da República da Coreia, sistemas de defesa antimíssil e mísseis de estacionamento terrestre de alcance intermédio e pequeno, proibidos pelo Tratado que os norte-americanos destruíram.
Entregámos a Tóquio uma lista das nossas preocupações concretas na área de segurança, que tratam diretamente da possibilidade de continuarmos negociações construtivas em torno do tratado de paz. Ainda não recebemos a resposta. Mas a criação do sistema de defesa antimíssil no território japonês, como a eventual instalação no Japão de mísseis norte-americanos de baseamento terrestre de alcance intermédio e pequeno fazem parte destas preocupações. Quanto à defesa antimíssil, os nossos colegas japoneses asseguram-nos que vão somente comprar os sistemas Aegis Offshore para os controlarem eles mesmos, sem que os norte-americanos participem no controlo. Com todo o respeito aos nossos colegas japoneses, isso é impossível. Não vai ser possível evitar o controlo norte-americano sobre estes sistemas. Quanto aos mísseis de alcance intermédio e pequeno, ouvi que o Governo japonês não é muito feliz com este plano dos Estados Unidos, mas tenta, nas negociações, alterar o estacionamento terrestre dos mísseis de alcance intermédio e pequeno pelo seu baseamento marítimo. Isso dificilmente muda o assunto, porque a instalação de mísseis de alcance intermédio e pequeno no Mar do Japão, mesmo se for em navios, significaria que estes mísseis vão poder “atingir” uma parte considerável do território da Federação da Rússia.
Estamos prontos para continuar o diálogo, mas queríamos que as preocupações na área de segurança, das quais a parte japonesa está bem informada, fossem atendidas. Além da forma concreta de instalação dos armamentos planeados para o Japão, existe uma dimensão político-militar: a aliança do Japão com os EUA, conforme a qual eles podem instalar os seus armamentos em qualquer parte do território japonês. Compreendemos que Tóquio tem muitas vezes, inclusive no ano passado, confirmado a sua lealdade completa a esta aliança militar, chamando os EUA de seu aliado principal. E tudo isso acontece na situação em que os EUA qualificam a Rússia como o seu adversário principal e até de inimigo, como Mike Pompeo disse recentemente. Quando os amigos japoneses confirmam ativamente e até aprofundam a aliança com um país que considera a Rússia inimigo, isso cria uma situação bastante específica, que merece ser estudada.
Pergunta (tradução do espanhol): Sou jornalista da televisão pública de Buenos Aires, Argentina. E há um assunto que é muito importante para a nossa região da América Latina e especialmente para a República da Argentina, nomeadamente a soberania das Ilhas Malvinas. Gostaria de perguntar-lhe qual é a posição da Federação da Rússia a este respeito e também a respeito das mudanças que acarreta a saída do Reino Unido da União Europeia?
Ministro Serguei Lavrov: Nós apoiamos todas as resoluções da Assembleia Geral da ONU sobre as Ilhas Malvinas. Votamos a favor desde o primeiro minuto em que o assunto surgiu na ONU e vamos continuar a insistir no cumprimento prático destas resoluções. Há um tema que se chama “duplos padrões”. O problema das Ilhas Malvinas surgiu há muito. O Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte insistia brutalmente no direito de autodeterminação dos habitantes das Ilhas Malvinas (que Londres chama de Ilhas Falkland). Nós lembrámos disso aos ingleses quando eles se preocuparam em março de 2014 a respeito do referendo na Crimeia. Perguntámos: “Será que as Malvinas, situadas a 10 mil milhas da Inglaterra, tenham direito à autodeterminação e os habitantes da Crimeia, que têm sempre sido parte do nosso país, tenham ficado privados deste direito?”. A resposta foi muito simples: “São duas coisas diferentes”. Deixo isso para a sua consciência. Estamos convencidos de que o litígio deve ser resolvido através do diálogo, conforme previsto pela Resolução da Assembleia Geral da ONU.
