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Intervenção e respostas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, na Audição Parlamentar "Hora do Governo" na Duma de Estado da Assembleia Federal da Federação da Rússia, Moscovo, 26 de janeiro de 2022

101-26-01-2022

 

Excelentíssimo Senhor Presidente da Duma de Estado,

Distintos Deputados da Duma de Estado,

Agradeço mais uma oportunidade de falar perante os deputados da Duma de Estado na Audição Parlamentar "Hora do Governo".

Os contactos estreitos entre a diplomacia e a Assembleia Federal continuam a ser regulares, apesar da difícil situação epidémica. Em dezembro de 2021, falei perante os vossos colegas do Conselho da Federação. Prevejo que hoje tenhamos um intenso diálogo sobre questões atuais da política externa e da agenda internacional.

É especialmente importante para nós, Ministério dos Negócios Estrangeiros, sentir as prioridades do poder legislativo. Valorizamos os vossos conselhos sobre questões práticas. Os deputados expressam os interesses de todas as camadas da sociedade russa e têm uma profunda compreensão das atitudes dos cidadãos que representam. A principal tarefa do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo foi e continua a ser a criação de um ambiente externo seguro e favorável ao desenvolvimento interno progressivo do país. Este objetivo foi fixado na nossa doutrina, a nova Estratégia de Segurança Nacional aprovada pelo Presidente em julho passado. Será também refletido na redação atualizada do Conceito de política externa que está atualmente a ser finalizada.

Distintos colegas,

O Presidente Vladimir Putin falou repetidamente sobre a situação no cenário internacional e sobre os nossos objetivos e iniciativas em matéria de política externa. Ele delineou recentemente todos os principais pontos durante as reuniões mistas das Cúpulas Dirigentes do nosso Ministério e do Ministério da Defesa e nos seus outros discursos e conferências de imprensa.

O cenário internacional está a sofrer profundas mudanças que, e usemos uma linguagem moderada, nem sempre são positivas. Todo o sistema está em tumulto. Os países do "Ocidente histórico" continuam a teimar em não aceitar as realidades do mundo multipolar emergente, que é suposto ser mais justo e mais democrático do que um mundo dominado por um Estado. Os ocidentais liderados pelos EUA estão a tentar opor-se ao curso objetivo da história, tentando obter vantagens unilaterais, não considerando muito os interesses legítimos de outros países (na realidade, não os consideram de forma alguma).

Washington e os seus aliados impõem à comunidade mundial a sua própria visão da ordem internacional, apregoando a necessidade de estabelecer e respeitar uma "ordem baseada em regras". Sob este conceito, o Ocidente usurpa o direito de elaborar "regras" nas mais diversas áreas, ignorando completamente o princípio do multilateralismo genuíno e universal corporificado nas Nações Unidas e prejudicando assim o direito internacional e a arquitetura de relações internacionais centrada na ONU. Eles estão a tentar punir os "dissidentes" que realizam uma política independente, primeiramente o nosso país e a República Popular da China, por meio de instrumentos inadequados como sanções de toda a espécie, demonização no espaço mediático e provocações dos seus serviços secretos, etc.

Ultimamente, os EUA e os seus aliados europeus, esquecendo totalmente a cultura diplomática, têm estado a duplicar os esforços para conter o nosso país, aumentando a pressão político-militar sobre a Rússia, em complemento às sanções unilaterais ilegítimas. Basta olhar para as suas manobras militares cada vez mais provocatórias perto das nossas fronteiras, para as suas tentativas de arrastar o regime de Kiev para a órbita da NATO, para os seus fornecimentos de armas letais a Kiev e como eles incitam o regime de Kiev a provocações diretas contra a Federação da Rússia. Contra este pano de fundo parecem especialmente cínicas exigências de pararmos os exercícios no nosso próprio território, ao que temos todo o direito incontestável. O duplo padrão aqui passa das medidas, mas, infelizmente, estamos há muito acostumados a vê-lo.

Naturalmente, não ficaremos de braços cruzados nesta situação. Esta situação está em desacordo com o princípio de segurança igual e indivisível consagrado numa série de documentos internacionais. Em dezembro passado, entregámos aos norte-americanos e aos países da NATO e tornámos público os projetos de Tratado entre a Federação da Rússia e os Estados Unidos da América sobre Garantias de Segurança e de Acordo sobre Medidas de Segurança entre a Rússia e os Estados da NATO, que havíamos elaborado por incumbência do Presidente Vladimir Putin. Estes documentos constituem um único e visam obter garantias de segurança confiáveis e juridicamente vinculativas para o nosso país.

A nossa iniciativa foi discutida com os norte-americanos em Genebra a 10 de janeiro, com membros da NATO em Bruxelas a 12 de janeiro e durante a sessão ordinária da OSCE a 13 de janeiro, o nosso representante chamou a atenção para estes documentos, participando no debate. Foram entregues aos EUA e aos países membros da Aliança do Atlântico Norte. A 21 de janeiro deste ano, a pedido dos nossos colegas norte-americanos, tive conversações sobre este assunto com o Secretário de Estado norte-norte-americano, Antony Blinken. Ele garantiu-nos (esperamos que as suas garantias venham a ser concretizadas) que nos entregariam, já esta semana, a sua resposta por escrito, ponto por ponto, explicando a posição dos EUA sobre as nossas exigências concretas. Dependendo do conteúdo da sua resposta (que, repito, é esperada esta semana), elaboraremos com os nossos colegas de outros ministérios propostas sobre os nossos passos subsequentes que serão apresentadas ao Presidente.

Não deixaremos que os nossos projetos fiquem "atolados" em discussões sem fim, tanto mais que esta tendência se está a patentear, sobretudo nas tentativas de levar este tema para a OSCE ou nos apelos insistentes da UE para encontrar um lugar para ela nestas discussões. Se não recebermos uma resposta construtiva e o Ocidente continuar a sua política agressiva, Moscovo, como o Presidente Putin disse repetidas vezes, tomará medidas de retaliação necessárias. Em qualquer caso, todos devem compreender que a segurança da Rússia e dos seus cidadãos é uma prioridade absoluta, e que será garantida de forma fiável em todas as circunstâncias.

Enquanto seguimos uma política externa multivetorial (usamos este termo desde o início dos anos 2000), nunca tivemos o nosso foco centrado unicamente na vertente ocidental, de onde a maioria das ameaças e desafios tem vindo nos últimos anos. Tanto mais que o mundo deixou, há muito, de estar centrado nos EUA e no Ocidente e jamais será unipolar. Hoje, a esmagadora maioria dos países compartilha as nossas posições de princípio que rejeitam o diktat ideológico do Ocidente e os jogos geopolíticos de "soma zero". A humanidade "amadureceu". São cada vez menos os que se dispõem a sacrificar os seus interesses nacionais e a tirar "castanhas do fogo" para os seus "camaradas sêniores" de Washington e de Bruxelas.

