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Intervenção inicial e respostas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, a perguntas dos jornalistas na conferência de imprensa conjunta com o Presidente da República do Uganda, Yoweri Museveni, Entebbe, 26 de julho de 2022

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Senhoras e senhores,

Gostaria de agradecer aos nossos amigos ugandeses e anfitriões hospitaleiros, especialmente ao Presidente da República do Uganda, Yoweri Museveni, o caloroso acolhimento e o trabalho circunstanciado e bem organizado.

Passámos várias horas a conversar detalhadamente. Discutimos todos os aspetos da nossa cooperação bilateral com base nos acordos de princípio alcançados entre o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, e o Presidente da República do Uganda, Yoweri Museveni, durante os seus contactos regulares, bem como as questões relacionadas com a resolução dos conflitos em África e a agenda internacional.

O Presidente Yoweri Museveni fez uma exposição convincente, vívida e muito informativa sobre a história das nossas relações que conta mais de cem anos desde a época em que a África começou a lutar pela descolonização. A Rússia apoiou fortemente os países do continente e liderou o movimento pela sua independência que culminou no início da década de 1960 com a adoção da declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o assunto.

Em 1962, na vida do povo ugandês ocorreu um acontecimento importante: a conquista da independência. Naquele mesmo ano, o Uganda foi reconhecido pela URSS. No dia 13 de outubro próximo celebraremos o 60º aniversário das relações diplomáticas entre os nossos dois países. Concordámos em celebrar condignamente esta data.

Passámos em revista as questões da nossa cooperação económica. Temos planos promissores em áreas como a energia, prospeção geológica, extração de minerais, ciência e educação, telecomunicações, segurança cibernética e agricultura. Discutimos projetos relacionados com a cooperação na utilização da tecnologia nuclear para a medicina e a agricultura, bem como iniciativas para a cooperação futura na colocação de um satélite ugandês em órbita circunterrestre.

Concordámos em dar a estas questões um tratamento especial com vista a resultados práticos em preparação à próxima reunião da Comissão Mista Intergovernamental Rússia-Uganda de Cooperação Económica, Tecnológica e Científica agendada para outubro próximo. Durante os preparativos, teremos em conta os resultados da visita da missão empresarial russa ao Uganda em novembro de 2021.

Chegámos a um acordo para considerar a criação, com a ajuda de peritos russos, de um laboratório para a investigação conjunta de questões relacionadas com a prevenção e combate a doenças epidemiológicas.

Discutimos detalhadamente a situação no mundo através do prisma dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, dos quais o principal é o respeito pela igualdade soberana dos Estados. Fomos unânimes em afirmar que é precisamente este princípio que deve guiar esforços para a solução de problemas que surjam nas relações internacionais.

O presidente ugandês citou hoje exemplos das suas próprias atividades políticas. Ao ser perguntado se é um político pró-Ocidente ou pró-Leste, Yoweri Museveni deu a única resposta correta para políticos sérios. Atualmente, as recaídas do pensamento colonial, instintos de política colonial são infelizmente evidentes nas políticas dos países ocidentais que exigem que todo o mundo tome uma posição "a seu favor e contra o resto".

Hoje falámos longamente sobre os acontecimentos que ocorrem atualmente no cenário internacional e na política global e que estão relacionados com os objetivos que o Ocidente pretendia alcançar, utilizando a Ucrânia contra a Federação da Rússia. Valorizamos e respeitamos muito a posição responsável e equilibrada assumida pelo Uganda e outros países africanos em relação à situação dentro e em torno da Ucrânia.

Também discutimos as causas primeiras das atuais crises energéticas e alimentares nos mercados mundiais acompanhadas por uma estrondosa campanha. No entanto, os nossos amigos africanos compreendem as causas desta situação: elas não estão ligadas ao que está agora a acontecer no âmbito da operação militar especial. Concordámos em ter em conta a situação atual nas nossas relações bilaterais e procurar tais oportunidades (no comércio de energia e produtos agrícolas) que não dependessem dos caprichos dos nossos colegas ocidentais.

Reiterámos o apoio russo aos esforços do Uganda para promover a cooperação no seio da União Africana, resolver as crises que persistem no continente, incluindo a República Democrática do Congo e toda a Região dos Grandes Lagos, Sudão do Sul, Somália e República Centro-Africana.

A Rússia tem a posição de princípio de que os problemas africanos só podem ter uma solução africana. Cabe aos países do continente decidir como lidar com este ou aquele desafio, devendo a comunidade internacional, representada pelo Conselho de Segurança da ONU e outros países estrangeiros, ajudar os países africanos tanto politicamente como em termos de fornecimento de equipamento moderno aos contingentes de manutenção da paz.

Voltámos a reafirmar a posição da Rússia sobre as negociações sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Estamos convencidos de que o problema do atual Conselho de Segurança é a sub-representação dos países em desenvolvimento. A solução deveria ser o aumento de vagas para os países asiáticos, africanos e latino-americanos neste importante organismo das Nações Unidas.

