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Excerto da entrevista concedida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, ao canal de televisão RT Arabic, Moscovo, 26 de maio de 2022

Pergunta: A sua recente visita à Argélia e Omã despertou grande interesse. O que pode dizer sobre os seus resultados? Porque decidiu visitar estes países?

Serguei Lavrov: Comunicamos com todos os países interessados. Quanto a esta digressão, foi planeada há muito tempo. O programa e as datas das minhas visitas foram acordados há tempo.

Na Argélia, tive boas e longas conversas com o Presidente da República Argelina Democrática e Popular, Abdelmadjid Tebboune, e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ramtane Lamamra. Sublinhámos que, durante muitos anos, as nossas relações basearam-se na Declaração sobre Parceria Estratégica assinada pelos nossos Presidentes em 2001. Desde então, temos desenvolvido intensamente os nossos laços estratégicos como parceiros em muitas áreas. Basta mencionar o nosso diálogo político regular, o nosso intercâmbio comercial (que aumentou vários por cento em 2021 para ultrapassar os 3 mil milhões de dólares apesar da pandemia), a economia, o investimento conjunto, o nosso trabalho na OPEP+ e no Fórum dos Países Exportadores de Gás, os nossos amplos laços técnico-militares e os nossos intercâmbios culturais e humanitários.

Concluímos que as nossas relações estão a atingir um nível completamente novo, facto que deveria ser registado num documento que já está a ser elaborado (a pedido da Argélia). Esperamos assinar este documento durante a próxima visita do Presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, à Rússia, a convite do Presidente da Rússia, Vladimir Putin.

Valorizamos que os países árabes se recusem a andar a reboque do Ocidente, estejam a avaliar objetivamente a situação na Ucrânia e as suas   causas, compreendam que a atual situação tenha sido provocada pela recusa terminante dos nossos colegas ocidentais em chegar a acordo sobre a segurança igual e indivisível na nossa região comum e não se juntem às sanções anti-russas.

Quanto a Omã, esta foi a primeira visita desde que o seu novo Sultão Haitham bin Tariq Al Said subiu ao trono. O Sultão recebeu-me com gentileza e dedicou-me muito tempo. Fiquei particularmente agradecido a Sua Majestade por este gesto (o protocolo do Sultanato de Omã não prevê audiências como esta para pessoas de nível ministerial). As nossas conversações detalhadas mostraram que temos um bom potencial para desenvolver as nossas relações económicas e comerciais. Queremos elevá-las ao nível do nosso diálogo político caraterizado pela confiança mútua. Temos muitas potencialidades nas áreas de energia e tecnologias de informação e comunicação, temos projetos interessantes na área de cultura. Em março passado, terminou a exposição de Arte Islâmica da Rússia. A mostra esteve patente ao público no Museu Nacional de Omã durante seis meses. Este museu e o Museu Hermitage têm vindo a cooperar estreitamente desde 2015. Ambos exibem as suas coleções num museu parceiro.

Pergunta: Para onde será a sua próxima viagem?

Serguei Lavrov: A minha próxima visita terá lugar muito em breve. A 31 de maio e 1 de junho. Tenho convites para visitar primeiro o Bahrein. Mais tarde, no dia 1 de junho, Riade acolherá uma reunião regular do Fórum de Ministros dos Negócios Estrangeiros Rússia-CCG. Este fórum existe há muito tempo. Devido à pandemia, fizemos uma pausa nas nossas reuniões. Agora os nossos amigos propuseram que fossem retomadas. Para além da reunião Rússia-CCG, haverá também reuniões bilaterais com quase todos os integrantes desta organização.

Pergunta: Como é que avalia a posição dos países árabes sobre a crise ucraniana?