Temos dito repetidamente que o centro da política e economia mundial mudou da região euro-atlântica para a Eurásia. A Rússia, a maior potência eurasiática e europacífica, está, talvez, mais interessada do que nenhum outro país em arrumar os vastos espaços eurasiáticos. Hoje, graças, em grande medida, aos nossos esforços, a integração dentro da UEE está a aumentar e as suas relações externas estão a ampliar-se. Este trabalho é coordenado com os planos da Comunidade de Estados Independentes em diferentes questões, incluindo a da liberalização do comércio. Foram também feitos sérios progressos no processo de integração no âmbito do Estado da União Rússia-Bielorrússia. Este trabalho tem vindo a ser feito todos os dias.

Reforçamos a nossa cooperação com os nossos aliados da OTSC a fim de responder eficazmente às ameaças e desafios comuns, tendo-se em conta também as perspetivas muito incertas da situação no Afeganistão. As ações eficazes das forças de manutenção da paz da OTSC para ajudar o Cazaquistão a estabilizar a situação política interna após os ataques em massa apoiados externamente contra o Estado cazaque foi uma boa prova da maturidade e da elevada confiabilidade desta Organização.

A parceria estratégica russo-chinesa é um bom exemplo de como as relações interestatais devem desenvolver-se no século XXI. Em alguns aspetos, atingiu um nível mais avançado do que mesmo as alianças político-militares tradicionais. Uma parceria estratégica particularmente privilegiada com a Índia também vem avançando. A Rússia amplia as suas relações com a maioria dos seus parceiros na Ásia-Pacífico, incluindo os países da ASEAN em rápido desenvolvimento. Tudo isto contribui para a criação de pressupostos para a implementação da iniciativa do Presidente Vladimir Putin de criar uma Grande Parceria Eurasiática. Vemo-lo como espaço continental para uma cooperação económica e humanitária, e num sentido mais amplo, como base material para a construção de uma arquitetura de segurança eurasiática. É de salientar que as portas da parceria que propomos criar estão abertas a todos os países e associações do nosso vasto continente eurasiático comum.

A nossa interação com os países africanos está a atingir um novo patamar. Estamos a preparar, juntamente com os nossos amigos africanos, a segunda cimeira Rússia-África agendada para este ano. Aprofundamos a nossa parceria com os países da América Latina, região que encaramos como sério centro independente do mundo multipolar emergente e que nos é ideologicamente afim e tem boas perspetivas económicas.

Distintos colegas,

A Rússia, um dos principais garantes da arquitetura da ordem mundial centrada na ONU e membro permanente do Conselho de Segurança, contribui muito para a manutenção da segurança global e da estabilidade estratégica. A proposta do Presidente Vladimir Putin de realizar uma cimeira dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas tem por objetivo estimular um diálogo honesto sobre as questões-chave da atualidade. A declaração conjunta das cinco potências nucleares sobre a prevenção da guerra nuclear e da corrida aos armamentos publicada a 3 de janeiro deste ano, visa diminuir as tensões internacionais. Este documento foi elaborado por nossa iniciativa, o que confirma mais uma vez que o objetivo da Rússia é um diálogo igual e mutuamente respeitoso destinado a facilitar a procura de um equilíbrio de interesses, e não uma confrontação.

A cibersegurança da informação internacional, inclusive através do desenvolvimento de uma convenção universal para combater o crime nesta área, continua a estar entre as prioridades da Rússia na ONU. Temos boas realizações nesta área em consequência da nossa colaboração com os nossos parceiros, inclusive os norte-americanos.

Participamos de forma empenhada noutras estruturas multilaterais universalmente reconhecidas, entre as quais o G20, os BRICS e o OCX. A nossa cooperação nestes formatos é útil também para reforçar a confiança mútua. É através deste prisma que consideramos a promoção do diálogo e da cooperação no formato tripartido Rússia-Índia-China (RIC), que continua a ser relevante para os três participantes.

Promovemos ativamente a busca de uma solução político-diplomática para as situações de crise em diversas regiões: Nagorno-Karabakh, Síria, Líbia, Afeganistão, o conflito israelo-árabe, a situação na Península da Coreia e em torno do programa nuclear iraniano. Estes nossos esforços contribuem para a melhoria da situação no mundo e confirmam a reputação da Rússia como parceiro internacional confiável e previsível.

Gostaria de me debruçar em especial sobre a situação no sudeste da Ucrânia. A nossa posição aqui permanece inalterada: a solução da crise interna ucraniana só passa pelo rigoroso cumprimento do Pacote de Medidas de Minsk na íntegra e pela ordem em que se seguem. Este documento foi aprovado por uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas e tornou-se, portanto, parte integrante do direito internacional. A chave para o sucesso é estabelecer um diálogo direto entre as partes em conflito, o regime de Kiev e Donetsk e Lugansk. Apelamos constantemente aos EUA, França, Alemanha e outros colegas ocidentais capazes de influenciar o regime de Kiev para o forçar a cumprir integralmente os acordos de Minsk. Vamos continuar a combater duramente as tentativas de deitar a responsabilidade pela falta de progressos para cima da Rússia, tanto mais de nos apresentar como um dos lados do conflito, o que os países ocidentais têm vindo a tentar fazer ultimamente e o que é de indignar.

Não iremos desacelerar as nossas atividades em outras vertentes da nossa política externa. A nossa prioridade incondicional é defender os direitos e interesses legítimos dos nossos compatriotas no estrangeiro e ajudar a unir o mundo russo multiétnico e multiconfessional.

Continuaremos a utilizar ao máximo as alavancas da diplomacia económica e a prestar apoio diplomático a projetos de investimento com a participação russa no estrangeiro. Prestamos constante atenção à promoção da língua russa e às conquistas da cultura russa.

A luta contra a falsificação da história, sobretudo da história da Segunda Guerra Mundial e da Grande Guerra Patriótica, ganha uma relevância cada vez maior. Opomo-nos firmemente a quaisquer tentativas de glorificar os nazis e os seus cúmplices. A maioria esmagadora da comunidade mundial está solidária connosco. O resultado da votação anual na Assembleia Geral da ONU sobre a resolução sobre a inadmissibilidade da glorificação do nazismo promovida pela Rússia é uma prova disso.