Agradeci uma vez mais ao Presidente Yoweri Museveni o caloroso acolhimento que nos deu. Vamos preparar-nos para o 60º aniversário das nossas relações diplomáticas. Aproveitei para convidar o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Uganda, Jeje Odongo, para uma visita à Rússia.

Pergunta: (tradução do inglês): O que o senhor pode dizer sobre a atual crise económica? Alguns países atribuem a culpa à Rússia devido à "guerra" em curso na Ucrânia.

Serguei Lavrov: Já abordei esta questão. Posso ainda dizer que agora os nossos colegas ocidentais estão a responsabilizar a Rússia por todos os problemas sem exceção.

Isto começou muito antes da operação militar especial na Ucrânia. Lembre-se de 2016: naquela altura não havia nenhum problema ucraniano, tendo a Rússia sido acusada de “ajudar” Donald Trump a vencer as eleições. Nos últimos seis a sete anos, a União Europeia tem vindo a declarar que a Rússia "usa o gás como arma" sem apresentar nenhuma prova, fazendo, ao mesmo tempo, os possíveis para reduzir a capacidade do gasoduto Nord Stream 1.

Recentemente, a Polónia recusou-se a receber gás russo diretamente através do gasoduto existente. A Ucrânia reduziu para metade o trânsito do gás russo através do seu território. A Rússia foi novamente declarada "culpada". "O Nord Stream-2 está totalmente preparado para satisfazer as necessidades da Europa, mas está fechado por razões puramente políticas. Todos os investimentos neste megaprojeto foram feitos em total conformidade com a legislação da UE. No entanto, assim que tudo estava pronto para começar a funcionar, a Comissão Europeia adotou retroativamente (sublinho isto) regulamentos que continuam a ser utilizados ainda hoje para “desativar” este gasoduto de importância crucial para a segurança energética da Europa.

Hoje em dia, a história da turbina Siemens que foi submetida a trabalhos de manutenção no Canadá está a ser empolada. Ottawa não queria entregá-la de volta. Depois o conglomerado alemão, apoiado pelo governo alemão, obrigou o Canadá a devolvê-la. No entanto, ninguém pode explicar-nos claramente, por meio de documentos, qual é o estatuto desta e de outras turbinas que serão submetidas a trabalhos de manutenção no Canadá.

Agora há um alvoroço (vi as últimas notícias) devido à empresa Gazprom ter de submeter a trabalhos de manutenção outra turbina. A União Europeia convoca uma reunião extraordinária para discutir questões energéticas, durante a qual haverá necessariamente "invetivas" contra a empresa russa. Tenho uma pergunta simples: estamos a ser exortados a violar os regulamentos existentes que garantem a segurança do gasoduto, como os representantes alemães, em particular, estão a fazer? Não sei como os representantes alemães, famosos por traços nacionais como "pedantismo" e "asseio", podem propor quebrar as regras, das quais depende a segurança das pessoas.

O mesmo se verifica na questão da crise alimentar que começou com a alta dos preços numa altura em que, há alguns anos, eclodiu uma pandemia de coronavírus. Os países ocidentais começaram a lidar com as suas consequências, imprimindo dinheiro não lastreado. Muitas outras coisas negativas aconteceram em consequência dos erros na política do Ocidente nesta vertente. Estamos bem cientes deles. Podemos ler sobre eles em pormenor nos relatórios do Programa Alimentar Mundial e da FAO.

A única coisa que liga a situação ucraniana à segurança alimentar são as sanções agressivas ilegais impostas pelo Ocidente contra a Federação da Rússia. As restrições afetam toda a cadeia logística (financeira e de transporte), que precisa de ser preservada e mantida para um fornecimento ininterrupto de cereais russos ao consumidor.

Na reunião de Istambul de 22 de julho, foi assinado um memorando entre a Federação da Rússia e as Nações Unidas em que o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, se comprometeu a conseguir o levantamento das restrições que mencionei. A sua promessa foi fixada no papel. Espero que o Secretário-Geral seja capaz de cumprir o que assinou.

Fez uma breve pergunta, e levei bastante tempo a responder-lhe, porque a propaganda ocidental faz circular a tese de que a Rússia é a culpada pela crise energética e alimentar. Tudo isto se coloca nas mentes das pessoas comuns, e elas começam a acreditar nisso. Tentei citar factos para que pudesse prestar atenção e compreendesse melhor a situação. Existem muitas outras oportunidades e publicações que apresentam as verdadeiras causas da atual situação económica no mundo.

Pergunta (tradução do inglês): Muitos países africanos esperam que a Rússia intervenha diretamente para resolver a crise alimentar e a questão do fornecimento de cereais. O senhor está em digressão pela África. Existem problemas entre o Egito e a Etiópia relativamente à construção da Barragem da Renascença. A Rússia irá discutir esta questão?

Serguei Lavrov: No que diz respeito à primeira parte da sua pergunta. Como eu disse, tem na sua cabeça a tese: "porque é que a Rússia não está a resolver a crise alimentar?”. Tentei mostrar na minha resposta anterior que a vida é sempre muito mais complicada do que as teses lançadas, inclusive pela Associated Press.

