Ministro Serguei Lavrov faz declaração introdutória e responde a jornalistas em conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo bielorusso, Vladimir Makei Minsk, 26 de novembro de 2020
Senhoras e senhores,
Tivemos hoje uma reunião conjunta das Cúpulas Diretoras dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da Bielorrússia. Como já é tradição, a reunião decorreu num ambiente de confiança e camaradagem.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer uma vez mais aos nossos amigos bielorussos a sua tradicional hospitalidade, cordialidade e excelente organização do trabalho. Valorizamos estas reuniões anuais das cúpulas diretoras dos dois ministérios. Elas permitem discutir detalhadamente as questões internacionais mais prementes em que os interesses dos nossos países estão presentes e precisam de ser promovidos.
Apesar da difícil situação epidemiológica, tivemos uma reunião presencial e a possibilidade de conversar cara a cara. A nossa ordem de trabalhos teve quatro pontos: as relações dos nossos dois países com a União Europeia; a participação em operações de manutenção da paz das Nações Unidas (perspetivas da participação da OTSC nas operações de paz da ONU); os trabalhos conjuntos na UEE para a criação de uma Grande Parceria Eurasiática; a segurança internacional da informação.
Alcançámos acordos concretos sobre todos estes assuntos. Eles estão refletidos na Resolução que assinámos. Também assinámos o Plano de Consultas entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia e o Ministério dos Negócios Estrangeiros da República da Bielorrússia para 2021. Falámos hoje de uma cooperação mais ampla nas estruturas internacionais, incluindo a CEI, OTSC, UEE, ONU, OSCE.
Os nossos colegas bielorrussos e nós lamentámos constatar que os nossos parceiros ocidentais encabeçados pelos Estados Unidos continuam a persistir na promoção dos seus interesses estritamente egoístas para preservar a sua hegemonia no cenário internacional. Utilizam, para o efeito, o conceito de "ordem mundial baseada em regras", contrapondo-o às normas universalmente reconhecidas do direito internacional e à Carta das Nações Unidas.
Estamos preocupados com as tentativas dos países ocidentais de estabelecer o controlo sobre as organizações internacionais e, até mesmo, privatizar os seus secretariados. Quando malogram, procuram substituir o trabalho coletivo em formatos universais por reuniões isoladas de pequenos grupos de países onde todos aqueles que concordam com a política ocidental tomam decisões que, depois, são apresentadas como multilaterais e vinculativas. É pouco provável que alguém consiga obrigar-nos a viver sob estas regras. A maioria esmagadora dos países do mundo é fiel ao velho princípio, testado pelo tempo, do respeito pelo direito internacional, sobretudo pela Carta das Nações Unidas.
Assinalámos haver muitas provas da grosseira interferência dos EUA e daqueles que vão na esteira da sua política (quero dizer alguns países europeus) nos assuntos internos de países soberanos, utilizando métodos sujos de "revoluções de cor", entre os quais a manipulação da opinião pública, criando e apoiando as forças antigovernamentais e fomentando a sua radicalização. Podemos ver como estes métodos são aplicados em relação à República da Bielorrússia. Hoje falámos detalhadamente sobre este o assunto tanto com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Bielorrússia, Vladimir Makei, como com o Presidente da República da Bielorrússia, Aleksandr Lukachenko, que nos havia recebido antes da reunião.
Fomos detalhadamente informados sobre a atual situação na Bielorrússia. Não somos indiferentes a isso. A República da Bielorrússia é o nosso aliado e parceiro estratégico e uma nação irmã. Estamos interessados em fazer com que a situação nesse país seja calma e estável. A contribuir para isso está a reforma constitucional iniciada pelo governo bielorrusso como importante etapa de transformações políticas, económicas e judiciárias.
Acreditamos que o povo bielorrusso é sábio e age sempre de forma ponderada, é capaz de lidar com os seus problemas sem quaisquer dicas externas ou propostas de mediação não solicitada.
Obviamente, estão a ser feitas tentativas para impedir que a situação volte ao normal. Há muitos exemplos disto: as tentativas de radicalizar os protestos, os apelos à sabotagem e à alta traição vindos do estrangeiro.
Hoje, analisámos mais uma vez todo o espectro das nossas relações, as vias da defesa dos interesses de cada um dos nossos países e dos interesses da União Rússia-Bielorrússia.
Gostaria de salientar mais uma vez a nossa satisfação com o trabalho realizado. Iremos levar à prática tudo o que acordámos hoje.