A promoção do diálogo entre as civilizações e entre as religiões também está entre os nossos planos. Continuamos a apoiar ativamente a participação do nosso país nos esforços internacionais para o combate à pandemia do coronavírus e, em geral, para o desenvolvimento da cooperação internacional na área da saúde e a superação das consequências destas pandemias.

Promoveremos o diálogo entre as civilizações por todos os meios, inclusive através da diplomacia parlamentar e da diplomacia pública.

As metas que nos foram fixadas pelo Presidente são realmente ambiciosas. Para alcançá-las e fortalecer as nossas posições no cenário internacional, estamos interessados ​​em melhorar a nossa cooperação quotidiana no espírito de camaradagem com a Duma de Estado da Assembleia Federal.

Continuaremos a apoiar todas as iniciativas construtivas na diplomacia parlamentar e na cooperação interpartidária realizadas pelas fações da Duma de Estado.

Pergunta: Hoje em dia, a ameaça de infiltração em massa de extremistas de diversos "matizes" na Rússia é mais grande do que nunca. Anteriormente, os imigrantes, especialmente os do Tajiquistão e do  Uzbequistão, chegavam aos milhões ao país beneficiando do regime de isenção de vistos e criavam grandes problemas aos cidadãos e à sociedade, participando em esquemas "cinzentos", ilegais de contrafação de produtos para vender os produtos contrafeitos em pequenos Cherkizons (mercado Cherkizovsky, também conhecido como Cherkizon, outrora o maior mercado da Europa, localizado em Moscovo - N. de R.) ou juntando-se a grupos criminosos e comunidades extremistas. Nos países do Golfo Pérsico, há oito ou nove imigrantes por cidadão. Não existem aí esquemas "cinzentos". O senhor não acha que chegou a hora de incluir nas leis da migração normas como vistos de trabalho, convites oficiais de pessoas coletivas e singulares que impliquem a responsabilidade pessoal pelos trabalhadores migrantes?

Serguei Lavrov: Devo dizer que uma resposta detalhada a esta pergunta e factos concretos estão contidos nos materiais divulgados antes da minha intervenção.  A essência da nossa posição é que não podemos comparar os trabalhadores migrantes que trabalham nos EAU ou no Qatar com aqueles que se encontram na Federação da Rússia. No caso dos países do Golfo, eles nunca foram cidadãos de um único Estado. No nosso caso, trata-se de um acontecimento histórico muito recente, que pode ser qualificado de diferentes formas e que teve um impacto negativo na vida das pessoas comuns, incluindo as que estavam habituadas a locomover-se pelo seu grande país unido em busca de trabalho, etc. É evidente que estes processos estão a causar reações diversas na sociedade. Estamos cientes de o quão emocionalmente são vistos no país incidentes que envolvem trabalhadores migrantes originários dos países ex-repúblicas soviéticas.

Claro que este assunto recebe há muito grande atenção, em particular por parte do Ministério do Interior da Rússia que tem, há muito, um departamento especial que desempenha as funções de Serviço Federal de Migração. Este departamento está representado na Comissão do Governo para as Comunidades Russas no Estrangeiro, da qual sou presidente. Quanto ao regime para os migrantes, é melhor endereçar esta questão ao Ministério do Interior. Sei que os nossos colegas fazem os possíveis para pôr ordem nesta área, inclusive através de acordos. Insistimos em concluí-los com os países que fornecem a maior parte dos trabalhadores migrantes. Trata-se do Quirguizistão, Tajiquistão e Uzbequistão. Negociamos com eles a criação de centros de formação para trabalhadores migrantes nos seus respetivos territórios nacionais para verificar, entre outras coias, se dominam a língua russa e se entendem as leis e tradições da Federação da Rússia. É evidente que o resultado ideal, como em qualquer outra esfera da atividade humana, dificilmente pode ser alcançado. Mas este trabalho influencia as questões de que estamos a falar e só está no início do caminho. Penso que haverá mais resultados positivos.

Pergunta: Como todos podemos ver, o famoso "poder brando" da Rússia não tem sido tão eficaz nos últimos anos como gostaríamos que fosse. Os diplomatas russos estão a ser expulsos, os meios de comunicação social (por exemplo, a RT) estão a ser perseguidos, os nossos empresários estão a sofrer sanções, os nossos postos com conteúdo "indesejável" estão a ser retirados das redes sociais ocidentais. Ao mesmo tempo, os nossos parceiros estrangeiros estão a aumentar a sua presença militar em todo o mundo, quebrando o equilíbrio global de forças. Como é que o senhor e o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia veem o vosso trabalho para restaurar este equilíbrio? Que instrumentos de política externa existem para serem utilizados eficazmente neste sentido?

Serguei Lavrov: Eu não utilizaria o termo "o famoso "poder brando" da Rússia". A pujança soviética era dura e ao mesmo tempo branda. O seu componente duro é bem conhecido, enquanto o seu componente brando incluía o bailado, acima de tudo, o nosso desporto, arte e cultura. Em muitos aspetos, trata-se de fazer com que as características atrativas do nosso país, do nosso povo, da nossa civilização possam chegar àqueles que se interessam por elas. Agora, o Ocidente, fiel ao conceito e à estratégia de "conter" a Rússia "em tudo" (e a China também), não só se empenha em rodear-nos dos seus aliados agressivos, não só lhes envia remessas maciças de armas, não só desloca as suas infraestruturas militares e as suas tropas para junto das nossas fronteiras, mas também procura subverter as posições e denegrir a reputação da cultura russa, ou seja, do "poder brando" que só estamos a tentar aprender a usar na nova ordem mundial posterior à Guerra Fria. Sabemos fazê-lo de forma eficaz.

Procuram desacreditar os nossos meios de comunicação, que dizem a verdade, pelo menos a nossa parte da verdade (vou mencioná-lo a título de compromisso). Até proíbem-nos de o fazer, tentando dissuadir, por todos os meios, os países de todos os continentes de fazerem negócios connosco, à semelhança do que acontecia sob a administração Trump: o Secretário de Estado norte-americano viajava pela África, exortando publicamente, em declarações oficiais, o país visitado a não fazer comércio nem outros negócios com a Rússia nem com a China, dizendo que estávamos a perseguir os nossos interesses "egoístas" enquanto os EUA estavam a "trazer a democracia". Fazem isso descaradamente sem corar de vergonha. Criam grandes obstáculos ao nosso avanço no mundo, ao avanço da nossa cultura, tradições e filosofia. Um exemplo "gritante" é a área de desporto. A liderança russa tem repetidamente declarado que os atletas não devem ser usados para experiências de doping. Todavia, a bacanal desencadeada contra nós em todos os fóruns desportivos é óbvia e inaceitável. Estamos a trabalhar em todas estas áreas, abordando ao mesmo tempo outros desafios que também mencionou: o aumento da tensão militar e política fomentada pelos EUA e tudo o que está a acontecer em torno da segurança na Europa. No entanto, o poder, como um político alemão disse recentemente (acontece que ele também sabe isto), está na verdade, por isso vamos continuar a trabalhar.