Serguei Lavrov: Acabei de dizer, respondendo à pergunta anterior, que todos os países árabes têm uma posição responsável. Isto mostra que eles se orientam unicamente pelos seus interesses nacionais e não estão dispostos a sacrificá-los às aventuras geopolíticas conjunturais de ninguém. Temos relações baseadas no respeito mútuo. Compreendemos os interesses vitais dos países árabes no que diz respeito às ameaças à sua segurança. Eles retribuem e compreendem as ameaças à segurança da Federação da Rússia que o Ocidente tem vindo a criar nas nossas fronteiras há décadas, tentando utilizar a Ucrânia para conter a Rússia e causar-lhe danos significativos.

Pergunta: O senhor acha que estes países vão continuar a seguir esta sua política, apesar da pressão do Ocidente, em particular da aliança anglo-saxónica?

Serguei Lavrov: A arrogância da aliança anglo-saxónica não tem limites. Todos os dias temos a oportunidade de nos convencer disso. Em vez de cumprir os seus compromissos estipulados na Carta das Nações Unidas e respeitar, como ali está escrito, a igualdade soberana dos Estados e abster-se de interferir nos seus assuntos internos, o Ocidente envia todos os dias, através dos seus embaixadores ou emissários, ultimatos a todas as capitais do mundo árabe e de outras regiões do mundo, chantageando os seus responsáveis governamentais. O Ocidente ameaça diretamente os seus interlocutores, dizendo que se arrependerão de não terem aderido às sanções contra a Rússia e serão punidos por isso. Trata-se de uma falta de consideração gritante pelos países soberanos. A reação dos países árabes e de quase todos os outros países da Ásia, África e América Latina a que estamos a assistir mostra que estes países não querem ceder a sua dignidade nacional para servir de moço de recados para os países de maior peso político. Esta situação é mais um exemplo do pensamento colonial. Os hábitos dos nossos colegas ocidentais não desapareceram. Os EUA e a Europa continuam a pensar em termos coloniais que remontam à época em que podiam impor a sua vontade aos outros. É errado e lamentável e vai contra o processo histórico que se resume objetivamente ao facto de um mundo multipolar está agora a tomar forma. Tem vários centros de crescimento económico, poderio financeiro e influência política. Todo o mundo compreende que a China e a Índia são economias em rápido crescimento e países influentes, tal como o Brasil e outros países da América Latina. A exploração do enorme potencial de recursos naturais da África tem sido contida pelos colonialistas e durante o período do neocolonialismo que ainda não terminou. É por isso que a África também está a fazer ouvir a sua voz. Não tenho a menor dúvida de que o mundo árabe é objetivamente um dos pilares ou um dos centros de um mundo multipolar que está a ser moldado agora.

Pergunta: Estamos a falar de boas relações entre a Rússia, a China e a Índia. Podem estes países criar uma aliança para fazer frente à hegemonia dos EUA?

Serguei Lavrov: Nunca criamos alianças contra ninguém e nunca fazemos amizade com alguns países para nos opor a outros. Temos uma rede ramificada de organizações parceiras estabelecida há muitos anos. Permito-me citar as organizações criadas após a desagregação da União Soviética. São as seguintes: a CEI, a OTSC, a UEE e a OCX, num plano geopolítico mais amplo. A OCX estabeleceu e está a desenvolver laços estreitos com a UEE e no âmbito da junção dos projetos de integração eurasiática com as iniciativas chinesas (Uma Faixa, uma Rota) A UEE e a China assinaram um acordo. Estes projetos de integração juntos cobrem áreas cada vez maiores. Assim, cooperando entre si, a UEE e OCX têm memorandos de cooperação com a ASEAN. O projeto Grande Eurásia (ou a Grande Parceria Eurasiática) deveria abranger toda a Eurásia. O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, falou sobre isto na cimeira Rússia-ASEAN, há seis anos. Este projeto baseia-se nos processos no terreno e tem uma dimensão eurasiática.