Pergunta (a ambos os Ministros): A 18 de novembro, o seu colega alemão, Heiko Maas, acusou as autoridades da Bielorrússia de terem reprimido os protestos pacíficos. Ele também apelou a utilizar os instrumentos do Conselho da Europa para monitorar a situação inclusive naqueles países europeus que não querem aderir-se à organização. Como os senhores comentariam isso?
Ministro Serguei Lavrov (responde depois de Vladimir Makei): Prestamos atenção às circunstâncias que acompanharam a adesão da Europa na qualidade de Presidente do Comité dos Ministros do Conselho da Europa (CMCE). O Ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Heiko Maas, fez, primeiro, a sua intervenção em sessão à porta fechada do CMCE, participando na conferência de imprensa depois. Ele discursou fora do padrão para uma presidência neste órgão europeu, já que a tarefa principal do Conselho da Europa, inscrita nos seus Estatutos, é a promoção e o fomento da unidade de todos os países europeus. Um Presidente, especialmente do Conselho da Europa, deve, por definição, apoiar-se naqueles princípios do seu futuro trabalho que prometam promover a união e não fomentar o confronto no trabalho.
Não é nenhum segredo que na sessão do CMCE antes da conferência de imprensa mencionada, Heiko Maas apresentou o seu programa para os próximos seis meses em uma vertente política e tonalidade não aceitável, de maneira grosseira e pouco diplomática. Teve muitas declarações russófobas. Não só houve pretensões a respeito da República da Bielorrússia, mas ainda acusações infundadas russófobas sobre a Crimeia, a Abkházia, a Ossétia do Sul, a Transnístria, o Sudeste da Ucrânia. Ele comentou de maneira bastante estranha também o acordo sobre Nagorno-Karabakh.
Na conferência de imprensa, Heiko Maas apelava a todos a “respeitarem a ordem mundial baseada em regras”. Os nossos colegas ocidentais estão categóricos em não tencionar, nem querer respeitar o direito internacional. Com efeito, ele declarou que os princípios do Conselho da Europa devem ser impostos através de instrumentos respetivos, inclusive aos países que não fazem parte do Conselho da Europa. Considero isso absolutamente inaceitável. É estranho que, de todos os países, foi a Alemanha que decidiu recentemente ser a locomotora de abordagens bastante agressivas em relação aos Estados que não fazem parte da NATO e da União Europeia.
Para sermos objetivos atentando aos duplos padrões, nem Heiko Maas, nem outros representantes dos países estrangeiros, nem as estruturas da ONU que se ocupam de direitos humanos, não pronunciaram nem sequer uma palavra sobre os incidentes bastante graves que aconteciam em França e na Alemanha. Em França, houve manifestações dos “coletes amarelos”, na Alemanha, ações de protesto contra as restrições adotadas em virtude da Covid-19, como em vários outros países, inclusive na Polónia, onde houve protestos contra a proibição de abortos. Eram dispersados de maneira muito dura.
As estruturas internacionais, inclusive o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, guardaram silêncio. Os próprios defensores dos direitos humanos franceses comentavam a situação dos “coletes amarelos” de maneira muito diferente da que costumam usar para com a Rússia ou a Bielorrússia, recorrendo a apelos cautelosos para superar as divergências. Mas depois, os “coletes amarelos” começaram a ser alvo de uma represália dura por parte da polícia. Os defensores dos direitos humanos franceses calcularam que quase 15 mil balas de borracha alvejaram os manifestantes, dos quais 2,5 mil foram feridos, e 12 mil detidos, 2 mil deles sendo condenados à prisão efetiva. Ninguém fala disso. Isso é normal, porque são “os seus”. É necessário abandonarem esta prática, especialmente aqueles que passam a chefiar o Conselho da Europa.
Há cerca de um mês, a Secretária Geral do Conselho da Europa, Marija Pejcinovic-Buric perguntou em Moscovo como avaliávamos os acontecimentos na República da Bielorrússia. Ao obter as respostas às suas perguntas, perguntou se havia a possibilidade para o Conselho da Europa de contribuir para a normalização da situação. Ela sublinhou então que isso só era possível em caso de a própria República da Bielorrússia pedir. Mas, como se vê, a presidência alemã tem outros planos neste sentido. Isso é triste.