Pergunta: Deputados da Duma de Estado (câmara baixa do parlamento russo) recebem cartas de cidadãos que estão separados dos seus filhos por diversas razões, inclusive as de serem nacionais de diferentes países. Infelizmente, em muitos casos, não há procedimentos legais de cooperação entre a Rússia e outros países no interesse da criança, ou melhor dizendo, cada um dos países participantes tem as suas normas jurídicas referentes a este processo. Centenas de crianças estão separadas das suas mães. Como pode a situação nestes casos ser alterada para que funcione no interesse das crianças que se tornaram reféns dos conflitos parentais?

Serguei Lavrov: Esta é parte da questão levantada hoje pelo deputado Leonid Kalaсhnikov, sobre a nacionalidade das crianças nascidas de casamentos mistos. Se uma criança nascer de um casamento misto na Federação da Rússia, ele (ou ela) torna-se automaticamente cidadão (ou cidadã) russa. Se uma criança nascer de um casamento misto no estrangeiro, esta questão só pode ser resolvida com o consentimento do segundo progenitor que não possui a nacionalidade russa. A sua pergunta é muito mais ampla. No nosso país, a estrutura matricial neste caso é o Ministério da Educação. Penso que seria melhor endereçar a sua pergunta a este Ministério para obter uma resposta competente. Mesmo assim, o Ministério dos Negócios Estrangeiros está envolvido neste trabalho, ajudando os cidadãos nacionais no estrangeiro através das nossas missões diplomáticas.

Esta questão foi examinada também pela Comissão do Governo para as Comunidades Russas no Estrangeiro e pela Comissão para a Cooperação Internacional e Apoio aos Compatriotas no Estrangeiro do partido "Rússia Unida" criada no final de 2021 por iniciativa do Presidente Vladimir Putin. Obviamente, há toda uma série de questões que ainda estão por resolver. Há diferentes pontos de vista. Estou convencido de que, se colocarmos os interesses dos nossos cidadãos e dos seus filhos em primeiro plano, podemos sempre chegar a acordo no nosso Ministério, nos nossos contactos com outros ministérios e com o Parlamento.

Pergunta: O senhor disse que o Ocidente coletivo está a elaborar "regras" para impô-las a outros países. Ao mesmo tempo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia não as considera, com razão, como verdade de última instância, conduzindo uma política independente. No plano económico, infelizmente, continuamos a viver segundo regras orçamentais impostas externamente nos anos 90, investindo o nosso dinheiro obtido com as exportações de hidrocarbonetos em países estrangeiros e expondo-o a riscos geopolíticos. O mesmo pode ser dito sobre as regras da OMC, que continuamos a respeitar unilateralmente. Talvez seja tempo de rever todas estas regras na esfera económica e de nos orientar pelos interesses da nossa economia nacional, e não por dogmas que nos foram impostos externamente?

Serguei Lavrov: Por razões claras, esta questão não é da competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas do Governo. Temos obrigações internacionais. As nossas obrigações, tal como as obrigações dos nossos parceiros são analisadas regularmente por diversas instituições, sejam elas o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio. As respetivas entidades, o Banco Central, avaliam até que ponto estamos a manter este equilíbrio de obrigações e a honrar os acordos, que neste caso são de longo prazo.

Estamos a lutar (estou a dizer isso em nome do Ministério dos Negócios Estrangeiros, embora se trate de decisões da competência do Governo) para diminuir a nossa dependência do dólar. Os norte-americanos estão a "ajudar-nos" muito a fazê-lo: estão a fazer os possíveis para minar a confiança na sua moeda e torná-la arriscada para desembolsos internacionais não só da Federação da Rússia como também de qualquer outro país do mundo. Exigem que os nossos parceiros como a Índia, o Egito (países que não são pequenos) e a Turquia deixem de cooperar connosco no campo técnico-militar. Estamos a fazer esforços para estimular a adoção da prática de desembolsos em moedas nacionais. Isso gera discussões alarmantes entre os cientistas políticos e economistas do Ocidente. Estamos a reduzir drasticamente as nossas reservas mantidas em dólares. Este processo não passou despercebido. Os nossos operadores económicos estão a sentir facilidades na solução das questões relacionadas com transferências bancárias. O nosso Banco Central inventou um sistema de mensagens financeiras, e esta está a funcionar. Aqueles que o utilizam dizem que funciona de forma bastante eficaz. Ainda precisa de ajustamentos e acabamento definitivo por não ser tão antigo como o SWIFT, mas funciona. Penso que devemos seguir este caminho. Até que ponto deve ser mais rápido? Não sei, sou leigo nestas questões. É importante não desequilibrar a economia, que, embora criticada por todos os lados, existe e ajuda-nos a avançar com firmeza.

Pergunta: O senhor já falou do problema com o apoio à língua russa nos países da CEI. O número de escolas de língua russa vem diminuindo, muitos estabelecimentos de ensino não possuem livros escolares em russo. Alguns países decidiram ao mais alto nível construir escolas. Todavia, só construir não basta São necessários professores competentes, capazes de ensinar em russo. Começámos a trabalhar no projeto de lei "Professor da Escola" com o apoio financeiro da Federação da Rússia. Pretende-se enviar aos países da CEI professores (de nacionalidade russa) que serão devidamente remunerados. Com Evgueni Primakov à frente da Rossotrudnichestvo (Agência Federal para a Cooperação Internacional), a situação melhorou, mas é necessário o apoio por parte da Federação da Rússia. O que o senhor acha de haver projeto de lei para enviar professores russos e livros escolares em russo aos países da CEI? Podemos contar com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia?

Serguei Lavrov: Respondendo à pergunta anterior sobre a língua russa, falei das medidas sistémicas que estão a ser tomadas. Foi mencionada a situação no Quirguizistão e em vários outros países, onde a atividade legislativa de uma forma ou de outra diz respeito ao estatuto da língua russa. Estas questões são prioritárias nas nossas relações com todos os nossos aliados. No Quirguizistão e no Cazaquistão, a língua russa é oficial. Partimos do pressuposto de que os nossos aliados respeitarão e desenvolverão o estatuto oficial da língua russa legalmente consagrado.

