Discurso e respostas a perguntas de jornalistas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia, Seguei Lavrov, em coletiva de imprensa após visita efetuada aos EUA, Washington, 10 de dezembro de 2019
Estamos terminando nossa visita aos EUA, realizada a convite do Secretário de Estado, Mike Pompeo. Além das negociações com o senhor Pompeo e a sua equipe, que terminou com uma coletiva no Departamento de Estado, mantemos um encontro na Casa Branca com o Presidente dos EUA, Donald Trump, que, a meu ver, aconteceu em uma atmosfera de compreensão mútua, principalmente no que toca à responsabilidade da Rússia e dos EUA pela situação mundial.
Constatamos a existência de todo um leque de problemas sérios que temos de enfrentar e resolver. Compreendemos a particularidade da situação atual, as circunstâncias da política interna nos EUA, mas ambas as partes estão dispostas para fazer mais a fim de obter resultados concretos nas áreas onde é possível cooperar em prol da vantagem mútua e resultados.
Prestamos atenção especial à estabilidade estratégica, à segurança global, à situação na área do controle de armamentos e da não proliferação. A situação é bastante grave. Só resta apenas um acordo vigente entre a Rússia e os EUA, a saber, o Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START III). Nós repetimos a nossa proposta de prolongá-lo ar. E acreditamos ser importante tomar a respectiva decisão quanto antes - o melhor seria até ao fim do ano corrente, como recentemente propôs o Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin.
Claro que levamos em conta a situação com o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio. Lembramos da proposta de Vladimir Putin de introduzir uma moratória recíproca prevendo criar e instalar armamentos que este Tratado proíbe. Estaremos disponíveis para discutir este assunto com os colegas estadundenses desde que eles manifestem interesse. Se não houver interesse, nada poderemos fazer. Vladimir Putin já sublinhou que a nossa segurança tem garantia certa. Mas compreendemos a nossa responsabilidade por guardar e fortalecer certas ferramentas na área de desarmamento, de controle de armamentos e sua proliferação. Por iniciativa nossa, a Assembleia Geral da ONU adotou por 174 votos a resolução sobre a necessidade de guardar e fortalecer tais ferramentas. Ninguém votou contra. Todos os países ocidentais votaram a favor, inclusive os EUA. Isso incute a esperança, por pequena que seja, que Washington ainda compreende ser inaceitável destruir todo esse sistema.
Há possibilidade de prosseguir a cooperação frutífera num vasto espectro de outras áreas, tanto para o bem das nossas relações, quanto para o da estabilidade internacional. Isso diz respeito aos diálogos que continuam, aos mecanismos que funcionam em relação à Síria, ao Afeganistão, ao problema nuclear da península da Coreia.
Falamos hoje sobre a necessidade de dar certos passos para evitar o agravamento da crise no Golfo Pérsico e também para resolver problemas criados por causa da saída unilateral dos EUA do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, pela sigla em inglês) para o programa nuclear iraniano.
Falamos também sobre as perspectivas da cooperação econômica. O volume do comércio mútuo neste ano vai crescer mais ou menos 25% desde 2016. Compreendemos que mesmo que este crescimento se verifica num ambiente de sanções, mas isso, contudo, não constitui um limite para os nossos potenciais. Os círculos de negócios de ambos os lados estão interessados no desenvolvimento da cooperação mútua.
Pergunta: O senhor conseguiu convidar mais uma vez o Presidente dos EUA a Moscou para o aniversário do Dia da Vitória? Ele respondeu algo? Foi examinada hipótese de um encontro de pleno formato entre os Presidentes da Rússia e dos EUA?
Serguei Lavrov: O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, convidou o Presidente dos EUA, Donald Trump, para as solenidades dedicadas ao Dia da Vitória em 9 de maio de 2020 em Moscou durante o seu encontro no Japão no âmbito da cúpula do Grupo dos Vinte (G20) em junho do ano corrente. Hoje, por encargo do Presidente Putin, eu confirmei este convite. Donald Trump está considerando-o.
