Государство Катар
Intervenção inicial e respostas a perguntas do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, após a reunião do Conselho de Cooperação do Golfo, Riade, 1 de junho de 2022
Tivemos hoje uma importante reunião, a quinta ronda do diálogo estratégico entre a Rússia e os membros do Conselho de Cooperação do Golfo. A reunião veio num momento muito oportuno, pois não nos reunimos há vários anos devido a restrições da pandemia do coronavírus. Hoje, tivemos uma conversa muito proveitosa que nos ajudou a compreender melhor os processos cruciais que estão agora a ocorrer no cenário internacional e de que falámos publicamente durante as nossas visitas ao Barém, no dia 31 de maio, à Argélia, no dia 10 de maio e a Omã, no dia 11 de maio deste ano.
A principal conclusão imposta pela análise da situação geopolítica é que não devemos permitir que um grupo de países estabeleça o seu domínio no mundo. Infelizmente, os nossos parceiros ocidentais tornaram esta política na sua prioridade absoluta, apregoando abertamente a necessidade de uma ordem mundial unipolar, a que dão o nome de "ordem baseada em regras", cabendo, segundo eles (e eles não escondem isto) ao Ocidente elaborar estas regras. Na sua opinião, outros não têm este direito.
Quanto ao “polo" que, segundo o Ocidente, deveria ser o único no mundo, é inequivocamente chefiado pelos EUA. Não há nenhuma dissidência, os apelos isolados a uma "autonomia estratégica" da Europa não se ouvem afogados no coro de declarações uníssonas daqueles que exigem a unidade do Ocidente com os EUA à frente.
Não somos contra o Ocidente fazer o seu negócio a seu critério nas instituições por ele criadas, incluindo a NATO e a UE. No entanto, somos contra o Ocidente violar os seus compromissos globais, incluindo os assumidos na OSCE, desenvolvendo as suas instituições. Conforme os referidos compromissos, nenhum país pode reforçar a sua segurança à custa da segurança de outros e nenhuma organização pode reivindicar o domínio na região euro-atlântica. Não é difícil ver que é exatamente isto que a NATO está a fazer. O Ocidente não deve elaborar os seus projetos nem concretizar as suas ideias em violação das regras universais, principalmente da Carta das Nações Unidas que diz que o respeito pela igualdade soberana dos Estados é o princípio fundamental das Nações Unidas. Os nossos parceiros do CCG compreendem perfeitamente todos estes aspetos da situação internacional relacionados com os acontecimentos fomentados pelo Ocidente em torno da Ucrânia.
Valorizamos a sua posição bem equilibrada sobre esta questão, tanto em fóruns internacionais como na prática. Recusam-se a aderir às sanções unilaterais ilegais do Ocidente contra a Federação da Rússia e a República da Bielorrússia.
Reafirmamos a nossa fidelidade à Carta das Nações Unidas, inclusive no que toca à crise na Ucrânia e à sua volta. Os nossos parceiros no mundo árabe, no CCG concordam connosco que a violação de uma das disposições-chave da Carta das Nações Unidas provocou a situação na Ucrânia. Referimo-nos à disposição da Carta que obriga todos os Estados membros da ONU a cumprir as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em fevereiro de 2015, a Resolução 2202, aprovada por unanimidade, confirmou os acordos de Minsk que exigiam que o regime de Kiev iniciasse um diálogo direto com Donetsk e Lugansk, cumprisse as disposições acordadas para conceder a estas regiões do leste da Ucrânia um estatuto especial e consagrá-lo na Constituição da Ucrânia, realizar, em coordenação com Donetsk e Lugansk, eleições, anistia, separar as partes em conflito, conseguir um cessar-fogo e a retirada das armas pesadas. Nenhuma destas disposições foi cumprida pelo regime de Kiev. Mais do que isso, o regime de Kiev recusou-se a cumprir os compromissos assumidos. O Presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, qualificou de “espécies” as pessoas do leste da Ucrânia. Em setembro de 2021, Vladimir Zelenski disse que, se alguém na Ucrânia estivesse descontente ao ver a língua, a cultura e os meios de comunicação russos proibidos no país, se alguém se sentisse russo, deveria ir embora para a Rússia, pois isso seria melhor para os filhos desses russos que eram de nacionalidade ucraniana.