O próximo ano é declarado na Comunidade de Estados Independentes como ano da língua russa como língua de comunicação internacional. Os preparativos para os eventos começam desde já.  Será uma boa oportunidade para ver onde e como é acolhida a nossa grande língua e ao mesmo tempo para concretizar uma série de projetos positivos, dos quais um já mencionou: o "Escola russa" a ser entregue "chave na mão" no Tajiquistão. Há um projeto semelhante na Arménia: o prédio e o ensino em russo serão entregues "chave na mão".

Capacitamos professores. Há duas opções: enviar professores para trabalharem ali em turnos de revezamento (por um prazo de até um ano), dando "aulas de mestre", entre outras coisas, ou um país parceiro envia cá os seus professores para estágios. Em princípio, isto funciona. Estou convencido de que nunca há falta de professores. Penso que a sua iniciativa é útil.

Pergunta: O processo de integração no âmbito do Estado da União Rússia-Bielorrússia tem-se intensificado ultimamente. É de aplaudir. No futuro, valerá a pena eleger o Parlamento do Estado-União. Quando o senhor acha que os nossos países estariam prontos para eleger o Parlamento do Estado-União? O que pensa da proposta de instalar o centro parlamentar da União na cidade antiga de Smolensk? Que tal fazer de Smolensk a capital do Estado-União? Esta cidade tem uma localização geográfica única, está situada no meio entre Moscovo e Minsk. Esta decisão (caso venha a conhecer a luz do dia) dará um grande impulso ao desenvolvimento da cidade e de toda a Região de Smolensk.

Serguei Lavrov: O Tratado da União coloca muitos objetivos que não são apenas os de criar um Parlamento da União, mas também de criar um centro único de emissão da moeda única. Tudo isto está previsto para o futuro. A atual prioridade, como os Presidentes e os Chefes de Governos dos dois países sublinharam, é tomar providências para levar à prática 28 programas da União que, em conjunto, constituem um grande e radical passo em frente na promoção da integração. Sei que os meus colegas no Governo e os seus homólogos no Governo da República da Bielorrússia estão empenhados em levá-los à prática. Quando o resultado deste trabalho se tornar claro (como foi anunciado, levará alguns anos), poderemos avaliar quais deverão ser os próximos passos, numa nova base material, como dizem os clássicos. Claro que a decisão será tomada pelos Presidentes, mas o Tratado da União permanece, assim como os objetivos nele consagrados. Os nossos avanços (considerando-se todas as circunstâncias) devem ser rápidos, ponderados e equilibrados para se ter em conta todos os fatores associados a esta tarefa de integração tão importante.   

No que diz respeito a Smolensk, esta decisão deve ser tomada em conjunto.

Pergunta: Alguns dos nossos parceiros estrangeiros têm utilizado   sistemática e agressivamente o "poder suave", por exemplo nos países da CEI através de ONGs, contactos com pessoas, "redes" de bloggers e de jornalistas para afastar estes países da Rússia. O Ministério dos Negócios Estrangeiros faz um grande trabalho. Os meus agradecimentos. Há as nossas ONG e órgãos federais a trabalharem ali. No entanto, os seus esforços são desunidos, cada um cuida do seu setor. Isto enfraquece a nossa posição no estrangeiro. Nestas circunstâncias, são necessárias medidas decisivas: a unificação do Estado, a mobilização de ONGs, a monitorização e a elaboração de um "mapa de roteiros". Talvez seja necessário aumentar os poderes da Rossotrudnichestvo, disponibilizar verbas adicionais para a política humanitária, criar uma organização autónoma sem fins lucrativos como o Instituto Goethe que ajude a promover a língua russa e o código cultural russo e a intensificar as atividades de cooperação internacional, aumentar o número de vagas reservadas aos estudantes daqueles países nas nossas universidades e de livros didáticos da língua russa verificados? Quais são as opções de cooperação com o Ministério nesta matéria?

Serguei Lavrov: Eu já disse que o "poder brando" (uma vez que não temos um outro termo mais reconhecível) é agora uma das áreas mais importantes e uma das ferramentas mais importantes das nossas atividades internacionais. Tem razão, há anos o Ocidente adotou uma política (que atingiu atualmente uma enorme dimensão) de implantar organizações não governamentais e fundações de toda a espécie na política mundial e de impor a outros países modelos de desenvolvimento de interesse para o Ocidente. Em regra, na esmagadora maioria dos casos, o Ocidente está interessado em "arrancar" os nossos vizinhos à Federação da Rússia e, em regiões mais distantes, em impedir que países se tornem amigos da Rússia e da República Popular da China. Compreendemos tudo isto. A maioria esmagadora destas organizações sem fins lucrativos foi criada com dinheiro público. A Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido e outros organismos que são financiados com recursos públicos disponibilizam dinheiro às ONG chefiadas normalmente pelos ex-responsáveis governamentais ocidentais. Temos aqui uma experiência menor. A URSS tinha uma experiência semelhante: a Fundação de Paz Soviética, outras organizações não governamentais e da juventude. Se a compararmos com aquilo que se verifica hoje, é uma gota de água no oceano. Criámos a Fundação Gorchakov de Apoio à Diplomacia Pública. De acordo com os seus estatutos, deve financiar as ONGs russas prontas para se internacionalizarem. O dinheiro é muito escasso. Todos sabem disso. Os principais países estrangeiros alocam a organizações semelhantes à nossa Rossotrudnichestvo ou ao nosso Instituto A.S. Pushkin de Língua Russa fundos várias vezes maiores. Este problema é bem conhecido. Nós lidamos com isso e temos apoio, em princípio, do Presidente. Nos últimos anos, o país tem vindo a aumentar gradualmente as verbas para estas estruturas. Continuaremos os nossos esforços para obter um aumento substancial no financiamento.

Pergunta: O Ministério dos Negócios Estrangeiros prevê desenvolver a "diplomacia das comunidades" nas suas relações com outros países? Há muitas contradições que são difíceis de resolver a nível interestatal. É possível resolvê-las de alguma forma através de canais adicionais de comunicação sobre questões ambientais, educação, direitos humanos e medicina? Isto poderia diminuir a tensão, o que a diplomacia oficial é atualmente incapaz de fazer, e melhorar assim a imagem do nosso país. Está a considerar criar uma agência especializada nestas atividades?