Muitos países do mundo árabe estão interessados em estabelecer relações de parceria com a OCX que representa todas as outras sub-regiões líderes do nosso enorme continente comum. Estes são esforços para construir alianças construtivas e positivas (e não antagónicas) que não são dirigidas contra ninguém. Estão gradualmente a adquirir um carácter global, o que se reflete no desenvolvimento dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Os nossos amigos sauditas e a Argentina mostram interesse por esta associação. Esta última disse, pela voz do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, Santiago Cafiero, que deseja entrar para os BRICS como membro de pleno direito.

Os BRICS estão a preparar-se para a próxima cimeira que irá criar um formato “outreach” que contará com a participação de uma dúzia de nações em desenvolvimento. Estes processos estão em curso. Sabemos que os nossos amigos ocidentais têm muitas fobias e complexos: os da superioridade e da infalibilidade, além de serem paranoicos. O Ocidente vê a oposição e uma ameaça ao seu domínio em qualquer processo em que não participe e que não controle. Chegou a hora de se livrar destas maneiras e costumes.

Pergunta: Apesar das provas apresentadas pela Rússia, a questão do desenvolvimento de armas biológicas pelos EUA na Ucrânia não provocou nenhuma preocupação no Ocidente. O que deve ser feito para que o mundo compreenda que isto é perigoso? A imprensa árabe escreve que os esforços da Rússia para mostrar como estes laboratórios funcionam têm importância histórica.

Serguei Lavrov: Esta é uma violação direta da Convenção sobre a Proibição de Armas Biológicas e Toxínicas. Desfrutando do apoio de todos os países, menos os EUA, defendemos há muito a criação, no âmbito da Convenção, de um mecanismo de verificação universal e transparente para que todos os países possam ter a certeza de que nenhum dos países partes na Convenção viola os seus compromissos. Esta iniciativa é bloqueada pelos EUA desde 2001 (há mais de 20 anos). Agora entendemos a razão por que eles têm esta posição. Durante todos estes anos, os norte-americanos criaram os seus laboratórios biológicos militares em todo o mundo. A Agência de Redução de Ameaças de Defesa (DTRA), uma das divisões do Pentágono, é responsável por estas atividades, dispensando especial atenção ao espaço pós-soviético e à Eurásia. A informação disponível mostra que estes laboratórios foram e estão a ser estabelecidos à volta da Federação da Rússia e perto da China. Suspeitávamos desde o início que as experiências feitas nestes laboratórios não eram inofensivas e inocentes. Quando as Forças Armadas russas e as milícias de Donetsk e Lugansk libertaram a cidade de Mariupol, durante a operação militar, descobriram laboratórios abandonados apressadamente pelos norte-americanos que não conseguiram destruir todos os documentos e amostras. As amostras de agentes patogénicos e os documentos ali encontrados apontavam claramente para o carácter militar das experiências ali realizadas. De acordo com os documentos, os laboratórios deste tipo eram às dezenas na Ucrânia. Em primeiro lugar, vamos tentar fazer com que toda esta informação que apresentámos no Conselho de Segurança da ONU seja levada a sério (o senhor observou que a esmagadora maioria das nações em desenvolvimento a leva a sério).

Em segundo lugar, queremos que esta informação provoque medidas concretas que devem ser tomadas no âmbito da Convenção sobre Armas Biológicas. Exige que os EUA expliquem o que estavam a fazer ali. Realizámos cinco briefings especiais no Conselho de Segurança da ONU, um deles foi realizado muito recentemente. Iremos insistir, em conformidade com os compromissos decorrentes da Convenção, em que os EUA tomem medidas concretas e iremos analisar informações sobre o envolvimento de outros países nas experiências nos laboratórios biológicos militares na Ucrânia. De acordo com algumas fontes, entre os países citados estão o Reino Unido e a Alemanha.

Pergunta: A Turquia e a Itália têm um plano de organização de conversações entre a Rússia e Kiev. Estará a Rússia disposta a continuar as conversações que não deram nenhum resultado?