Pergunta: A 12 de janeiro de 2021, teve lugar em Berlim a primeira reunião deste ano dos conselheiros dos líderes do “quarteto de Normandia”. Como o Vice-Chefe da Administração do Presidente da Federação da Rússia, Dmitry Kozak, disse, não foi alcançada nenhuma solução. Como o senhor ministro vê a saída do impasse em que ficou a solução da crise ucraniana?
Ministro Serguei Lavrov: Não vemos outro caminho senão o cumprimento dos Acordos de Minsk. O que faziam agora os conselheiros dos líderes do formato de Normandia? Tentavam, pela enésima vez, elaborar um roteiro para chegar a esta meta. A nossa participação na elaboração ou na tentativa de elaborar um roteiro é um compromisso sério da nossa parte. Há também compromisso por parte de Donetsk e de Lugansk, com os quais coordenamo-nos estreitamente antes de cada reunião no formato de Normandia.
O formato de Normandia só acompanha o trabalho principal. E o trabalho principal é realizado no âmbito do grupo trilateral – assim é chamado pelos ucranianos. Nós o chamamos de Grupo de Contato. Mas o nome “trilateral” também é válido, visto que há três lados: Kiev, Donetsk e Lugansk; e a Rússia com a OSCE são intermediários. O roteiro, sugerido há três ou quatro anos pelos alemães e franceses, volta a vir à toa. Naquela etapa, a ideia era sincronizar ações na área da segurança: retirada das forças, retirada dos armamentos pesados, estabelecimento dos pontos de passagem de maneira que o seu funcionamento fosse cómodo para civis, medidas de solução política: progresso na questão do estatuto, preparação das eleições, anistia etc. Naquela altura, não funcionou porque a parte ucraniana se opôs categoricamente a este movimento em paralelo e começou a insistir que fosse necessário resolver primeiro todas as questões da segurança para depois pensarmos em conteúdos políticos. O assunto das eleições parou neste “obstáculo” também.
Conforme os Acordos de Minsk (lidas sem politização e sem os filtros políticos) é necessário primeiro garantir o estatuto especial de Donbass para depois, com base neste estatuto, convocar as eleições. E a Ucrânia dizia: “Vamos fazer de modo contrário: convoquemos as eleições primeiro e depois, dependendo do seu resultado, se gostarmos, concederemos o estatuto especial. Se não gostarmos, não vai ter estatuto especial”. Naquela altura, um compromisso foi alcançado com a participação do Presidente Vladimir Putin e dos líderes da França, da Alemanha, da Ucrânia: a dita “fórmula Steinmeier”, que sincronizou as eleições e a concessão do estatuto especial da região. Tudo isso foi confirmado na cimeira de Paris em dezembro de 2019. O Presidente Vladimir Zelensky obrigou-se a integrar esta fórmula à legislação.
Poucas decisões parisinas foram cumpridas. Em particular, houve retirada mútua das forças e meios de combate em algumas zonas, uma pequena troca de prisioneiros de guerra de pessoas retidas. As tentativas de combinar mais uma troca, que têm continuado todos estes meses, terminaram em fracasso devido à postura da Ucrânia que fazia cada vez mais exigências artificiais.
As Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk declararam, com o nosso apoio, planear entregar a Kiev, num gesto de boa vontade, uma parte de cidadãos ucranianos retidos no seu território, unilateralmente. Que seja somente o poder ucraniano com vergonha da falta da troca “todos por todos”, combinada antes, por razões que nada têm a ver com considerações humanitárias. E agora, quando se reuniam os conselheiros dos líderes, voltou a tentativa de elaborar um “roteiro”. Se tentam apresentar os Acordos de Minsk como acordos de ação indireta, decifremos então cada passo previsto por eles. Já a Ucrânia ocupa uma postura completamente obstrucionista.