Serguei Lavrov: Não entendi bem o que significa a "diplomacia das comunidades". Portanto, antes de responder à sua pergunta se estou disposto a apoiar a criação de uma agência especializada neste assunto, gostaria de compreender o que é. Se é ao que agora chamamos diplomacia desportiva, diplomacia científica (mas não diplomacia das canhoneiras), trata-se então das comunidades de cientistas, atletas, do movimento juvenil. Estão agora a ser moldadas sem diretrizes de cima. Se é disto que se trata, devemos apoiá-la, tanto mais que, neste caso, não se precisa de um grande apoio. Os entusiastas reúnem-se e desenvolvem ativamente as suas relações internacionais.

Esta é a primeira vez que ouço o termo "diplomacia das comunidades". Se nos enviar alguma nota explicativa, nós responderemos definitivamente e poderemos conversar mais detalhadamente.

Pergunta: Muitos dos nossos compatriotas estão detidos e encarcerados no estrangeiro e são mantidos durante longo tempo em prisão preventiva. Esta situação não é rara, ocorre em muitos países e afeta a vida de centenas de russos. Trata-se de sanções penais contra os nossos cidadãos aplicadas na Índia, Grécia, China, EUA e outros países. Que medidas está o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia a tomar para proteger os direitos e interesses dos nossos compatriotas que são frequentemente detidos no estrangeiro por motivos espúrios?

Serguei Lavrov: Esta é uma questão séria que ocupa muito tempo no nosso trabalho e nas nossas relações com as autoridades policiais e judiciais da Federação da Rússia, sobretudo com a Procuradoria-Geral e o Comité de Investigação.

Insistimos em que nos seja concedido imediatamente acesso a estas pessoas. Enfrentamos, não raro, pretextos espúrios e provocações diretas, como o que ocorre nos EUA em relação aos nossos conhecidos cidadãos Viktor But, Konstantin Yaroshenko, Roman Seleznyov e vários outros. Este é um problema multifacetado, os EUA não querem cumprir os acordos de assistência jurídica em processos penais. Em flagrante violação das suas obrigações, Washington não nos informa de suspeitas que surjam contra os nossos cidadãos. Em primeiro lugar, isso diz respeito aos cibercrimes. Os EUA exigem que o pais onde se encontra um suspeito o detenha e o extradite para os EUA. Normalmente, os países anfitriões (na sua maioria europeus) não podem dizer "não" ao seu "camarada sénior" do outro lado do oceano.

Há também casos em que os nossos cidadãos violam as leis do país de acolhimento. Há situações extraordinárias. Por exemplo, no Sri Lanka, um grupo dos nossos cientistas estava à caça de escaravelhos, tendo apanhado alguns insetos relictos que são ali objeto de culto religioso. Levámos quase um ano e meio para que fossem libertados. No final, tudo se resolveu. Eles foram condenados a uma pena suspensa e a uma multa. A nossa comunidade empresarial pagou a multa.

É preciso consultar as leis do país de destino antes de viajar. O website do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia tem uma secção especial dedicada a esta questão. Exortamos os nossos cidadãos a precaverem-se contra imprevistos futuros. Conselho geral: pense duas vezes se terá tido algumas "relações" que possam interessar aos EUA - não podemos prever todos os casos. Cabe a cada indivíduo decidir por si próprio, conhecendo os hábitos e métodos inaceitáveis e agressivos que Washington utiliza atualmente. Temos aqui um grande trabalho em cada caso concreto (à semelhança do que estamos a fazer nos casos de Viktor But, Konstantin Yaroshenko e outros "prisioneiros" nos EUA), a exigência é cumprir as obrigações jurídicas internacionais e ter o máximo cuidado na difícil situação atual. Isso diz sobretudo respeito àqueles que, possuindo algum conhecimento e tinham   "contactos" nos países ocidentais, pretendem fazer uma viagem internacional.

Pergunta:  O que mostra a análise das "revoluções das cores", especialmente dos recentes acontecimentos na Bielorrússia, Moldávia e no Cazaquistão? Por um lado, as ONG dirigidas pelas embaixadas dos nossos "parceiros inimigos" são um instrumento para organizar protestos em massa. Por outro lado, um grande número de estudantes a estudar com recursos públicos. Por exemplo, nos últimos 20 anos, 100 mil bielorussos estudaram na Polónia e 20 mil moldavos, na Roménia. Durante 20 anos, todos os agentes dos serviços secretos e da defesa dos países da Ásia Central foram formados na Turquia ou nos EUA, o que é um instrumento para nos expulsar de lá no futuro. O senhor não acha necessário aumentar consideravelmente o número de vagas nas universidades e estabelecimentos de ensino militares?

Serguei Lavrov: Penso que isto é muito importante. Este trabalho está a ser desenvolvido por universidades civis e militares (Ministério da Defesa, Ministério do Interior).

Concordo que os números absolutos ainda não são comparáveis com os exemplos citados. Este não é o primeiro ano em que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia defende uma política mais generosa. Estamos a economizar nas despesas supostamente correntes. Na realidade, estamos a fazer economias na nossa segurança e estabilidade à nossa volta, o que terá um impacto negativo a longo prazo. Apoiamos esta tese.

Pergunta: Não posso deixar de expor as minhas preocupações sobre o futuro da União Eurasiática. Há três semanas, os edifícios sede de órgãos do Estado em Almaty sofreram um ataque terrorista. É bom que não tenhamos um "poder suave," mas sim um poder real e duro como unidades militares da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC). De acordo com o Tratado da União Económica Eurasiática, é Almaty que, em 2024, deverá sediar um único regulador supranacional da política financeira. Tudo está bem com a integração apenas ao nível das decisões do Conselho Econômico Eurasiático Superior. A nível das estruturas nacionais dos países da UEE verifica-se uma total subintegração. As decisões já tomadas são proteladas e adiadas por um tempo indeterminado.

A crise provocada no Cazaquistão pelos preços do gás mostrou aonde leva a visão da integração como apenas "área de livre comércio mais". Até os regulamentos aduaneiros continuam a ser um instrumento de corrupção.

Serguei Lavrov: A União Económica Eurasiática é uma associação jovem, embora já se tenha afirmado como associação de integração. Atrai um número cada vez maior de países interessados em cooperar com ela e em fazer acordos nas áreas de livre comércio. Se olharmos para a fase onde estava União Europeia após um período histórico comparável desde a sua constituição, o resultado será muito ilustrativo.

Estou de acordo consigo quando diz que devemos agir de uma forma mais ativa e mais criativa. A Rússia, como o maior país da União Económica Eurasiática, deve e sente a sua responsabilidade pelo seu desenvolvimento eficaz. Aqui surgem questões relacionadas com subsídios. Foram criados um Fundo Eurasiático e um Banco Eurasiático, cujas atividades estão constantemente a ser melhoradas. Creio que este é um dos nossos principais instrumentos que devemos promover.

