Entrevista do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, à agência de notícias TASS, São Petersburgo, 16 de junho de 2022
Pergunta: Gostaria de começar com o tema ucraniano. Que caminho a Rússia vê para chegar a acordo? E negociações? É possível dizer que, por várias razões, nem Kiev, nem a Rússia não precisam dessas negociações?
Serguei Lavrov: A Rússia encara vias que levem a um acordo de maneira que o Presidente da FR, Vladimir Putin, tem explicado repetidamente. Nós protegemos a região de Donbass. Fomos forçados a reconhecer a independência da República Popular de Donetsk e da República Popular de Lugansk. Nos últimos oito anos após o golpe de Estado na Ucrânia, após termos cessado o sangrento conflito, assinado os acordos de Minsk, aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU, durante todos esses longos anos o regime de Kiev e o Ocidente que o patrocina e protege recusaram-se categoricamente a cumprir esses acordos, e nós não tivemos outra saída senão reconhecer a independência da RPD e da RPL.
Defenderemos a sua independência dentro do território onde eles realizaram o referendo correspondente em 2014. Este processo está em andamento. E claro, não passa sem dificuldades. A resistência dos neonazistas, criada ao longo dos anos em Kiev com a ajuda de instrutores ocidentais, é realmente feroz. Muitos deles usam todos os tipos de drogas e estupefacientes que os privam completamente da oportunidade de sentir medo. No entanto, estou convencido de que a operação está a desenvolver-se a ritmo necessário para salvar ao máximo as pessoas, para minimizar os riscos para os civis que vivem nesses territórios. O Presidente russo, Vladimir Putin, mencionou isso reiteradas vezes nos seus discursos, e eu já disse isso muitas vezes.
Logo após o início da operação militar especial, Vladimir Zelensky propôs iniciar negociações. Respondemos imediatamente. Em determinado momento, no final de março deste ano, as negociações (quando houve uma reunião em Istambul) levaram a um resultado que nos deu esperança a todos. Pela primeira vez, a equipa ucraniana expôs no papel uma posição que nos convém como base de trabalho. Alguns dias depois, eles desistiram dela. No intervalo entre esses eventos, houve uma provocação na vila de Bucha que agora o Ocidente categoricamente nem sequer deseja discutir, embora muitos factos já tenham vindo à tona provando que houve uma encenação completamente hipócrita e cínica. Desde então, a partir dos meados de abril deste ano o lado ucraniano não está a responder às propostas que lhes transmitimos com base nas suas próprias iniciativas. Reina o silêncio completo.
Agora estamos a falar da necessidade de organizar a vida nos territórios libertados. Vocês veem como os habitantes desses territórios reagem-na RPD, na RPL, na região de Kherson, em Zaporozhye e em vários outros territórios da Ucrânia. As pessoas querem estabelecer uma vida pacífica sem sentir medo constante dos neonazistas que os fizeram sofrer no decurso desses longos anos. Eles mesmos determinarão como eles deverão viver. Se a parte ucraniana mostrar compreensão de ser necessário concluir alguns acordos, estamos prontos para isso. Mas eles não demonstraram tal desejo.
Pergunta: O Conselho de Segurança da Rússia afirmou repetidamente que a Polónia está a iniciar ações para se instalar no território ucraniano. Que factos temos? A Hungria e a Roménia podem participar nestas atividades?
Serguei Lavrov: Os passaportes polacos foram distribuídos por muitos anos, inclusive na Ucrânia e em várias outras ex-repúblicas soviéticas. A Polónia anuncia que está pronta para promover uma operação de manutenção da paz no oeste da Ucrânia. A Ucrânia, durante a visita do Presidente polaco, Andrzej Duda, "sob fanfarra" adotou uma decisão na Suprema Rada parlamento que iguala os polacos em todos os direitos, exceto o direito de voto, aos ucranianos. Ninguém o considera vergonhoso. Todos esses anos, o Ocidente ficava histérico com o facto de termos decidido emitir passaportes russos para habitantes de Donbass, o Ocidente realmente fez birra e não mencionou nenhuma palavra que essa prática era usada há muito tempo também na Polónia, na Romênia. Na região de Chernivtsy, na Ucrânia, mais da metade dos habitantes tem a cidadania romena. Implementam-se programas de desenvolvimento de ligações transfronteiriças financiados por Bucareste. É aproximadamente a mesma coisa que fizemos quando ainda esperávamos a implementação dos acordos de Minsk, desenvolvendo os laços econômicos com Donbass nas condições em que Kiev declarou o bloqueio total económico, de transporte e outros contra essas duas repúblicas. A Romênia vem fazendo isso há muito tempo. Desenvolve contatos humanitários. Ninguém fala disso de forma negativa. Isso é considerado algo normal, conforme a ordem, porque esses países são membros da NATO, são pessoas respeitadas. Eles podem fazer tudo. Eles têm as suas próprias regras.