Eis um exemplo. Os Acordos de Minsk estipulam ser necessário retirar as forças e o material bélico a certa distância da linha de contato. Ao longo dela. Na véspera da cimeira da Normandia em Paris, em dezembro de 2019, os peritos aprovaram a declaração final dos líderes, havendo nela a cláusula sobre a retirada das forças e do material bélico dentro de um certo prazo ao longo de toda a linha de contato. Já foi visada pelos peritos, pelos ministros, pelos conselheiros. O Presidente Zelensky disse que não podia fazer isso e que só podia consentir a retirada em três novos pontos de passagem na linha de contato. Os líderes da Alemanha e da França ficaram perplexos. A Ucrânia não deixa de gritar em cada esquina que o importante para ela era a solução dos problemas de segurança in loco. E de repente, o Presidente que era a esperança do movimento rumo à paz, que usou “a paz em Donbass” como a principal palavra de ordem da sua campanha eleitoral, diz: “não, não vou retirar as forças e o material bélico, só posso fazer isso em três aldeias”. Isso dá muito a pensar. Pode-se lastimar, mas a razão principal está na incapacidade ou na falta de desejo de Berlim e de Paris de fazer os seus pupilos em Kiev parar de minar os Acordos de Minsk.
O Presidente Zelensky diz que só precisam dos Acordos de Minsk para manter as sanções contra a Rússia, que se fosse de outro jeito, iria sair destes Acordos – e Paris com Berlim guardam um silêncio total. O representante de Kiev no Grupo de Contato, o ex-Presidente Leonid Kravtchuk, afirma que os Acordos de Minsk são o maior obstáculo para a solução do problema de Donbass. Isso só significa uma coisa: impedem Kiev de tentar restaurar, por força, o seu domínio lá. Mais um membro da delegação de Kiev no grupo trilateral, Aleksei Reznkov, declara que os Acordos de Minsk podem ser bons, nas não obrigam juridicamente, sendo só uma recomendação política… Ignorância total. Os Acordos de Minsk têm a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, manifestada na resolução unânime, passando assim a integrar o direito internacional. E ele declara também que se “pode trocar algumas cláusulas lá, o principal é enviar primeiro os guardas de fronteira ucranianos para ocupar toda a fronteira com a Federação da Rússia, cercando assim as Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, e quando os ucranianos os cercarem, as eleições nem serão precisas”. Vão nomear lá alguns governadores-gerais, vão prender todos os dirigentes, porque os chamam de terroristas.
Agora o importante para mim é compreender o que os franceses e os alemães estão a pensar. Respondendo aos nossos numerosos apelos, contidos inclusive nas minhas cartas, de acalmar e apaziguar os representantes de Kiev nas negociações com Donbass, só ficam “na sombra”, sem pronunciar nada em público. Se existe a premissa de não ofender o país (mais bem, as autoridades da Ucrânia) relacionado à esperança da retenção da Rússia, que falem disso. Então, vamos agir de maneira diferente nesta área.
Pergunta: A pergunta da agência SANA e do povo sírio, que sofre todo este tempo da agressão de Israel, que continua a bombardear as nossas cidades, os nossos povoados, ampliando recentemente a área das suas atividades na Síria, e simultaneamente das sanções agressivas impostas pelos EUA e pelos seus aliados sobre o povo sírio, que está a viver tempos difíceis. Como o senhor comenta a situação?