Sobre a situação entre o Egito e a Etiópia relativamente à Barragem da Renascença que está a ser construída pela Etiópia no Nilo Azul. Somos a favor de que a questão seja resolvida diretamente entre as partes envolvidas, como deveria ser em qualquer situação. Existem normas do direito internacional, a Declaração de Cartum de 2015 assinada pelas partes. Estas são boas diretrizes para os países encontrarem soluções mutuamente aceitáveis. Apoiamos processos como este sem impor a nossa mediação. Há alguns anos, os EUA nomearam um representante especial que começou energicamente a trabalhar nesta questão. Passado algum tempo, ele "ficou de braços caídos” e "foi para as sombras". Ninguém se lembra disto agora.

Estou convencido de que nesta situação, como noutras situações que surgem no continente africano, a mediação, assistência e apoio às negociações através da União Africana e das organizações sub-regionais africanas seria ótima.

Pergunta: Está agora em curso um trabalho ativo sobre um novo conceito de política externa da Federação da Rússia. O papel e a importância dos países africanos para a Rússia mudarão na nova versão do documento?

Serguei Lavrov: O papel do continente africano no novo Conceito de Política Externa da Rússia aumentará muito. Isto aconteceria independentemente do que está a acontecer na vertente ocidental, que está agora, como sabe, a "cancelar-se" a si própria. Devido aos nossos interesses fundamentais e conjunturais a longo prazo, a importância de África aumentaria como consequência do que o Ocidente está a fazer em relação à Rússia. Isto aumentará objetivamente a quota-parte da vertente africana no nosso trabalho.

Começámos a trabalhar na preparação da segunda cimeira Rússia-África marcada para 2023. Criamos os respetivos grupos de trabalho que, creio, prepararão, em cooperação com os nossos amigos africanos, um grande pacote de documentos que contenha acordos práticos importantes.

Pergunta (tradução do inglês): A guerra na Ucrânia está a prejudicar quase todas as economias do mundo, incluindo a África. Como pode ser resolvido o conflito russo-ucraniano?

Serguei Lavrov: O senhor mencionou que a África está a sofrer economicamente. Será por causa da Rússia? Tentei responder a isto duas vezes. Se os jornalistas tiverem uma missão de perguntar por que razão a Rússia está a fazer isto, só posso redirecioná-lo para a minha resposta à primeira pergunta.

Sobre a situação "no terreno" e as suas perspetivas. Discutimo-lo hoje em pormenor com o Presidente do Uganda, Yoweri Museveni. O lado russo nunca se recusou a negociar. É bem sabido que quaisquer hostilidades terminam à mesa de negociações.

Numa fase inicial da operação militar, a parte ucraniana ofereceu-se para negociar. Aceitámos. Tivemos várias rondas que conduziram a uma fase interessante. A 29 de março passado, em Istambul, o lado ucraniano entregou-nos a sua proposta de acordo. Nós apoiámo-la. Informámos os nossos colegas de Kiev, dos quais não recebemos nenhuma resposta desde então, embora, repito, tenhamos aceitado a sua proposta. Sabemos que "parceiros" como os EUA, o Reino Unido e alguns países europeus proibiram os ucranianos de fazer um acordo com a Rússia com base na proposta mencionada.

Oiça e leia não tanto o que vê em slogans, em ecrãs ou em redes sociais como o que os políticos ocidentais dizem: "a Ucrânia tem de vencer no campo de batalha neste conflito", "tem de conquistar a vitória militar", "nenhuma negociação até a Ucrânia derrotar a Rússia". Leia isto. Não fui eu a inventá-lo.

Numa entrevista que concedi há alguns dias eu disse que a Rússia não tinha preconceitos contra as negociações com a Ucrânia. Passaram-se apenas algumas horas, e um funcionário do Departamento de Estado disse: Os EUA acreditam que agora não é uma boa altura para a Ucrânia negociar com a Rússia. Faça conclusões. Pergunte aos seus colegas norte-americanos qual é a causa disso.

Outra citação. A 7 de julho, o Presidente Vladimir Putin disse, durante o seu discurso, que a Rússia não se recusa a negociar, mas aqueles que se recusam a negociar devem saber que quanto mais tempo eles ficarem sem negociar, mais difícil será para eles negociar connosco.

Pergunta (tradução do inglês): De acordo com a informação disponível, alguns países extra-Europa ainda estão a comprar petróleo russo. Se este é realmente o caso, porque é que a Rússia não pode vendê-lo a África, onde os preços dos combustíveis estão a subir todos os dias?

Serguei Lavrov: Esta é uma pergunta estranha. Diz que “se noticia”, como se a Rússia vendesse petróleo a alguns países, apesar das sanções. A sua pergunta contém a afirmação de que existem sanções e que todos têm de as observar, se bem entendi o que disse. Vendemos petróleo a qualquer país interessado. Se um país, seja a Índia, a China ou um país africano, o quiser, não há nenhuns impedimentos. Não só vendemos petróleo, como também ajudamos a desenvolver indústrias nacionais para processar hidrocarbonetos, produzir produtos petrolíferos e utilizar gás. Temos tais discussões planeadas com os nossos amigos do Uganda e pretendemos aprofundá-las.

 

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