Serguei Lavrov: Salientámos em numerosas ocasiões que os nossos colegas ocidentais decidiram usar Vladimir Zelensky (esta tese já está nas bocas do mundo) e todos os cidadãos da Ucrânia até ao último ucraniano para prejudicar a Rússia tanto quanto possível e derrota-la no campo de batalha. Isto tem sido declarado abertamente em Washington, Berlim, Londres e, em voz especialmente alta, em Varsóvia. A Polónia chegou ao ponto de propor destruir o mundo russo como "tumor maligno no corpo da humanidade”. Gostaria de ver este “corpo” se é representado pelos nossos vizinhos polacos. Há muitos anos que a Rússia tenta explicar por que razão a expansão da NATO para leste e a admissão da Ucrânia na aliança são inaceitáveis para nós. Eles ouviram-nos, mas não nos escutaram.

Em 2014, ano em que o golpe de Estado foi perpetrado, a oposição [ucraniana] anulou os acordos alcançados nos dias anteriores apesar das garantias da UE. A UE mostrou-se incapaz de forçar os golpistas a respeitar as assinaturas da França, Alemanha e Polónia. Em 2015, a guerra na Região de Donbass desencadeada pelo novo governo ucraniano levado ao poder pelo golpe de Estado foi feita parar. Os acordos de Minsk foram assinados e garantidos pela França e pela Alemanha. Durante todos estes anos, apelámos a Kiev para que honrasse os seus compromissos. Uma vez que o Ocidente tinha a influência decisiva sobre o regime de Kiev, contactávamos com os europeus e os norte-americanos, apelando à sua consciência. Lamentavelmente, verificámos que eles não têm consciência.

Em vez de forçar Kiev a cumprir os acordos, o que deveria ter sido feito através de um diálogo direto com Donetsk e Lugansk, o Ocidente tentava justificar Vladimir Zelensky e a sua equipa, mesmo quando disseram publicamente que nunca falariam com "essas pessoas", embora isto estivesse estipulado na resolução do Conselho de Segurança da ONU que aprovava os acordos de Minsk. Disseram que nunca iriam cumprir os acordos de Minsk nem concederiam nenhum estatuto especial a estas repúblicas. Ao mesmo tempo, a Ucrânia aprovou uma série de leis que proibiam a língua russa no ensino e nos media. Veículos de comunicação de língua russa foram encerrados. A língua russa foi proibida também na vida quotidiana. Apenas a língua ucraniana era permitida como meio de comunicação no dia a dia. Além disso, Vladimir Zelensky declarou que aqueles que se sentiam russos deveriam ir para a Rússia. Ele disse isto em setembro de 2021. Chamámos a atenção de países ocidentais, da OSCE, do Conselho da Europa e dos organismos especializados da ONU para estas declarações agressivas, russofóbicas e racistas no espírito da política neonazi que estava a ganhar uma posição na legislação ucraniana. Eles não reagiram de forma alguma. Alguns funcionários exortaram por vezes a Ucrânia a respeitar os seus compromissos internacionais. No entanto, Vladimir Zelensky não se ralava nada com os seus compromissos internacionais e com a Constituição da Ucrânia que garantia os direitos da população russófona da Ucrânia. Puseram no lixo a Constituição e as convenções internacionais e adotaram um monte de leis anti-russas.

Quando nos perguntam se a Rússia está disposta a negociar, já explicámos a razão por que não podíamos mais continuar a fazer nada. Os documentados que encontrámos nas posições do exército ucraniano durante a operação militar especial provam que iniciámos a nossa operação na hora certa. Os ucranianos tinham um Plano B, segundo o qual um enorme contingente de tropas ucranianas concentrado até meados de fevereiro passado na linha de contacto com a Região de Donbass deveria atacar, no dia 8 de março, e invadir estes territórios em flagrante violação dos acordos de Minsk e da resolução do Conselho de Segurança da ONU.