Ministro Serguei Lavrov: Nós já manifestámos muitas vezes a nossa avaliação do que acontece na Síria. Todos assinaram a Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU, unanimemente adotada, que exige respeitar a soberania, a integridade territorial, a independência política da República Árabe Síria. As ações dos EUA na Síria são uma violação grosseira desta resolução. A política de Washington de bloqueio, por todos os meios possíveis (chantagem, ultimatos) do fornecimento da ajuda humanitária para a República Árabe Síria também. Os EUA fazem tudo para que isso não aconteça. Anunciaram sanções brutais, o dito ato Caesar. Proibiram, inclusive a organizações internacionais, participar na conferência sobre a repatriação dos refugiados sírios e pessoas internamente deslocadas, que aconteceu em Damasco em novembro de 2020. Não obstante, cerca de 20 países participaram nela, inclusive os cinco Estados árabes, que superaram o medo do dono norte-americano. No entanto, proibindo a todos até de enviar bens humanitários à Síria, os EUA ocuparam grandes territórios na margem oriental do rio Eufrates. Exploram sem piedade os hidrocarbonetos sírios, as riquezas naturais sírias, as roubam e vendem, usando o dinheiro obtido para manter os seus fantoches, inclusive os separatistas curdos, persuadindo os curdos a não manter diálogo com Damasco e fomentando o separatismo. Isso cria grandes problemas também na Turquia. Mas o principal é que isso acontece no território da República Árabe Síria, a onde ninguém convidou os norte-americanos com seus aliados ocidentais.
Nós manifestámos muitas vezes a nossa posição a este respeito, inclusive o Presidente da Federação da Rússia o fazia. Sim, temos contatos com os EUA a nível de militares, mas não porque reconheçamos a legitimidade da sua presença lá, mas porque eles devem agir dentro de certos limites. Não podemos expulsá-los, não vamos entrar em combate com eles. Se estão lá, mantemos com eles um diálogo para o dito “deconflicting”, visando a observância de certas regras, inclusive falamos firmemente da inadmissibilidade do uso de força contra infraestruturas do Estado sírio.
Quanto a Israel, mantemos contato estreito com Tel Avive. O Presidente Vladimir Putin tem discutido o assunto com o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu. Insistimos com firmeza na necessidade de respeitar a Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU, da resolução sobre o Líbano. A última também é violada pelos israelitas ao usarem o espaço aéreo da Síria para atacar instalações no território libanês. É uma questão séria nas nossas relações. Se Israel, como insistem, vem-se obrigado a reagir a ameaças à sua segurança provenientes do território sírio, nós dissemos muitas vezes aos colegas israelitas: “Se veem tais ameaças, por favor nos transmitam as informações respetivas”. Nós não queremos que o território sírio seja usado contra Israel ou (como muitos gostariam) como um palco de conflito iraniano-israelita. Prezados colegas israelitas, se possuem factos sobre ameaças ao seu Estado proveniente de uma parte do território sírio, informem-nos imediatamente. Vamos tomar todas as medidas para neutralizá-la. Ainda não obtivemos uma resposta concreta a este apelo, mas sempre insistimos.
Pergunta: Permita-me voltar para os acontecimentos nos EUA. Foram dramáticos demais. Principalmente em Washington. Todos lembramos as imagens do Capitólio. Lembramos da violência que lá houve. Mas é interessante também o que seguiu, a reação a estes acontecimentos. Quer dizer que muitos estão a usar nos EUA uma retórica que já conhecemos. De purgar o Partido Republicano dos ditos “trumpistas”, de fazer lustração etc. O senhor já falou que algumas pessoas e até o Presidente ficam privados de acesso a plataformas de informação. Senhor Ministro, isso não lhe lembra nada? Até se levarmos em conta que muitos nos EUA estão convencidos que quatro anos atrás Donald Trump venceu as eleições graças à Rússia, o senhor aguarda por novos golpes contra a Rússia no espaço político e informático? Obrigado.
Ministro Serguei Lavrov: Já tratámos parcialmente deste assunto. Não vou responder se isso me faz lembrar de algo concreto, porque cada um pode lembrar-se de coisas diferentes. A humanidade já viveu diferentes maneiras de repressões em diferentes períodos históricos. Não acredito que tenha tanta falta de memória para esquecer-se rapidamente destes períodos históricos. Mesmo se a memória do ser humano é fraca, temos manuais de história, e a juventude deve ser educada com base na verdade histórica. Ou a próxima geração vai pensar que nunca houve nada mais além do Twitter, do Facebook, do YouTube e de outras plataformas e que elas são a verdade total. Eu não tenho nenhum prazer, nem qualquer pessoa normal, a acompanhar os problemas que se manifestaram nos EUA.