As questões abordadas pela União Económica Eurasiática devem estar ligadas às atividades da OTSC.  Em particular, na esfera da segurança biológica. Parece que deve ter ligação com as atividades científicas no setor de saúde. Na realidade, porém, a maioria dos nossos países vizinhos têm laboratórios biológicos norte-americanos (do Pentágono). É difícil compreender o que estão a fazer. Estamos agora a concluir o processo de negociação com todos os países vizinhos que possuem estes laboratórios, para que trabalhem de forma transparente e não tenham militares estrangeiros, uma vez que isto está longe de ser uma necessidade da medicina ou do setor de saúde, sendo mais uma questão dos agentes patogénicos que poderiam ser utilizadas como agentes de guerra.

Este é um exemplo que nos mostra a necessidade de harmonizar as agendas da UEE, OTSC e da CEI e de outras organizações, em geral, das nossas associações no espaço da antiga União Soviética.

Pergunta: Apoiamos plenamente o trabalho realizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia para auxiliar os nossos compatriotas. É muito grande. O ideal está longe de ser alcançado, mas isto não significa que este trabalho não deva ser feito. Uma questão à parte é sobre os direitos dos nossos compatriotas que já são cidadãos da Federação da Rússia, mas continuam a viver no estrangeiro. Basta dizer que só o partido "Rússia Justa – Pela Verdade" tem quase dois milhões de eleitores a residir permanentemente no estrangeiro. Os países pós-soviéticos são um motivo de especial preocupação. Que garantias do Estado adicionais ou alterações legislativas são necessárias para proteger os direitos e interesses dos cidadãos da Federação da Rússia que aí vivem? Talvez seja necessária uma norma legislativa adicional? Estamos prontos para ouvir e apoiar.

Serguei Lavrov: Se um compatriota nosso reside permanentemente noutro país enquanto permanece cidadão russo, e algo lhe acontece (seja algo de bom ou de mau), ele como pessoa com dupla cidadania está sujeito às leis do Estado em cujo território se encontra. Nós fazemos o mesmo, de acordo com o nosso regime jurídico aplicável.

Há casos especiais. Por exemplo, o Estado da União da Rússia e da Bielorrússia. Temos um tratado especial sobre a "uniformização" de tudo e de todas as coisas: agentes económicos, operadores económicos, cidadãos. Muito foi feito, mas nem tudo foi concluído. Esta é uma possibilidade de avançar na proteção dos direitos. Noutros casos em que não há documentos tão grandes sobre a igualdade dos direitos dos cidadãos de ambos os países devem ser feitos acordos separados.

Se tiver exemplos de situações que dificultam a vida aos nossos nacionais nos países vizinhos, muito agradeceria recebê-los. Iremos reagir.

Pergunta: Na véspera da passagem do ano, estive em Tiraspol e falei com os nossos compatriotas (são cerca de 200 mil). A principal questão "candente": a troca de passaportes e a emissão de novos. No ano pandémico de 2020-2021 o posto consular russo suspendeu as suas atividades. Formou-se uma grande fila de espera. Não há recursos suficientes. É possível ajudar este posto consular para acabar com a fila? Existem medidas de apoio adicional aos nossos compatriotas lá? Não é segredo que vários países vizinhos estão também a realizar eventos motivacionais para persuadir os nossos cidadãos a obter o seu bilhete de identidade.

Serguei Lavrov: Citou as causas desta situação. Durante um ano e meio (até ao verão passado), o país esteve num estado de emergência. As atividades consulares foram suspensas por razões epidemiológicas. Desde o verão de 2021, o serviço foi retomado. As pessoas (dezenas de milhares) estão na fila para obter passaportes.

Assim que a situação da pandemia o permitiu, enviámos para lá uma inspeção. Os nossos inspetores visitaram Tiraspol, analisaram tudo e fizeram sugestões sobre a ajuda em equipamento e pessoal àquele posto consular. Penso que a fila diminuirá num futuro muito próximo.

Pergunta: O partido "Rússia Unida" tem um projeto histórico de importância nacional intitulado "Memória Histórica", dispensando especial atenção à preservação das sepulturas de guerra. Estamos a acompanhar a situação no estrangeiro. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia realiza atividades para perpetuar a memória dos nossos soldados enterrados em países estrangeiros. O quadro jurídico para realizar estas atividades é suficientemente eficaz? Que esforços está o Ministério a fazer? Existem dificuldades, obstáculos? Como pode a Duma de Estado da Assembleia Federal da Federação da Rússia ajudar neste assunto? Não acha que vale a pena levar esta questão à Comissão para a Cooperação Internacional do Partido "Rússia Unida"?

Serguei Lavrov: Pode ser. Embora eu não diria que a situação nesta área requeira medidas urgentes. O Ministério da Defesa da Rússia tem um departamento especializado em atividades para a preservação de monumentos de guerra. Têm representantes em países onde existem muitos locais de sepultamento e monumentos, principalmente em países leste-europeus. Não vejo a necessidade de medidas extraordinárias. O Governo aloca regularmente fundos necessários. Os "embaraços" (que são raros) acontecem normalmente devido às normas jurídicas referentes a um ou outro local de sepultamento.

Agora estamos a tentar obter dos nossos vizinhos japoneses permissão para transladar os restos mortais de Richard Sorge para um jazigo nas ilhas Curilas do Sul da Região de Sacalina. Há aqui muitos detalhes. Este tópico estava entre as perguntas por escrito que nos foram submetidas. Demos respostas detalhadas.

Obrigado pela sua atenção para com este tópico. Mantemo-lo sob controlo. Na minha opinião (talvez tenha uma sensação diferente), não serão necessárias medidas extraordinárias para resolver esta questão. O trabalho está a decorrer como planeado.

***

Agradeço as boas referências que nos fazem. Como disseram os intervenientes, poderíamos ter-nos concentrado um pouco mais em questões geopolíticas cruciais. Espero que as nossas respostas às perguntas puramente utilitárias feitas por escrito no dia anterior venham a ser úteis para o trabalho quotidiano dos deputados.

Guennadi Ziuganov falou do mundo russo no espaço pós-soviético.

Estou plenamente convencido de que este é o nosso património, um património legítimo da nossa história, do nosso desenvolvimento. Devemos fazer os possíveis para que estas pessoas não sintam ali nenhum desconforto. Este tópico será uma prioridade (como na realidade foi) nos nossos contactos com os governos dos respetivos países. Os cidadãos de ambos os países devem sentir-se absolutamente seguros e confortáveis no território do seu vizinho. Nesta área, há muitas questões em aberto. São regularmente abordadas pelos meios de comunicação social do nosso país e dos nossos vizinhos. Este assunto requer atenção constante. Confirmo.