Se houver tal possibilidade, claro que poderemos organizar conversações bilaterais abrangentes.
Pergunta: Ontem, o Congresso dos EUA aprovou o projeto de orçamento militar, que prevê sanções contra os gasodutos Nord Stream 2 e Turkish Stream. Os senhores discutiram estes assuntos? Se houver restrições — e o Congresso parece disposto a adotá-las - como isso poderá afetar a continuação da construção destes projetos nossos?
Serguei Lavrov: Acho que o Congresso está almejando fazer tudo para destruir as nossas relações. Continua a linha de ação iniciada pela administração de Barack Obama. Eu já disse que estamos acostumados a ataques desta índole. Sabemos como reagir. Asseguro-lhe que nem o North Stream 2, nem o Turkish Stream vão parar.
Pergunta: O senhor teve hoje a oportunidade de conversar com Mike Pompeo e Donald Trump. Diga se Donald Trump se queixou- ao senhor (pode ser em conversa privada) dos Democratas que lançaram o processo de impeachment? O senhor acredita ser uma mera coincidência que Donald Trump o recebeu na Casa Branca hoje, precisamente quando os Democratas lançaram uma nova etapa de destituição?
Serguei Lavrov: A respeito da primeira pergunta, eu já mencionei os temas que discutimos. Eu falei também no meu discurso que não tratamos de outros assuntos. Já a respeito das sessões do Congresso, eu não me interessei por seu horário. O senhor acredita que eles convocaram uma sessão ao saber que eu iria chegar hoje?
Pergunta: Durante a discussão da situação na Síria com os senhores Trump e Pompeo, o senhor ministro propôs alguma nova postura nova que seria favorável à regulação política nesse país?
Serguei Lavrov: Discutimos com Mike Pompeo os problemas na Síria. Temos uma postura comum que voltamos a confirmar hoje: não há solução militar, é preciso promover diálogo nacional inclusivo, usando para isso, antes de tudo, o processo político no âmbito do Comitê Constitucional que começou a funcionar em Genebra, tentando atrair a este processo político os curdos, facilitando os seus contatos (disso nós estamos convencidos) com o governo central da Síria. Falamos com eles no assunto, demonstrando ser essa a única via certa de garantir os interesses dos curdos e de outros grupos étnicos e religiosos na Síria. Temos um canal de diálogo com os EUA para os assuntos sírios entre os órgãos militares no âmbito do deconflicting (gestão de conflitos). Há contatos entre as chancelarias.
Pergunta: Como o senhor estima os acontecimentos no Líbano e no Iraque?
Serguei Lavrov: A nossa posição é essa: é possível superar as crises atuais nesses países somente através do diálogo nacional com a participação de todos os grupos políticos, étnicos e religiosos. No Líbano, respeitando os princípios fundamentais da Constituição libanesa. Acreditamos que isso tem importância vital. É imprescindível não permitir que um grupo étnico não tenha acesso a estes processos, inclusive sob o pretexto da necessidade de formar certos órgãos técnicos do poder. Isso iria constituir uma violação grave das tradições que permitiam à sociedade libanesa de conservar a sua integridade e garantir a soberania do seu país.
Estamos solidários com o governo do Iraque, que se vê obrigado a combater os restos dos grupos terroristas, ao mesmo tempo tentando consolidar a sociedade na mesma base interétnica e interconfissional com a participação tanto de xiítas, quanto de sunitas, respeitando o papel do Curdistão no Estado iraquiano. Eu estive recentemente no Iraque, visitei Bagdá e Arbil. Manifestamos a nossa solidariedade pelos esforços da administração iraquiana neste sentido.
Espero que nos caso libanês e iraquiano não haja intervenção destrutiva de forças externas e que todos os atores externos incitem os libaneses e os iraquianos para alcançarem o consenso a nível nacional. Só desta maneira é possível estabilizar estes países e a região em geral.