Alguém será tentado a dizer: “Os EUA ensinavam o mundo todo, tentavam ensinar-nos, colocavam-nos em impasses e agora que resolvam eles próprios o que criaram”. É um país demasiado grande para esquecer-se dele, porque qualquer coisa que aconteça lá terá consequências enormes. Até porque estes ditos gigantes da Internet são corporações globais. E, à diferença das corporações globais do passado, quando a Ford e outros produtores transferiam a produção para os países em desenvolvimento, o que se fabrica agora são ideias. Como disse um poeta: “Ideia pronunciada é já mentira”. É quase a definição dos riscos que estamos a enfrentar.
Se lembrarmos da história e dos costumes, das maneiras da política externa dos EUA, sempre foi “a América como o número um”, “a América deve dominar”, “a democracia americana é o exemplo para todos”, “a democracia deve ser instaurada por toda a parte”. Tentaram no Médio Oriente e até estão a tentar implementar a democracia conforme o exemplo norte-americano, apesar de todas as tradições civilizacionais, da cultura da região. Tentaram fazer o mesmo no Afeganistão, no Iraque e agora na Líbia, ignorando por completo as tradições, a história, os aspetos etnoconfessionais dos países. Fizerem a mudança do poder até num país europeu que é a Ucrânia. Em que país dos mencionados (e em qualquer outro país onde os norte-americanos impunham a democracia) a vida tornou-se melhor? Não há tal país.
Nos últimos anos, o Presidente dos EUA, Donald Trump, dizia que não ia haver guerras com ele no poder. Com efeito, ninguém começava novas guerras. Mas a ingerência nos assuntos internos de outros países era muito ativa. Os métodos de interferência físicos são menos usados, o que é mais usado são as redes sociais. O enfoque nas ONGs, a “educação” da oposição leal, obediente ao Ocidente. Tudo isso é acompanhado pelo poder crescente das redes sociais, das suas capacidades. Agora, o Estado norte-americano enfrenta a questão - se adianta controlá-las ou se manter as “normas” do seu controlo, que refletem a ideologia liberal, a visão liberal. Nenhuma restrição da liberdade da “sua palavra”, e a “sua palavra”, refletida nas normas corporativas, lhes garante o direto de limitar a liberdade da palavra de outros. É um dilema sério e eu desejo sinceramente que os norte-americanos o resolvam. É um país deles, eles vão viver lá.
Isso vem destacar de novo a necessidade de soluções multilaterais. Espero que aqueles que têm impedido por anos, por décadas, as discussões sobre a democratização da gestão da Internet, e aqueles quem tentam impedir a iniciativa russa, já integrada na resolução da Assembleia Geral da ONU sobre a elaboração das regras de comportamento responsável no ciberespaço e, simultaneamente, no projeto da Convenção sobre a Cooperação na Área do Combate ao Crime Informático, encarem os processos sob um prisma diferente. Especialmente o assunto da democratização da gestão da Internet. Temos discutido isso muitos anos no estabelecimento especializado da ONU: a União Internacional das Telecomunicações. Virtualmente todos estão prontos para buscar formas universalmente aceitáveis. Os norte-americanos estão categoricamente contra.
Falando dos eventos que levaram a esta situação, é impossível não lembrar (muito foi dito sobre isto) o acompanhamento pelas redes sociais das eleições do Presidente dos EUA e a formação da opinião pública tanto nacional, quanto no mundo “com uma meta só”.