Não tenho dúvidas de que, se este plano tivesse sido concretizado, o Ocidente teria feito vista grossa a todas estas violações, tal como fingiu não ver que o regime de Kiev desrespeitou todos os acordos durante os oito anos anteriores.

Quando as autoridades ucranianas propuseram negociações vários dias após o início da operação, concordámos imediatamente. Realizámos várias rondas de conversações presenciais na Bielorrússia, tentando compreender a posição da Ucrânia e o que esta pretendia obter, porque havíamos exposto a nossa visão. Após várias rondas (na Bielorrússia e online), foi proposto organizar uma reunião em Istambul onde a delegação ucraniana trouxe, pela primeira vez, propostas por escrito assinadas pelo chefe da delegação ucraniana (isso foi no dia 29 de março). Analisámos as suas propostas e levamo-las ao conhecimento do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, após o que dissemos aos nossos colegas ucranianos que estávamos prontos a negociar com base nas suas propostas. Uma vez que não nos entregaram uma proposta inteira de acordo, mas apenas algumas das suas disposições, utilizámo-las para redigir rapidamente uma proposta de acordo com base na posição ucraniana e entregámo-la à delegação ucraniana. No dia seguinte, foi encenada uma provocação flagrante na cidade de Bucha, onde foram encontrados cadáveres nas ruas três dias depois de as tropas russas terem deixado a cidade e a cidade ter vivido uma vida pacífica. Fomos logo acusados de termos matado aquelas pessoas. O senhor já sabe o que aconteceu a seguir.

O Ocidente não tardou a aprovar um novo pacote de sanções, como se se tivesse preparado de antemão. Os ucranianos disseram-nos que haviam revisto a sua posição e que iriam reformular os princípios básicos do acordo. Os nossos contactos continuaram. A última proposta de acordo está há quase um mês com os ucranianos a ganhar pó. Se me perguntar sobre quem quer e está pronto para negociar, Vladimir Zelensky disse, há dias, numa entrevista (dá entrevistas todos os dias) que estava pronto para conversações, insistindo, porém, em negociar unicamente com Vladimir Putin, por achar que não faria sentido fazê-lo a outros níveis. Para ele, as conversações deveriam ser realizadas sem quaisquer intermediários e apenas depois de a Ucrânia retomar o controlo do seu território e regressar à situação vivida no dia 23 de fevereiro de 2022. Não adianta explicar que tudo isso não é a sério. O Ocidente ganha ao apoiar a obstinação sem fundamento do lado ucraniano. Este é também um facto.  

O Ocidente exorta a derrotar a Rússia no campo de batalha, o que significa que a guerra deve continuar e que os fornecimentos maciços de armas, inclusive aquelas que são capazes de atingir o território russo e exigidas publicamente por Vladimir Zelenski, aos nacionalistas ucranianos e ao regime ucraniano devem prosseguir. Já avisamos o Ocidente de que está, de facto, a travar uma guerra por procuração contra a Federação da Rússia com as mãos, corpos e cérebros dos neonazis ucranianos, o que pode tornar-se um passo importante rumo a uma escalada inaceitável. Espero que as forças de bom senso que ainda existem no Ocidente, embora sejam poucas, compreendam isso.

Quanto à Turquia e à Itália, a Turquia não tem um plano. Pelo menos ninguém no-lo entregou, embora o Presidente Recep Tayyip Erdogan tenha salientado em muitas ocasiões que a Turquia está pronta para providenciar um local, como o que fez a 29 de março, convidando as partes para Istambul. Na verdade, foi um contacto útil. Pela primeira vez, os ucranianos apresentaram-nos a sua visão de um acordo de paz formulada por escrito. Aceitámo-la e traduzimo-la para a linguagem jurídica. Já lhe expliquei o que havia acontecido depois. O Presidente da Turquia, Recep Erdogan, defende a pacificação e oferece-se para ajudar este processo. Por outro lado, Vladimir Zelensky disse que não precisava de intermediários. Ele é que resolve. Muda de ideia mais rápido do que muda de roupa: ora precisa do apoio de todos os países do G7, ora o ex-Secretário-Geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, cria, a pedido dos ucranianos, um “grupo” para elaborar “garantias” para a Ucrânia num acordo de paz.