Pergunta: Na coletiva com o senhor, Mike Pompeo realçou que, apesar de todas as divergências, os EUA estariam dispostos a ampliar a cooperação na área do combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. O senhor poderia comentar os detalhes desta parte da discussão? Houve um acordo de retomar o funcionamento regular do grupo de trabalho bilateral para combate ao terrorismo e outras formas de cooperação dos órgãos de proteção da ordem pública dos dois países?
Serguei Lavrov: Durante o seu encontro em meados do ano passado, os Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Donald Trump, apoiaram a nossa proposta de reforçar a cooperação no âmbito do combate ao terrorismo. Ocupava-se disso um grupo de trabalho na administração de Barack Obama. Depois, no auge das decisões antirrussas tomadas pelos EUA, o funcionamento deste grupo ficou suspenso, junto com nossos contatos em outras áreas. No ano corrente, por decisão dos Presidentes Putin e Trump, retomamos o diálogo neste formato — o de consultas regulares a nível de Vice-Chanceler e Vice-Secretário de Estado. Da nossa parte, as consultas são conduzidas por Oleg Syromolotov, e seu parceiro estadundense era John Sullivan, que está terminando os procedimentos formais antes de partir para a Rússia na qualidade de Embaixador. Espero que o novo chefe da delegação dos EUA seja nomeado rapidamente. A propósito, as delegações nossa e estadundense são interministeriais, representando tanto a diplomatas, militares e serviços e agências cuja tarefa direta é lutar contra a ameaça terrorista. É um mecanismo muito útil que permite uma aproximação multilateral à união dos nossos esforços nesta área muito importante.
Pergunta: Parece que não houve muito êxito nas negociações com os EUA de prolongar o prazo de vigência do START III. O senhor não comentou a ideia de que Moscou poderia aceitar prolongamento do START III para um prazo menor de cinco anos. O senhor propunha isso durante os encontros com Mike Pompeo e Donald Trump? A resposta foi positiva?
Serguei Lavrov: Nós propomos a Washington qualquer opção de prolongar o START III. A minha resposta é curta assim: abrange o sentido da nossa discussão.
Pergunta: Que sanções contra a Coreia do Norte precisam ser revogadas para a retomada das negociações entre Pyongyang e Washington?
Serguei Lavrov: Nós consideramos que já são suficientes as sanções contra a Coreia do Norte. Talvez ainda mais que suficientes, se levarmos em conta as sanções unilaterais impostas além das decisões do Conselho de Segurança da ONU. Acreditamos que é preciso ser flexíveis, já que de cada resolução do Conselho de Segurança da ONU a respeito das sanções constatava também a necessidade do processo político. Além disso, há assuntos humanitários que o regime de sanções existente de certa maneira afeta.
Há um exemplo que discuti hoje com Mike Pompeo, e ele me prometeu estudar esta situação. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com a sede em Roma, tinha um projeto de fornecer ajuda humanitária à Coreia do Norte de maneira absolutamente legal e transparente. A nomenclatura desta ajuda não violava proibições introduzidas pelo Conselho de Segurança da ONU, sem afetar tampouco as sanções unilaterais introduzidas pelos EUA. Mas as tentativas da FAO empreendidas no sentido de encontrar um fornecedor e alguém quem iria transportar essa ajuda para a Coreia do Norte, viraram um grave problema, posto que todos têm medo de aceitar esta operação, que nada e ninguém proíbe. Era, então, necessário justificar esta recusa à “espada de Dâmocles”. Os nossos colegas estadundenses compreendem o problema. Espero que também compreendam a necessidade de estimular a Coreia do Norte à cooperação através de certos passos favoráveis para Pyongyang em resposta ao que já fez ao suspender por um largo tempo os testes, sem ainda obter nenhuma reação positiva. Promoveremos um plano de ação elaborado pela Rússia em conjunto com a China, que leva em conta os comentários da parte estadundense e da República da Coreia. Esperamos que este plano de ação permita às partes retomar as negociações diretas e não fazer ultimátuns.