Uma ideologia semelhante já teve lugar na história da Europa, e nós sabemos como isso acabou. A recusa do regime de Kiev em cumprir a resolução do Conselho de Segurança da ONU, que aprovou os acordos de Minsk, durante oito anos, foi um fator decisivo para a atual situação. Se havia alguém que duvidasse que o Ocidente “incitava” a Ucrânia a conter a Rússia, a criar ameaças para a Rússia, a maioria dos observadores imparciais não tem mais dúvidas a este respeito.
Hoje, confirmámos unanimemente o nosso compromisso com a Carta das Nações Unidas e a necessidade de cumprir todas as suas disposições na íntegra. Foi através deste prisma que abordámos questões regionais, entre as quais a solução síria, e assinalámos a necessidade de cumprir a Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU, incluindo a resolução dos problemas humanitários e a restauração das infraestruturas económicas, necessárias ao regresso dos refugiados. Analisámos também os trabalhos do Comité Constitucional, cuja sessão ordinária começou em Genebra (segundo as primeiras avaliações, teve um início positivo) e a posição da Síria no mundo árabe. Confirmámos a nossa convicção de que é necessário fazer com que a Síria seja readmitida na Liga Árabe. Vemos que os nossos parceiros no Golfo também se mostram compreensivos para com isso.
Falámos muito sobre a problemática palestino-israelita. O processo de paz sob a forma de um diálogo direto entre a Palestina e Israel parou e está num impasse, o que dificulta os esforços para a resolução da questão palestiniana através da criação do Estado da Palestina de acordo com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU e a Iniciativa de Paz Árabe avançada pela Arábia Saudita há 20 anos. Estamos preocupados ao ver que o conceito de solução de dois Estados é agora posto a uma prova dura. A Rússia e os nossos parceiros no Golfo rejeitam categoricamente a atitude que pode criar uma situação explosiva na região.
Discutimos a situação no Iémen, onde se verificou recentemente uma evolução positiva graças às iniciativas avançadas pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Omã e outros países do CCG. Saudámos a criação do Conselho de Liderança Presidencial e a recente trégua de dois meses que foi observada e que expira depois de amanhã. Partilhamos a esperança de que a trégua seja renovada por mais dois meses, pelo menos. Entretanto, vamos tentar lançar um processo político com a ajuda da ONU através do Representante Especial do Secretário-Geral para o Iémen.
A Líbia enfrenta uma tarefa urgente de organizar um diálogo a nível nacional que integre todas as forças políticas do país. O país está a enfrentar a dualidade de poderes. Atribuímos isso, em certa medida, aos esforços insuficientemente intensos, construtivos e criativos da ONU. É uma consequência do não preenchimento, durante muitos meses, da vaga de Representante Especial do Secretário-Geral que é nomeado com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. O Conselho de Segurança aprovou recentemente uma resolução em que mencionou a necessidade de acelerar o processo de preenchimento desta vaga. Os nossos colegas da discussão de hoje são favoráveis a esta abordagem.
Discutimos a situação no Golfo Pérsico e as relações entre as monarquias árabes e a República Islâmica do Irão. Há muito que a Rússia promove o Conceito de Segurança Coletiva nesta importantíssima região do mundo. Este conceito está a ser discutido. No outono passado, o Instituto de Estudos Orientais da Academia das Ciências da Rússia acolheu reuniões de peritos e cientistas políticos de todos os países banhados pelo Golfo, países vizinhos, incluindo árabes e iranianos. A discussão foi útil e culminou com a elaboração de recomendações que estamos agora a sintetizar. Queremos realizar em breve um outro encontro de peritos e cientistas políticos para ajudar a criar condições para a elevação do diálogo ao nível interestatal.
Falámos muito sobre a necessidade de continuar e intensificar a luta contra o terrorismo, especialmente a ideologia extremista, e congratulámo-nos com os esforços para a promoção do diálogo entre diferentes civilizações e religiões, incluindo no âmbito do Grupo de Visão Estratégica criado há algum tempo entre a Rússia e a Organização de Cooperação Islâmica e que realizou recentemente uma reunião em Kazan, capital do Tartaristão (república federada da Rússia - N. da R.). À margem, foram celebrados os 1100 anos de adoção do Islão pela Bulgária do Volga.