Gostaria de lembrar que, inicialmente, o conceito dos ucranianos era o de redigir um acordo único que incluísse o compromisso da Ucrânia de não aderir a quaisquer blocos, não possuir armas nucleares e de garantir o seu estatuto neutro. Também se previa que os países garantes que concedessem à Ucrânia garantias que tivessem em conta os interesses da segurança da Ucrânia, da Federação da Rússia e dos outros países da região. Como já referi, o regime de Kiev está a afastar-se desse conceito. Se Andres Fogh Rasmussen foi recrutado para cozinhar "garantias" num grupo restrito de patrocinadores ocidentais do regime ucraniano e, subsequentemente, apresenta-las à Rússia, então este é um caminho que não leva a lado nenhum.

Pergunta: Este não é um documento oficial? É uma simples iniciativa de ex-funcionários (da NATO)?

Serguei Lavrov: Estamos a analisar a situação. Esta iniciativa já foi anunciada como importante passo em frente. O mesmo diz respeito à iniciativa italiana. Luigi Di Maio “infiltrou-se” no espaço mediático e está a promover a iniciativa italiana de quatro pontos. Tudo o que sabemos sobre ela é que pode trazer a tão longamente almejada paz, convir tanto à Rússia como à Ucrânia e dar início a algo semelhante ao processo de Helsínquia, a um novo acordo sobre a segurança europeia e que já é partilhada pelos países do G7 e pelo Secretário-Geral da ONU. Não sei se é ou não é verdade, não sabemos se a mostrou a alguém. Ninguém nos enviou nada. Só podemos orientar-nos pelas especulações e comentários publicados nos mass media. Mas o que lemos (se for verdade, claro) faz-nos lamentar que os autores desta iniciativa não compreendam o que está a acontecer nem conhecem o historial da questão. A iniciativa afirma alegadamente que a Crimeia e a Região de Donbass devem fazer parte da Ucrânia e ter uma ampla autonomia. Os políticos sérios, empenhados em alcançar resultados e não em impressionar os seus eleitores, não podem propor coisas como estas. A Região de Donbass poderia ter regressado à Ucrânia há muito tempo, se os regimes ucranianos (de Petro Poroshenko e de Vladimir Zelensky) tivessem cumprido os acordos de Minsk e concedido um estatuto especial às regiões que se recusaram a aceitar o golpe de Estado. O pacote referia-se também ao estatuto da língua russa. No entanto, em vez de conceder um estatuto especial à língua russa, a Ucrânia proibiu-a. Em vez de desbloquear os contactos económicos, Petro Poroshenko anunciou um bloqueio de transporte para estas regiões, fazendo com que os reformados fossem a muitos quilómetros para receberem as suas pensões.

De acordo com os mass media, esta iniciativa italiana sobre a qual me perguntou afirma também que é preciso lançar um novo processo de Helsínquia, além de apaziguar a Rússia e a Ucrânia, a fim de garantir a segurança de todos e de tudo. Os nossos colegas de Roma tardaram a retomar o bom senso. O processo de Helsínquia deu uma série de conquistas importantes ao mundo, à nossa região, à região euro-atlântica, incluindo declarações assinadas ao mais alto nível político, nas cimeiras da OSCE, em particular em Istambul, em 1999, em Astana, em 2010 - declarações sobre a indivisibilidade da segurança. Estes documentos diziam que a segurança só podia ser igual e indivisível, apresentando adiante uma fórmula detalhada, segundo a qual todos os países participantes têm o direito de ser ou não parte em alianças, mas nenhum país pode aderir a alianças ou reforçar a sua segurança se isso prejudicar a segurança de qualquer outro país. A terceira componente desta fórmula afirma que nenhum país, nenhuma organização no espaço da OSCE pretenderá dominar em matéria de segurança.