Já falei e vou repetir agora: não é real esperar que a Coreia do Norte faça tudo o que os estadundenses querem, que termine a desnuclearização para depois obter alguma vantagem no sentido da melhora da situação econômica, do levantamento das sanções e de garantias de segurança. O termo usado por colegas estadundenses, “a desnuclearização da Coreia do Norte”, não é correto e certo, já que todos os acordos tratam da desnuclearização da Península da Coreia. Vocês compreendem que são coisas diferentes. Continuaremos incitando as partes à retomada do diálogo, mas para isso é preciso garantir certos passos em resposta às ações que a Coreia do Norte já tomou.
Pergunta: Mike Pompeo disse hoje que a Casa Branca está pronta para fazer, no futuro mais próximo, uma importante declaração sobre a cooperação econômica com a Rússia. O senhor sabe de que se trata? Houve discussões sobre este assunto?
Serguei Lavrov: Hoje discutimos progressos no exame do acordo dos Presidentes de nossos países, alcançado no ano passado em Helsinque por proposta de Vladimir Putin. Estou falando da criação do Conselho Consultivo de Negócios, que seria composto de líderes do empreendedorismo privado – sete-dez pessoas de cada parte, com o apoio de Moscou e Washington e que iria criar acordos pragmáticos, que visam vantagens mútuas em projetos econômicos e de desenvolvimento. Nossos colegas afirmaram apoiar esta ideia. Por encargo de Donald Trump, estão preparando uma reação concreta. Talvez Mike Pompeo tenha falado disso.
Pergunta: O senhor já tem seguido a política de Donald Trump no posto de Presidente dos EUA durante três anos. Acredita que ele é um parceiro seguro da Rússia, que faz aquilo que vocês querem e aquilo que ele mesmo prometeu fazer?
Serguei Lavrov: Julgar a atividade do Presidente dos EUA, Donald Trump, compete ao povo dos EUA. No que toca às relações com a Federação da Rússia, não temos nenhuma razão para duvidar de que Donald Trump compreenda a vantagem das boas relações entre a Federação da Rússia e os EUA para habitantes do seu país, para circulos empresariais, para os EUA em geral e para a situação mundial. Das relações que não devem implicar “serviços” a alguém, mas que devem se apoiar no equilíbrio dos interesses, no pragmatismo e na vantagem mútua. Esta é a nossa impressão sobre o Presidente dos EUA, Donald Trump. Todos sabemos que nem todos nos EUA partilham do seu espírito, tentando frear a normalização das nossas relações, introduzindo mais e mais sanções contra nós. Eu ouvi que um senador do Partido Democrata, Robert Menendez, exige sanções pelo fato de que o povo russo teria sofrido de oligarcas. É uma novidade legislativa bastante interessante. Reitero, não duvidamos da sinceridade do Presidente dos EUA, Donald Trump, e da sua compreensão da vantagem para os EUA das relaçoes normais com a Rússia.
Pergunta: Levando em conta o impeachment e a pressão exercida sobre as relações entre os EUA e a Ucrânia, a Rússia obtém uma alavanca de influência no seu diálogo com a Ucrânia para pôr fim ao confronto entre os dois países?
Serguei Lavrov: Não compreendi o que é que teríamos a ver com as relações entre os EUA e a Ucrânia e que alavanca de pressão poderia ser aplicável aqui. São relações entre dois Estados soberanos. Consideramos eles como tais.
Pergunta: As negociações em Washington deram-lhe uma esperança de prolongar o START III maior daquela que o senhor tinha no momento da chegada? Em que momento, segundo o senhor, vai ser atingido o ponto de não retorno, quando já será tarde para prolongar o Tratado?
Serguei Lavrov: Esta data é 5 de fevereiro de 2021. Antes deste momento, tudo está nas nossas mãos e nas dos EUA. Nossas propostas estão em cima de mesa. Fomos ouvidos, compreendo isso. Agora é a vez de Washington de decidir.