Quanto à Hungria. Eu sei que na Transcarpátia, naquelas áreas onde os húngaros vivem, eles usam a sua própria língua, ensinam este idioma. A Hungria, como um país que qualifica essas pessoas como os seus compatriotas, dá-lhes apoio, ajuda a estabelecer o ensino na sua língua húngara.
Se o regime ucraniano não tivesse lançado um ataque frontal aos russos e “às escondidas”, não tivesse tentado proibir a língua húngara e a língua romena (quando os ucranianos adotaram a lei “Sobre a Língua de Estado”, que proclamava que apenas a língua ucraniana podia ser usada não apenas em assuntos oficiais entre cidadãos e Estados, mas também na vida cotidiana), mas cumprisse à risca os acordos de Minsk, cujo significado principal é um status especial e se baseia no direito de usar a lingua materna, então nada disso teria acontecido. Estaríamos prontos para desenvolver relações no âmbito da implementação dos acordos de Minsk. Eles também recusaram. Portanto, não posso imaginar agora o destino desta Ucrânia, dada a política seguida pelo regime abertamente neonazista.
Pergunta: Quando e onde ocorrerá o tribunal internacional sobre membros das formações militares da Ucrânia? Na região de Donbass, provavelmente, já anunciaram retoricamente uma eventual participação da UE e dos EUA. O que você pensa disso?
Serguei Lavrov: Esta é uma iniciativa que partiu das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Pelo que entendi, eles estão a realizar atividades para preparar esse processo, recolhendo informações. Enviaram propostas de cooperação para as estruturas relevantes da Federação da Rússia e outros Estados. Convidaram a União Europeia e os Estados Unidos a cooperar. Estou convencido de que junto com os nossos amigos de Donbass não temos nada a esconder. Vamos ver qual será a reação. Não tenho dúvidas de que definitivamente chegarão ainda peritos estrangeiros.
Estamos prontos para realizar todas as nossas ações políticas para esclarecer determinados eventos de forma totalmente transparente. Factos terríveis foram revelados sobre em que tipo da atividade biológica e militar os EUA estavam envolvidos na Ucrânia, e não apenas os norte-americanos, incluindo os alemães. Três dezenas de laboratórios em quinze cidades da Ucrânia estavam numa fase muito avançada no que se refere ao desenvolvimento de patógenos extremamente perigosos e estavam a preparar testes em pessoas. A Duma de Estado e o Conselho da Federação criaram uma comissão especial que investigará esses factos. Convidamos representantes norte-americanos a chegarem até lá e participarem nessas audiências, especialmente porque a vice-secretária de Estado, Victoria Nuland, falando em audiências no Senado dos EUA, disse que esses laboratórios continham informações que "seria melhor não entregar aos russos". Acreditamos que uma discussão franca é necessária aqui. Da mesma forma, estaremos abertos no âmbito da preparação do julgamento, do tribunal especial para crimes de guerra na Ucrânia.
Pergunta: O Sr. Conhece bem um projeto conhecido como o Doomsday Clock (Relógio do Juízo Final). Uma pergunta simples e ao mesmo tempo difícil de responder: que horas são agora em Moscou e que horas são em Washington?
Serguei Lavrov: Sabe, agora não estou a acompanhar o dito projeto. Fiz isso no passado. Em algum momento, eram as sete para a meia-noite. Não sei onde está o ponteiro agora.
Mas se estamos a falar de Moscovo, então somos o principal autor de iniciativas e declarações feitas nas cimeiras da Rússia e dos Estados Unidos e que foram feitas em nome dos líderes dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU de que não pode haver vencedores numa guerra nuclear, portanto, tal guerra nunca deve ser desencadeada. Tal é a nossa posição. Mantemo-nos fiéis a esta linha de ação.