Vamos insistir que o Conselho da Europa, especialmente com a presidência alemã, não se esqueça de assuntos que o Ocidente tenta “encobrir”. É a discriminação dos habitantes russófonos dos países do Báltico, o fenómeno indignante de “não-cidadania”, as ditas “reformas” na área da educação e da língua na Ucrânia que discriminam uma única língua, a russa, à diferença das línguas de outras minorias nacionais por pertencerem aos idiomas da União Europeia. Não vamos resignar-nos com o facto de o Conselho da Europa (ou alguns membros dele) estarem a tentar silenciar os factos de repressão premeditada dos representantes dos media russos, sem falar da glorificação do nazismo. A presidência alemã deve lembrar-se disso também e não deve levar o Conselho da Europa para os assuntos confortáveis para o Ocidente que justifiquem a sua posição, ignorando os problemas que se tornaram crónicos para os nossos colegas ocidentais.
Pergunta: Como o senhor avalia as perspetivas de celebrar novos tratados sobre a estabilidade estratégica com a nova administração dos EUA? No ano passado, o Presidente dos EUA, Donald Trump, falou de um novo documento trilateral com a participação da Rússia, dos EUA e da China. O que vai ser agora?
Ministro Serguei Lavrov: É uma história de longa data. Com efeito, a administração de Donald Trump estava obcecada (não posso dizer de outro jeito) pelo envolvimento da República Popular da China nas negociações sobre o desarmamento. No início, diziam que era preciso incluir a China no Tratado bilateral ainda vigente entre a Federação da Rússia e os Estados Unidos da América sobre Redução das Forças Estratégicas (START), ainda que isso seja impossível por definição. Depois, sugeriam criar um novo tratado sem prolongar o ato vigente por ter ficado obsoleto, por ser bilateral, já que eles alegadamente gostariam de dar um passo rumo ao desarmamento e controlo dos armamentos multilateral. A sua postura seguia uma trajetória muito caótica. Afinal, adotaram a proposta de prolongar o Tratado para um ano, mas com a condição de calcularmos reciprocamente todas as ogivas e introduzirmos turmas de supervisão à entrada das empresas técnico-militares. Contabilizar as ogivas ignorando os portadores, as novas tecnologias que afetam diretamente a estabilidade estratégica é pouco sério e pouco profissional.
Há já muito – no início deste ano – entregámos aos colegas norte-americanos as nossas propostas de estruturação do diálogo ulterior na área do controlo dos armamentos e não proliferação. Eles acabaram por resistir e defender a sua posição: as ogivas e – o ponto final, paragrafo. Há muito que estão interessados em armamentos nucleares táticos russos, daí este interesse às ogivas e a omissão factual do resto da matéria. Já nós respondemos que estávamos prontos a falar dos armamentos nucleares não estratégicos, inclusive, das ogivas, quando os norte-americanos retirassem as suas armas táticas do território dos países europeus. Na Europa, há armazéns destas armas em cinco países da NATO. E as estruturas da NATO organizam treinamentos com suposto uso de armas nucleares com a participação de militares de Estados não nucleares. Isso é uma violação grosseira do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP).
Quanto à República Popular da China, nós já dizíamos muitas vezes, através do Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, que não estaremos nada contra, mas é a China que deverá decidir. A China tem reiteradas vezes declarado em público não tencionar aderir-se às negociações com a Rússia e os EUA, alegando que o seu arsenal nuclear é muito inferior aos arsenais de Moscovo e de Washington. Nós respeitamos esta posição. Se e quando os EUA convencerem a China a aderir-se às negociações multilaterais, não teremos nada contra. Estamos prontos para participar nelas, se a China consentir voluntariamente. Mas não queremos persuadir Pequim para cumprir um capricho dos norte-americanos. Porém, quando for criado um formato multilateral nos assuntos do desarmamento, nas negociações sobre o controlo dos armamentos, começaremos a insistir que os franceses e os ingleses se adiram a ele.
Quando dissemos isso aos norte-americanos, puseram-se a falar que se trata dos seus aliados que merecem a sua confiança. E precisamente por serem aliados dos EUA é que queremos vê-los à mesa das negociações, se as mesmas forem multilaterais. A política absolutamente hostil para com a Federação da Rússia, inscrita nos documentos da doutrina de Washington não pode senão gerar perguntas sobre os motivos dos aliados dos EUA, seja na Europa ou na Ásia. Ao entrarem em aliança com um país que nos proclama um Estado adversário, devemos fazer conclusões inclusive em relação a estes aliados.