Pergunta: A Casa Branca emitiu comunicado sobre seu encontro com Donald Trump dizendo que o Presidente estadundense advertiu a Rússia contra a interferência nas eleições nos EUA e também apelou à solução mais rápida do conflito com a Ucrânia. Os senhores discutiram estes assuntos? Poderia comentar esta discussão em detalhe?
Serguei Lavrov: Não discutimos as eleições. A respeito da Ucrânia, contei a Donald Trump e a Mike Pompeo as minhas impressões da cúpula do “quarteto de Normandia” de ontem em Paris. Estas impressões têm por base o documento final da cúpula, divulgada inclusive pela mídia.
Pergunta: Como o senhor avalia a atitude dos EUA para com a situação na Síria? Será que a administração de Trump aceitaria que o regime de Bashar Assad continue? Houve críticas da postura russa na questão da Síria, dos bombardeios russos de Idlib? Foi discutida a possibilidade de abrir uma Embaixada dos EUA em Damasco? Com que olhos, a seu ver, os EUA encaram o regime de Bashar Assad?
Serguei Lavrov: Como os EUA encaram as autoridades legítimas da Sìria, é melhor perguntar ao governo dos EUA. Pelo menos, o apoio prestado pelos EUA – apesar de um certo atraso – ao funcionamento do Comitê Constitucional na Síria (que, como vocês sabem, consiste de três partes: uma representa os interesses do governo, outra representa os da oposição, e a terceira é formada por representantes da sociedade civil) diz que os EUA observam e aceitam a realidade síria. E essa realidade é precisamente o fundamento do Comitê Constitucional. Eu ouvi hoje que Mike Pompeo está interessado em que o Comitê alcance resultados em seu trabalho sobre a reforma constitucional, conforme é previsto pela resolução do Conselho de Segurança da ONU.
A respeito de Idlib, eu próprio disse a Mike Pompeo que essa cidade se tornou um viveiro de terroristas. Lamentavelmente, os nossos colegas turcos ainda não conseguem cumprir a sua obrigação de separar a oposição armada, que não realizou nenhum ato de terrorismo, da Frente al-Nusra, que agora se transformou em Hayat Tahrir al-Sham, conforme eles decidiram fazer em setembro do ano passado. Compreendemos que isso é bem complicado. Há um tempo, a administração de Barack Obama assegurava que eles iriam separar os militantes disponíveis para o diálogo político dos terroristas da Frente al-Nusra. Esta promessa nunca se materializou: a administração de Barack Obama não conseguiu fazer isso. Ainda então duvidamos da atitude de Washington para com a Frente al-Nusra, suspeitávamos que esse grupo podesse ser protegido para ser depois usado contra o governo legítimo de Bashar Assad. Fosse como fosse, diferentemente do “Estado Islâmico”, que sofreu graves baixas e existe agora em forma de grupos fragmentados, a Frente al-Nusra tomou o controle da zona de desescalada em Idlib e ataca desde lá as posições das forças sírias, elementos da infraestrutura civil e a base aérea russa em Hmeymim. Respondemos a cada ataque do género. Claro que não se pode eternizar esta situação. A situação deve ser resolvida através de libertação completa desta zona de terroristas e da restauração do controle do governo legítimo sobre este território. É um fato preocupante que os terroristas que escondem-se nesta zona se espalhem pela região – inclusive há um número crescente deles na Líbia, onde colocam lenha no fogo dos combates que impossibilitam a retomada do diálogo político.
Discutimos em detalhe a situação na Síria e também os acontecimentos no lado oriental do rio Eufrates – lá, os EUA, que encabeçam aquela coalizão sua que ninguém convidou para a Síria, ocupam-se ativamente da vida da população local, apoiando-se nas formações curdas e em vários casos provocando confrontos entre os curdos e as tribos árabes cujas terras tradicionais os curdos às vezes querem fazer suas. Propomos aos EUA resolver os problemas da faixa oriental através da aceitação da soberania e da integridade territorial da Síria, conforme a resolução do Conselho de Segurança da ONU que Washington aprovou com o seu voto a favor.