Hoje muitos falam do que era evidente desde o início, mas “silenciava-se”. Dois meses antes da data das eleições, boletins começam a ser enviados em alguns estados para votação postal. 95 milhões de boletins foram enviados. Dois terços deles foram preenchidos. Um terço era persuadido, mas as pessoas não reagiram. A divulgação forçada dos boletins não cabia nas normas eleitorais norte-americanas. Com mais de 40% dos votos para ambos os candidatos, “votos postais” é algo sério. Vou repetir: quem recebeu um boletim, podia enviá-lo pelo correio, visitar um local de votação, entregá-lo de outra maneira. Isso levou algumas semanas. As redes sociais comentavam isso como uma prática normal, isso tinha a aprovação das pessoas que não poupavam críticas à nossa votação sobre as emendas à Constituição da Federação da Rússia. A “votação no pé da árvore” não é nada comparada com o que fizeram com o mecanismo de votação nos EUA. As redes sociais tiveram o papel decisivo na cobertura disso. Jogaram do lado de um partido sem dissimular, nem dissimulando o desejo de instaurar no país um sistema com um só partido governante. É um problema da sociedade norte-americana, é o seu sistema eleitoral e seus debates políticos. É evidente a luta contra a opinião contrária. Ou seja, aquilo que sempre foi criticado pelos colegas ocidentais, ou seja, combater a opinião contrária. Agora, esta bandeira está nas suas mãos. Não tencionam entregá-la no futuro próximo.
Pergunta (tradução do inglês): Eu gostaria de precisar algo sobre Aleksei Navalny. Os alemães dizem ter entregado a vocês as amostras do tecido e do sangue, necessárias para a investigação criminal. O que impede começá-la, não compreendemos? Quanto à sua detenção, há informações de que está a acontecer agora a audiência. Isso não cabe no procedimento comum. Por que há aqui um procedimento especial e não comum para os cidadãos russos?
Ministro Serguei Lavrov: Não sei onde a senhora obteve a informação de que a Alemanha tivesse entregado a nós as amostras dos seus tecidos, do material biológico. Isso não é verdade. A resposta enviada a nós pelas autoridades alemãs há três dias, no evidente preparativo para o regresso de Aleksei Navalny a 17 de janeiro, só diz que seguem as informações obtidas do próprio Aleksei Navalny e da sua mulher Yulia. Que material biológico ou garrafas de que se tratava, nem sequer temos os resultados das análises, nem o parecer toxicológico! Nada disso. Se lhe disseram que nos tinham entregado a roupa, as garrafas, o seu material biológico, enganaram-no.
Quanto à parte processual do caso, repito que na clínica de Omsk (uma clínica civil) amostras foram tomadas e análises foram feitas. Não encontraram naquelas amostras nada que lembrasse um veneno de combate. Na clínica Charité (outra clínica civil, como a parte alemã informou) tampouco acharam nada que lembrasse um veneno de combate. A clínica de Omsk e a Charité são clínicas civis. Os alemães, segundo eles mesmos, entregaram as amostras tomadas de Aleksei Navalny em Charité para a clínica da Bundeswehr, onde os militares, possuindo, pelos vistos, os conhecimentos necessários, detetaram, como dizem, um veneno de combate, mas de uma modificação nova. É uma questão à parte de onde a Bundeswehr e os alemães em geral têm estes conhecimentos. Fizemos esta pergunta nas solicitações enviadas pela Procuradoria Geral da Rússia ao Ministério da Justiça da Alemanha. Tem que tratar deste assunto.
Recentemente, na Alemanha, como no Reino Unido depois do caso Skripal, diziam-nos que não havia nenhuma pesquisa das substâncias do grupo Novichok, por isso não deviam possuir os marcadores e as tecnologias que permitiriam à Alemanha, à França e à Suécia detetar em três ou cinco dias aquilo que se presumia ser Novichok de nova modificação.