No que respeita a projetos práticos bilaterais com os nossos colegas do CCG, salientámos a necessidade de intensificar a nossa cooperação económica, cultural e de investimento. Assinalámos a necessidade de intensificar as atividades dos Grupos de Trabalho e dos Conselhos Empresariais que fizeram uma breve pausa devido à pandemia.
Durante a reunião com o Secretário-Geral do CCG, Nayef al-Hajraf, coordenámos as nossas atividades para o ajustamento, o mais rapidamente possível, do Plano de Ação Conjunta entre a Rússia e o CCG até 2025.
Tivemos reuniões com representantes dos países membros do CCG à margem das reuniões de hoje. Ontem, tive conversações detalhadas com o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Arábia Saudita, Faisal bin Farhan Al Saud. Salientámos um crescimento sustentável do nosso intercâmbio comercial que aumentou 34,2 por cento no ano passado. Agendámos uma reunião da Comissão Intergovernamental Rússia-Arábia Saudita de Cooperação Económica, Comercial, Tecnológica e Científica.
O Fundo Russo de Investimento Direto e o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita mantêm uma boa cooperação, tendo aplicado, no âmbito de uma plataforma conjunta, 2,5 mil milhões de dólares. O Fundo russo tem projetos semelhantes com os seus parceiros estrangeiros (Emirados Árabes Unidos, Qatar e Kuwait) que estão a ir bem. Tive reuniões individuais com os Ministros dos Negócios Estrangeiros destes países, durante as quais nos manifestámos empenhados em desenvolver por todos os meios a nossa parceria, inclusive face à nova situação económica mundial no contexto da política seguida pelos nossos colegas ocidentais.
Estes são os resultados da nossa visita breve, mas muito intensa.
Pergunta: O problema alimentar é relevante para a região e para o resto do mundo. Este tema foi abordado no Barém e hoje na Arábia Saudita? O que fazer com as acusações lançadas pelo Ocidente contra a Rússia no sentido de esta ser a culpada da "fome que se está a aproximar”?
Serguei Lavrov: Devemos encarar estas acusações como as outras, segundo as quais a Rússia é a culpada de tudo. Falei disso detalhadamente no Barém, comentando os resultados da nossa visita numa conferência de imprensa.
Hoje, informei os nossos colegas do Conselho de Cooperação do Golfo da situação real. As coisas estão claras. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, comentou várias vezes este tema em público e em recentes contactos telefónicos com os líderes França, Alemanha e Turquia.
Quanto à Federação da Rússia, não temos problemas em termos de fornecimento estável de cereais aos mercados mundiais. O problema é que a saída dos portos ucranianos está bloqueada pelas minas colocadas pelos militares ucranianos. Todos os dias, a Marinha russa anuncia, há semanas, a abertura de corredores humanitários para a livre saída dos navios que estão trancados nos portos ucranianos devido às minas. Não podem sair dos portos para levar a sua carga aos portos de destino. Além dos cereais ucranianos (que estão trancados nos portos devido a esta política do regime de Kiev. É necessário pressioná-lo a desminar as águas), existe o problema da exportação de cereais russos. O Ocidente declara em voz alta que os cereais não estão sob as sanções, silenciando, contudo, que as sanções atingem os navios que transportam cereais. Estes são proibidos de entrar nos portos europeus, sendo-lhes negado o seguro. Todas as cadeias logísticas e financeiras do fornecimento de cereais aos mercados mundiais estão sob sanções ocidentais.
As nossas propostas de como sair do impasse são bem conhecidas. Após a conversa com o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, concordámos que os nossos colegas turcos tentariam ajudar-nos a organizar a desminagem dos portos ucranianos. Isto é necessário para libertar os navios feitos reféns nestes portos para que possam entregar as cargas necessárias destinadas aos países em desenvolvimento. É igualmente necessário fazer com que esta operação se realize sem que haja tentativas de reforçar a capacidade militar da Ucrânia e prejudicar a Rússia. Não vou avançar mais detalhes. Compete aos militares e especialistas discuti-los.