Pergunta: Poucas horas depois do seu encontro com Donald Trump, os jornalistas e políticos estadundenses se põem a criticar o formato: encontro à porta fechada, sem jornalistas. O chefe do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, Adam Schiff, apelidou o encontro de “um êxito da propaganda russa”. O senhor sente algum êxito?
Serguei Lavrov: Antes de tudo, não houve jornalistas nem dos EUA, nem da Rússia, nem outros. Se Adam Schiff qualifica assim coisas tão elementares para qualquer outro país como contatos a nível de chanceleres e o fato de o Presidente do país anfitrião receber um chanceler, se ele o chama de “triunfo da diplomacia russa”, talvez nossos diplomatas serão os próximos, depois dos esportistas, a serem acusados de dopagem e a levados à justiça criminal. É evidente para mim e estou convencido que para toda pessoa razoável que esta postura de Adam Schiff é absurda.
Pergunta: A última vez que o senhor esteve em visita aos EUA, o Presidente dos EUA compartilhou com o senhor informações secretas. Que itens da sua discussão de hoje poderiam ser qualificados como informações secretas?
Serguei Lavrov: Só saberei a resposta à sua segunda pergunta após a leitura de um artigo seu que vai escrever. No que toca ao meu primeiro encontro com Donald Trump, ninguém compartilhava informações secretas ou confidenciais, falou-se disso muitas vezes já. Se alguém acha que não é assim, gostaríamos de saber de que informação se trata nessa história, que já está passando para uma dimensão surreal.
Eu não sei o que o senhor qualifica de uma informação secreta. Falamos em coisas que eu relatei de maneira sincera, quase literal. Pense. Se encontrar segredo lá, pode fazer matéria sensacional.
Pergunta: No Reino Unido, está começando um escândalo ligado à publicação de um dossiê que contém detalhes das negociações entre Londres e Washington a respeito do sistema nacional da saúde. Alguns políticos, entre eles Jeremy Corbyn, já acusaram a Rússia, afirmando que a publicação desta coletânea faz parte da ingerência russa nas eleições britânicas. Como o senhor comentaria isso?
Serguei Lavrov: Não ouvi disso, mas não estou preocupado. Sobre este concreto aspecto “da saúde” da nossa suposta ingerência nas relações entre os EUA e o Reino Unido, não ouvi nada. Ouvi que meu ex-homólogo e o atual Primeiro-Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou abertamente que não há nenhuma ingerência russa nos assuntos britânicos nem na época do Brexit, nem agora. Neste caso, acho que ele tem razão.
Pergunta: Sua visita coincide com a discussão de vários projetos de sanções no Senado. O senhor leva em conta os riscos de sanções durante a realização das decisões que tratam da política externa? O senhor avisa as autoridades do seu país sobre estes perigos?
Serguei Lavrov: É uma coincidência a nossa delegação ter chegado a Washington no dia em que novas sanções eram discutidas. Já me perguntaram se nossa visita teria coincidido com a discussão do impeachment. Parece que qualquer dia de visita a Washington coincidirá com sanções, com impeachment ou com algo mais.
Pergunta: O comentário da Casa Branca indica claramente que o o Presidente Donald Trump adverteu o senhor sobre a ingerência nas eleições nos EUA. O senhor afirma que não houve tal aviso?