A nossa prática jurídica prevê a necessidade de haver fundamentos que provem o crime ou a tentativa de crime para lançar uma investigação criminal. Já que nas amostras tomadas pelos nossos médicos de Aleksei Navalny não foi detetado nenhum veneno de combate, solicitamos que apresentem a nós as análises feitas na Alemanha, na França, na Suécia, feitas pela OPAQ. Espero que a senhora ouviu o que eu contei em pormenor sobre a nossa proposta a esta organização a organizar uma investigação conjunta. Não acredito que os nossos colegas ocidentais possam ser tão altivos e arrogantes como para exigir à Rússia explicações sem apresentar-nos quaisquer provas. Do seu lado (falo do Ocidente), disse que há provas do seu envenenamento, e provas irrefutáveis. Mas quando nos dizem que não vão apresentar estas provas, permitam-nos, pelo menos, guardar ceticismo em relação aos acontecimentos em torno de Aleksei Navalny.
Se não têm nada a ocultar, se não têm medo de revelar a verdade e dar-nos estes factos, por que não o fazem? Quando vermos isso, se a sua tentativa de envenenamento com venenos de combate for provada, lançaremos a investigação criminal. A pesquisa pré-criminal que realizámos conforme o Código de Processo Penal não detetou bases para investigação criminal. Compreendo que vocês fazem muitas coisas “no silêncio”. Já mencionei que a investigação no Reino Unido sobre o envenenamento de Aleksandr Litvinenko chegou à necessidade de fechar o processo, e muitas coisas permanecem secretas. Não recebemos alguns dados sobre os Skripal, nem de nenhum aliado do Reino Unido na NATO e na UE. Tampouco no caso do Boeing malaio (voo MH-17).
Acusando-nos, os holandeses organizaram o processo judicial e tal maneira que 13 testemunhas participam nele. 12 delas são anónimas. Recusam-se a divulgar os nomes de 12 das 13 testemunhas. Primeiro, por favor, pergunte aos órgãos da ordem pública britânicos, europeus, pergunte por que eles jogam “às escuras”, o que ocultam, de que têm medo. Depois estarei pronto para responder as suas perguntas, se a senhora obtiver deles uma resposta.
Pergunta: O ano passado foi difícil para todos, inclusive para a diáspora russa no estrangeiro. Neste sentido, enquanto uma ONG que reúne os media dos compatriotas, inclusive jornalistas e blogueiros russófonos independentes, interessamo-nos especialmente pela sua avaliação do resultado do ano nesta área da política externa da Rússia. Como, a seu ver, as organizações dos compatriotas russos comportaram-se nestas condições difíceis? Que notícias boas nos aguardam neste ano?
Ministro Serguei Lavrov: Nós priorizamos o trabalho com os compatriotas em todas as formas, inclusive os media. É uma das áreas prioritárias, inscritas na Conceção da Política Externa da Federação da Rússia, que foi aprovada em versão atualizada pelo Presidente Vladimir Putin em 2016. Claro que a específica da pandemia afetou a nossa comunicação. A maioria dos eventos planeados para aquele ano foram realizados em regime online, mas também houve uns presenciais.
Quero destacar a campanha da repatriação dos russos no momento da quarentena praticamente global, universal. O desempenho dos nossos, ou seja, dos compatriotas residentes nos respetivos países, merece o maior destaque. O tumulto era compreensível. Voos eram marcados e depois cancelados por razões objetivas – e às vezes por subjetivas. Ao chegar aos aeroportos, as pessoas precisavam de pousada. Os compatriotas acolheram-nos, davam abrigo, transporte, dinheiro, comida, meios de proteção individual. Organizavam informação através das redes sociais, dos grupos de apoio. Agradeço muito a todos que participaram nesta ação, organizada por nós sob a hashtag #мывместе (#somosjuntos). Os compatriotas voluntários foram condecorados com a medalha especial “Pela contribuição desinteressada para a organização da Ação Nacional de Assistência #SomosJuntos” e pela carta honorífica do Presidente da Federação da Rússia.