A Secretária-Geral da UNCTAD, Rebeca Grynspan, visitou recentemente a Rússia. A pedido de António Guterres e com o consentimento do Presidente, Vladimir Putin, ela encontrou-se com o Primeiro-Vice-Primeiro-Ministro da Rússia, Andrey Belousov, que lhe explicou em pormenor a logística para a resolução deste problema. Não existem obstáculos da nossa parte. Os obstáculos estão a ser criados ou pelas autoridades ucranianas ou pelos países ocidentais que estão a encobrir todas as ações inaceitáveis e ilegais do regime de Kiev.
Pergunta: A Ucrânia insiste em obter armas mais modernas (lançadores múltiplos de foguetes), incluindo dos EUA. Se isto acontecer, existe o risco de países terceiros ficarem envolvidos neste conflito?
Serguei Lavrov: Este risco existe. As coisas que o regime de Kiev exige de forma grosseira aos seus patrões ocidentais ofende os padrões de decência e diplomacia. Esta é uma provocação direta destinada a envolver o Ocidente nos combates. No entanto, os políticos ocidentais de bom senso, embora nem todos, compreendem perfeitamente este risco. Alguns políticos da UE, especialmente dos países do norte da UE, dispõem-se a entregar-se a esta loucura para satisfazer as suas ambições. Os países sérios da UE dão-se conta de que estes roteiros são inaceitáveis. Washington deu recentemente sinais de avaliações sensatas. Temos transmitido repetidamente a nossa posição sobre este assunto através dos canais entre a Rússia e os principais países ocidentais. Eles estão bem cientes disso.
Pergunta: Na véspera da sua visita à Península Arábica, a UE chegou a acordo sobre um novo pacote de sanções. Uma das medidas prevê um embargo parcial às compras de petróleo à Rússia. Que impacto isso terá no nosso país e nos preços do petróleo? Abordou este tema nas conversas com representantes de países produtores de petróleo?
Serguei Lavrov: O impacto produzido já está a ser comentado pelos políticos europeus. O Presidente croata, Zoran Milanovic, disse que as sanções não funcionaram porque reduziram as compras de recursos energéticos à Rússia, enquanto os preços de fontes de energia no mercado global estão a subir. Como resultado, a Rússia está a ganhar ainda mais do que no ano passado. Que eles tirem as suas conclusões. Ao que parece, eles começaram finalmente a fazer cálculos e a tentar perceber o que estão a fazer e quais as consequências podem daí advir. A análise feita pelos mass media é bastante abrangente e objetiva. Pacote é pacote.
No que respeita às discussões com os nossos colegas das monarquias árabes, abordámos este tema, mas só para reiterar os acordos alcançados e reafirmados várias vezes pelos nossos líderes relativamente à cooperação no seio da OPEP+. Os princípios da interação nesta base continuam a ser importantes e relevantes.
Pergunta: O Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, disse outra vez que o “soft power” não funciona e que a UE precisa de usar o seu “poderio militar”. Já ouvimos falar disso. Ele tem mesmo a intenção de usar estruturas militares ou este é um “jogo de palavras”?
Serguei Lavrov: Este é um “jogo de palavras”. Todavia, não há fumo sem fogo. O problema é que uma ala russofóbica agressiva na União Europeia impõe há muitos anos a sua posição aos outros, capitalizando o princípio da solidariedade e do consenso. Esta ala está a intensificar as suas atividades. As declarações de Josep Borrell, por mais estranho que pareça ouvir palavras beligerantes do chefe da diplomacia da UE, refletem uma tendência imposta pela minoria agressiva a toda a UE. Uma UE paramilitar é o seu ideal. Veja bem, não apenas uma UE paramilitar como player estrategicamente autónomo, mas como um apêndice da Aliança do Atlântico Norte. Os factos em questão permitem dizer univocamente que este é agora o principal objetivo daqueles que querem unir o Ocidente sob o comando inquestionável de Washington. Neste contexto, prestámos atenção à declaração do Chanceler alemão, Olaf Scholz, de que a Alemanha se tornará a principal força militar da UE. Li comentários de observadores sensatos que se manifestaram perplexos com o facto de estas declarações terem sido feitas pelo líder da Alemanha. Isso me deixa pensativo, porque esta não é a única prova do ressurgimento na Alemanha de aspirações de domínio. Creio que isto merece a atenção dos parceiros europeus da Alemanha e deveria ser objeto de uma discussão séria sobre o futuro da Europa e sobre como esta continuará a aprender as lições da sua história obscura dos séculos passados.