Serguei Lavrov: Não li algum comentário que a Casa Branca fizesse sobre nossa conversa. Divulgámos nosso próprio comentário, pode conferir. O Secretário de Estado, Mike Pompeo, mencionou em coletiva no Departamento de Estado que os EUA advertem a Rússia contra a ingerência nas eleições, eu respondi. Eu disse a Donald Trump que Mike Pompeo tinha dito isso em público. Em resposta, eu lembrei em público da nossa proposta à administração atual de fazer pública a correspondência mantida entre Moscou e Washington entre outubro de 2016 a janeiro de 2017 através do canal especialmente criado para lidar com perigos no ciberespaço. Esta correspondência indica claramente que estávamos prontos para cooperar sobre qualquer assunto relacionado às suspeitas dos EUA de nossa ingerência nas eleições. A administração de Barack Obama recusava-se categoricamente de estabelecer este tipo de cooperação. Se a manifestação direta da disponibilidade para discutir qualquer preocupação dos EUA fica na negativa, se a administração atual também se recusa a publicar esta correspondência (desconheço a razão disso), o que mais podemos sugerir? Isso era discutido em público na coletiva no Departamento de Estado.
Pergunta: Com que impressão o senhor ficou depois da conversa pessoal com o Presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky? Pode ser que o catalizador da solução do conflito em Donbass não só está em Kiev e em Moscou, mas também em Washington? Se calhar, os EUA deverão aderir ao formato de Normandia?
Serguei Lavrov: Tanto em formato de Normandia, como entre os Presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia, Vladimir Zelensky, as negociações decorreram num ambiente construtivo, pragmático e baseava-se em respeito mútuo. Os problemas que existem na Ucrânia não eram ideologizados, como muitos políticos ucranianos costumam fazer. Foi absolutamente evidente o espírito concreto, orientado não para uma declaração pública e de fazer marcar a sua presença em um distrito eleitoral, mas sim virado para a busca de soluções.
No que toca às cidades capitais onde recursos adicionais poderiam ser buscados para a solução dos problemas ucranianos, para o cumprimento dos Acordos de Minsk, mencionaria depois de Kiev não Moscou e Washington, mas Donetsk e Lugansk. É a essência do problema, o eixo dos Acordos de Minsk: o diálogo direto entre Kiev, Donetsk e Lugansk. Os nacionalistas, os ultrarradicais e os neonazistas fazem espetáculo na Ucrânia exigindo que Zelensky não atraiçoe a pátria não capitule, não cometa alta traição, não entre em diálogo direto com Donetsk e Lugansk. Pyotr Poroshenko, que assinou os Acordos de Minsk, está quase na liderança deste processo. Tudo isso visa não permitir nenhuma regulação para continuar fazendo realidade o provérbio: “O que para uns é guerra, para outros é mãe querida”. É triste.
Esperamos que Vladimir Zelensky cumpra suas promessas eleitorais: as de por fim à guerra, à morte de pessoas, podendo trazer a paz a todo o território da Ucrânia. Isso pode ser feito se aos Acordos de Minsk forem cumpridos. É sobretudo disso que falamos em Paris. A falta de alternativa aos Acordos de Minsk é confirmada na primeira alínea do documento aprovado ontem pelos Presidentes da Rússia, Ucrânia e França e pela chanceler da Alemanha. Qualquer país, inclusive os EUA, e outros países ocidentais e não ocidentais podem ajudar a encorajar aquela parte ucraniana sobre a qual têm influência (no caso dos EUA, é Kiev) a cumprir os Acordos de Minsk.
Se os EUA continuarem a defender a posição assumida outrora por Kurt Volker, ex-Enviado Especial para a Ucrânia, a coisa não ficar boa. Vou lembrar que foi ele quem sugeriu enviar forças de ocupação sob a bandeira da ONU a Donbass, desmantelar as estruturas que hoje garantem a vida nas autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk, criar ali administração internacional, introduzir naquela região a polícia internacional para resolver a crise, e depois realizar eleições. Claro que já depois da entrada das forças de ocupação as eleições seriam uma pura “cosmética”. Esperamos que nosso trabalho explicativo em torno dos Acordos de Minsk não seja em vão. Nossos colegas estrangeiros irão ajudar a cumprir estritamente a resolução 2202 do Conselho de Segurança da ONU, que aprovou unanimemente os Acordos de Minsk.