Entre as formas de trabalho tradicionais, funcionava o Conselho Coordenador Universal dos compatriotas russos. As sessões eram organizadas online, em breve vai ser definida a sua nova composição para os próximos quatro anos. Grupos temáticos funcionam, inclusive estruturas comerciais e económicas que visam incentivar o desenvolvimento de incubadoras de empresas para jovens compatriotas. Acho isso uma iniciativa muito útil. Vamos apoiá-la incondicionalmente.
Quanto à nossa participação na solução dos problemas dos compatriotas, a Ucrânia e os países Bálticos precisam da maior atenção do ponto de vista da proteção dos direitos dos russófonos. Funciona, sob a égide do MNE e da Agência Federal para Assuntos da CEI, Compatriotas Residentes no Estrangeiro e da Cooperação Humanitária Internacional (Rossotrudnichestvo) a Fundação do Apoio e da Proteção dos Direitos dos Compatriotas Residentes no Estrangeiro. Possui 49 estruturas de proteção dos direitos em mais de 30 países. São centros de assistência jurídica, consultórios, rubricas regulares jurídicas nos media dos compatriotas russos dando recomendações muito úteis.
Quero agradecer a todos que participou nas ações comemorativas do 75o aniversário da Vitória: Regimento Imortal, Fita de São Jorge, Vela da Memória em Israel. Todas estas ações suscitaram um interesse vivo nos compatriotas e o desejo sincero de não deixar esquecer-se da memória dos pais e avós. Em setembro, ocorreu, em regime presencial, na região de Oremburgo, o Fórum Internacional da Juventude Eurásia Global. A plataforma interativa Jovens Compatriotas foi lançada. É uma novidade importante também. A Aliança Universal das Compatriotas Russófonas e a sua unidade chamada de Aliança das Mulheres Empresárias está a funcionar ativamente. Funciona a Comissão Governamental para os Assuntos dos Compatriotas chefiada por mim. Temos um plano de trabalho que prevê que o acontecimento central do ano deve ser o 7o Congresso Universal dos Compatriotas em Moscovo, no quarto trimestre de 2021. Espero podermos encontrar-nos neste evento.
Se os media com que mantém contato, ao representar a Aliança Mediática das Comunidades Russas, sofrerem alguma discriminação por parte dos países anfitriões, estaremos prontos para prestar apoio necessário. Falámos hoje da discriminação sofrida pelos media russos em vários países. Não excluo que os media dos compatriotas russos possam ser alvo de ações negativas. Se os procedimentos de que são capazes vocês mesmos se esgotarem, estaremos prontos para prestar apoio jurídico e outro.
Pergunta: O senhor planeia vacinar-se? Devido ao crescimento da escala da vacinação em todos os países do mundo, quão rápido seria o retorno à política externa tradicional, no formato offline? Quando vamos reunir-nos em pessoa? O Grupo dos Sete planeia uma cimeira presencial. Qual é a sua previsão para as primeiras negociações internacionais a nível alto ou mais alto no formato tradicional?
Ministro Serguei Lavrov: Quanto ao nível mais alto, a Administração do Presidente da Federação da Rússia responde pela preparação dos eventos do Presidente. Não vou fazer previsões aqui.
Quanto ao nível ministerial, estamos a recuperar-nos gradualmente. Eu fiz algumas visitas no outono de 2020, inclusive a Grécia e a Sérvia. Recebi aqui alguns convidados: o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Mevlut Cavusoglu. Em breve, hão de vir representantes de mais alguns países e organizações internacionais. Sem pressa, respeitando todos os procedimentos e levando em conta o estado da saúde de cada participante do processo. Eu tenho os anticorpos, porque já tive a infeção pelo coronavírus em forma leve. Ouvi ontem que os especialistas recomendam até aos que já se recuperaram. Vou consultar os médicos.