Qualquer pessoa familiarizada, por pouco que seja, com a situação na Europa compreende que os países ocidentais têm violado grosseiramente as componentes-chave deste compromisso, reforçando a sua segurança, em violação do direito da Rússia de defender a sua segurança. Para eles, só a NATO e ninguém mais pode “mandar” nesta região. Temos tentado fazer com que estas belas palavras políticas se tornem realidade e funcionem na prática e não fiquem nos papéis assinados pelos presidentes dos EUA e dos países europeus. Propusemos tornar este compromisso político juridicamente vinculativo. Já em 2009, propusemos um acordo aos países da NATO. Eles disseram-nos que nem sequer o discutiriam porque só a NATO poderia dar garantias de segurança legais. Quando lhes perguntámos sobre o papel da OSCE, disseram-nos que se tratava apenas de promessas e slogans políticos. Isso mostra como os políticos ocidentais tratam as assinaturas dos seus presidentes. Mas não parámos por aí. Fizemos outra tentativa no ano passado. Em novembro de 2021, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, deu a ordem de elaborar novos documentos para acordar com os Estados Unidos e a NATO os princípios aprovados por todos ao mais alto nível. Elaborámos estes acordos e entregámo-los a Washington e a Bruxelas no início de dezembro de 2021. Tivemos várias rondas de negociações. Encontrei-me com o Secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. Foi-nos dito que poderíamos discutir a agenda do controlo de armas, mas a expansão da NATO não era da nossa conta. Quando voltámos a citar o seu compromisso de não reforçar a sua segurança à custa de outros, eles disseram-nos que tudo isso não tinha importância e que a única coisa que tinha importância era a chamada política de porta aberta da NATO. Avisámo-los durante muitos anos: em 2009, em 2013, em 2014 (quando ocorreu um golpe de Estado na Ucrânia), e em 2015 (os acordos de Minsk).

Durante todos estes anos, dissemos aos nossos colegas ocidentais que tudo isto acabaria mal porque eles continuavam a ignorar os nossos legítimos interesses e a dizer-nos rudemente “não” quando lhes pedíamos que os tomassem em consideração, porque se tratava da situação que se criava bem perto das nossas fronteiras e não a dezenas de milhares de quilómetros. A sua arrogância, o seu sentimento de superioridade, a sua mentalidade colonial (eu posso fazer tudo e vocês farão o que eu lhes disser) manifesta-se não só na sua atitude para com os nossos interesses.

Em 1999, os EUA decidiram subitamente que a Jugoslávia, situada a 10.000 quilómetros das suas costas, representava uma ameaça para a sua segurança. Bombardearam até destruir o país num abrir e fechar de olhos. O norte-americano William Walker, chefe da Missão da OSCE, declarou em voz alta que várias dezenas de cadáveres descobertos na aldeia de Racak eram um crime de genocídio. Como se revelou mais tarde, os corpos encontrados pertenciam a militantes, cujos cadáveres foram vestidos à civil e espalhados no local.

Um espetáculo semelhante foi encenado em Bucha, pequena cidade perto de Kiev, a 3 de abril. Este esquema é usado e não importa se alguém acredita ou não. Eles não precisavam de convencer ninguém. Haviam bombardeado a Jugoslávia, haviam criado um Kosovo independente, violando todos os princípios da OSCE e disseram que a partir daí seria assim.

Após o referendo na Crimeia, eles disseram que não. Segundo eles, a autodeterminação do Kosovo é uma coisa boa, enquanto a autodeterminação na Crimeia não é. Eles têm feito isso convencidos de que estão certos. Nenhum deles se cora de vergonha, embora seja um vexame para a diplomacia ocidental que perdeu a sua capacidade de dar explicações elegantes para os seus movimentos irresponsáveis.