Vladimir Jirinovski disse que o Ministério dos Negócios Estrangeiros trata dos temas que estão fora da Rússia, pelo que não adianta fazer perguntas referentes à situação interna. Não podemos afastar a política externa do nosso desenvolvimento interno, até porque o nosso principal objetivo fixado pelo Presidente Vladimir Putin é criar as melhores condições possíveis no cenário internacional para reforçar a segurança do nosso país e dos seus cidadãos e para assegurar um desenvolvimento económico e social sustentável.

Trabalhamos em estreita colaboração com membros do Governo e com as agências envolvidas na solução das tarefas colocadas Presidente à nossa economia, esfera social, setor de saúde, setor de ensino e ciência. Quanto melhor for o desenvolvimento do país, mais eficazes seremos em defender os nossos interesses no cenário internacional.

A situação com a nossa indústria de guerra é uma boa prova disso. A nossa indústria de guerra teve um grande avanço quando as Forças Armadas russas se tornaram o que são hoje. O tom das conversas travadas connosco mudou.

Isto não significa que tenhamos de apostar na força brutal em todas as questões. Como diz um provérbio norte-americano: quando tens um Colt no bolso, eles começam a falar contigo de forma mais educada.

Vladimir Jirinovski disse que muitos dos que haviam estudado União Soviética sofreram uma repressão. Houve tais factos. Muitos foram discriminados só porque se haviam licenciado pela Universidade de Relações Internacionais MGIMO ou outras universidades soviéticas. Por outro lado, muitos daqueles que foram formados na URSS estão agora no poder nos seus países. Não esqueçamos também isto.

Temos vindo a seguir o destino daqueles que foram formados pelas nossas universidades. É também uma coisa importante que nos dá uma melhor compreensão de como estruturar o nosso trabalho futuro.

Sobre a Ucrânia. Sim, o Ocidente está a "fomentar" a histeria: a evacuação, os fornecimentos maciços de armas, incitando a elite ucraniana que, na minha opinião, já está um pouco assustada com o cenário extremamente assustador que lhe foi desenhado pelo Ocidente. Vladimir Zelensky, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa e o Ministro da Defesa dizem que não veem nada de especial, que a Rússia se encontra no seu território e que, para eles, não é novidade. Exortam a não fazer escalar a situação e acalmar-se. O Ocidente não quer que eles se acalmem nem ele próprio se acalma. É disto que se trata. O Ocidente quer uma verdadeira provocação.

O objetivo deste comportamento ligeiramente surrealista do Ocidente é a evacuação. Ao mesmo tempo, aconselham a levar armas, munições. Eles ameaçam-nos com "sanções do inferno", a "mãe de todas as sanções" estará em breve connosco. É claro para mim que tudo isto tem por objetivo fazer com que o regime de Kiev perca a paciência e comece uma operação militar contra Donbass ou acabar com os acordos de Minsk, apesar dos apelos e afirmações constantes de Paris, Berlim e Washington de que estes são um único caminho rumo à resolução do conflito.

Não há uma única palavra nem uma única linha nos nossos argumentos que foram aqui mencionados hoje, fixados nas nossas propostas sobre garantias de segurança, que não reflita os compromissos assumidos pelo Ocidente sob a forma de documentos políticos. Este é, de facto, o caso. As nossas iniciativas concentraram a experiência dos últimos trinta anos dos nossos contactos com o Ocidente: "prometido", "esquecido", "ah, isso nunca aconteceu", ou "foi prometido, sim, mas oralmente". Está bem, agora vamos registá-lo por escrito. Mas eles não cumprem o que foi registado por escrito. Porque? Porque se trata de um "compromisso político". Sim, mas é um compromisso político a nível de presidentes e primeiros-ministros. Mas para eles não é juridicamente vinculativo.

Em 2009, propusemos-lhes tornar juridicamente vinculativos todos os compromissos políticos declarados. Depois de "coçar a nuca" eles disseram que as garantias de segurança juridicamente vinculativas só podem ser dadas aos membros da NATO. Perguntamos-lhes: qual foi o sentido de desperdiçar palavras na OSCE? A Carta de Segurança Europeia adotada em Istambul em 1999, a Declaração da Cimeira da OSCE de Astana de dezembro de 2010 (dissemo-lo muitas vezes aos nossos colegas, falei agora mesmo com Antony Blinken em Genebra com os documentos nas minhas mãos) contêm a fórmula da indivisibilidade da segurança. É muito simples.

Primeiro: cada país tem o direito de escolher e alterar as suas alianças a fim de garantir a sua própria segurança. Segundo: nenhum país tem o direito de reforçar a sua segurança à custa da segurança de outros. Mostramos esta fórmula, que foi confirmada duas vezes ao mais alto nível na OSCE, aos nossos parceiros. Dizem-nos: sim, a indivisibilidade da segurança é importante, e nenhum país pode ser desprovido do direito de escolher as suas alianças militares. Nós dizemos: sim, isso está escrito na primeira frase. Já a segunda frase deste mesmo parágrafo diz: nenhum país tem o direito de reforçar a sua segurança à custa de outros.

Ou seja, interpretam o primeiro ponto, a saber, o direito de escolher alianças, como o direito de aderir à NATO. Quando lhes perguntamos como interpretam o segundo ponto que diz que ninguém tem o direito de reforçar a sua segurança à custa dos outros e no que este se traduz na atual situação em que se trata do alargamento da NATO? Mantêm silêncio sepulcral.

Quase perdemos a esperança de obter deles uma resposta mais ou menos inteligível. Gostaria de fazer oficialmente uma pergunta concreta a todos os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países signatários: como encaram as fórmulas absolutamente inequívocas.

Esperamos receber esta semana uma resposta às nossas propostas de que falámos hoje. Temos razões para acreditar que, desta vez, não nos dececionarão e manterão a palavra dada.

Foi mencionado que os norte-americanos pedem para não mostrarmos a sua resposta a ninguém. Penso que, se tiverem tal atitude para com tudo o que se está a passar, provavelmente não poderemos publicar o seu documento. Todavia, a sociedade da Rússia e de outros países merecem ser informadas do cerne da sua resposta aos nossos documentos.

Agradeço mais uma vez as boas referências feitas a nosso respeito. Reitero o nosso desejo de colaborar, o mais estreitamente possível, com os deputados.

Os nossos agradecimentos especiais pelo vosso apoio na retaguarda. Estaremos prontos a trabalhar em conjunto também na linha da frente.


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