Não vejo nenhum jeito que se pode dar para negociar seriamente com a administração de Donald Trump sobre qualquer coisa que diz respeito ao processo do controlo de armamentos. Não sabemos qual será a nova administração a ocupar a Casa Branca, que premissas vai seguir. Os resultados oficiais ainda não foram anunciados, mas se compreende já que está em curso a transferência do poder, o estudo dos materiais. Vamos ver que avaliações se formarão nas cabeças dos que irão formar a política dos EUA na área de estabilidade estratégica.
Pergunta (a ambos os Ministros): No mundo inteiro tem aumentado o número de manifestações de protesto civil sobre diferentes assuntos, inclusive os políticos. A reação da polícia é a mesma por todas as partes, inclusive o uso da força e de meios especiais. Tais acontecimentos na Bielorrússia merecem atenção especial por parte dos políticos estrangeiros. A seu ver, a que se deve isso?
Ministro Serguei Lavrov: Eu já citei exemplo de como os protestos são reprimidos em França. Estes números graves não é algo que se gosta de mostrar ao público amplo. As organizações de defesa dos direitos humanos do sistema da ONU, os numerosos oradores sobre os direitos humanos tentam fazer tudo para evitar todos os assuntos incómodos para os representantes ocidentais.
Falando dos protestos em Paris, agora está a surgir uma potente onda contra o projeto de lei sobre a segurança global, que prevê a proibição de fotografar, de gravar em vídeo e de identificar os defensores dos direitos humanos de outra maneira. Imagino o escândalo que seria montado se isso acontecesse na Rússia ou na República da Bielorrússia. A sociedade francesa, as organizações de defesa dos direitos humanos francesas preocupam-se com este assunto, porém não vemos reação por parte das estruturas internacionais. Quando havia protestos contra o projeto de lei, usavam-se canhões de água e granadas de atordoamento. Os manifestantes também faziam provocações, usando varas e jogando pedras. Um polícia foi ferido. Repito, tudo isso não impede o Ocidente a ensinar moral a quem não seja o seu aliado.
A votação na Rússia e na Bielorrússia é examinada detalhadamente. Quando uma história semelhante acontece nos EUA, afirma-se que isso “é normal, é democracia, tudo está bom”. Porém, os centros analíticos de respeito, de renome nos próprios EUA já estão a escrever diretamente que “o sistema eleitoral dos EUA está a arruinar-se”. Por dizer o menor, não corresponde aos princípios da democracia e do Estado de direito. É o que escrevem, mas os nossos parceiros internacionais preferem ignorar isso para concentrar-se nos países cujos “regimes” não os satisfazem.
Quando os oradores da ONU, o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, descrevem os confrontos severos nas capitais ocidentais, apelam a todos a buscar a solução através do diálogo. Ao criticar-nos ou a Bielorrússia, exigem mudar o sistema. Isso é visto a olho nu. Nós já não temos ilusões a respeito dos padrões que o Ocidente promove e da sua hipocrisia. Vamos lutar, defender o nosso ponto de vista nos órgãos da ONU, onde estas questões devem ser consideradas. Não nos permitiremos esquecer os vícios que a sociedade ocidental está a demonstrar.
Pergunta (a ambos os Ministros): Como os senhores comentariam a última entrevista de Pavel Latushko, na qual ele alega a possibilidade de contatos informais com Moscovo?
Ministro Serguei Lavrov: A porta-voz do MNE da FR, Maria Zakharova, acaba de me expor uma parte da entrevista citada. Ele não só se limita a falar de uma hipótese de contactos não oficiais com Moscovo, mas, ainda por cima, afirma existirem tais, sendo já alegadamente coordenados. Anuncia, sem escrúpulos, que não pode adiantar nomes, mas que se trata de “contactos a um nível bem alto”. Está a fazer especulações para saber se eu teria direito de comunicar tudo isso aos meus colegas bielorrussos. Serei breve: é uma mentira cabal, o que, uma vez mais, vem caraterizar aqueles que procuram alimentar-se “de pães forasteiros” e fazer uma carreira dúbia.
ro Serguei Lavrov: A porta-voz do MNE da Rússia, Maria Zakharova, acaba de mostrar-me uma parte desta entrevista. Ele não somente alega a possibilidade de contatos não oficiais com Moscovo, senão afirma que estão a manter-se e são coordenados. Declara descaradamente que não pode dizer os nomes, mas “os contatos estão ao nível bastante alto”. Especula se eu seria permitido a comunicar isso aos amigos bielorrussos. A minha resposta será breve: é mentira total, o que vem caraterizar mais aqueles que tentam fazer uma carreira duvidosa “com aliment estrangeiro”.