Em 2003, os EUA decidiram que estavam ameaçados por um país situado a 10.000 quilómetros de distância e apresentaram ao mundo um frasquinho de vidro com o que eu penso ser pó de dentes. O pobre Colin Powell explicou mais tarde que havia sido enganado pelos serviços de inteligência. Alguns anos mais tarde, Tony Blair disse que eles se haviam enganado e que já não podiam fazer nada. Destruíram um país, matando cerca de um milhão de civis. Até agora, a integridade do Iraque ainda não foi restaurada. O pais está com muitos problemas, incluindo o do terrorismo, que antes não existiam no país. Na verdade, o Iraque e a Líbia eram regimes autoritários, mas não havia ali terroristas, hostilidades nem provocações militares.

A Líbia é outro exemplo. Em 2011, o Presidente dos EUA, Barack Obama, disse que eles iriam "liderar por trás" da Europa. A França, a nação mais democrática do Velho Mundo (liberdade, igualdade, fraternidade), liderou a operação da NATO para derrubar o regime líbio. Como resultado, destruíram o país. É difícil agora recriá-lo. Os franceses estão a tentar, avançando iniciativas, convocando conferências, anunciam as datas das eleições. Tudo em vão, porque, antes de iniciar a sua operação, deviam ter pensado no que seria da Líbia depois de o Ocidente garantir a sua "segurança" naquele país.

Não foi para dizer que eles podem e nós não podemos que citei este exemplo. Teria sido uma simplificação. Citei-o simplesmente para ilustrar a mentalidade dos países ocidentais que acreditam que os interesses da sua segurança passam por todo o mundo e que eles devem governar o mundo.

Quando a NATO se aproximou das nossas fronteiras, disseram-nos que ficássemos despreocupados, pois a NATO era uma aliança de defesa e não ameaçava a segurança do nosso país. Em primeiro lugar, é um desplante diplomático. Nós, como qualquer outro país, devemos decidir por nós próprios sobre o que é do interesse da nossa segurança. Segundo, a NATO era uma aliança defensiva quando tinha a quem fazer frente como a União Soviética e o Pacto de Varsóvia. Havia o Muro de Berlim que dividia a Europa Ocidental e a Europa de Leste. Todo o mundo entendia onde a linha de defesa passava. Após o Pacto de Varsóvia e a União Soviética terem deixado de existir, qualquer tenente com formação básica sabia que a “linha de defesa” também deixou de existir. Tudo o que era preciso era viver uma vida normal baseada em valores partilhados num espaço europeu comum.

Colocamos a nossa assinatura sob os mais diversos slogans, entre os quais os "do Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico", "de Lisboa a Vladivostok", "somos agora irmãos e irmãs". No entanto, eles mantiveram o seu espírito beligerante ao continuarem a mover a "linha de defesa" para junto das nossas fronteiras. Acabámos de comentar os resultados desta sua política. Nos últimos meses, o Secretário-geral da NATO e políticos belicistas como a Ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido têm vindo a afirmar publicamente que a aliança deve ter uma responsabilidade global. A NATO deve ser responsável pela segurança no Pacífico. Isto pode significar que, da próxima vez, a "linha de defesa" da NATO se deslocará para o Mar do Sul da China.

Não só a NATO, mas os dirigentes da UE também decidiram "brincar aos soldados". Ursula von der Leyen, que está a provocar o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, em termos de belicosidade, afirmou que a UE deve ser responsável pela segurança na região Indo-Pacífico. Como é que eles vão fazê-lo? Estão a mencionar a hipótese de um "exército" da UE. Ninguém lhes permitirá criar nenhum "exército" enquanto a NATO existir. Ao que tudo indica, ninguém tem sequer a intenção de reformar a NATO. Pretendem transformar esta "aliança de defesa" numa aliança global que reivindique o domínio militar global. Este caminho é perigoso e leva ao fracasso.

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